sexta-feira, dezembro 28, 2007

História da Vida Privada- Influência do Modelo Americano.

American Way of Life

A educação visa a incular na criança o desejo de conquistar sua autonomia, desenvolvendo todas as suas potencialidades e ao mesmo tempo respeitando as normas (o que gera um certo conformismo).

Como a ética protestante continua a alimentar o espírito do capitalismo, o trabalho não é visto como um atentado à vida pessoal, e sim como a essência da existência.
O espírito competitivo, incutido desde cedo, acompanha a socialização do indivíduo.
O êxito profissional é a condição sine qua non da realização identitária.

É bonito andar sempre "ocupadíssimo", ficar mencionando inúmeros encontros que o solicitante diz serem urgentes, chegar atrasado aos jantares, não responder às cartas, não ligar de volta para as pessoas que deixara recado, etc.

Os americanos elaboraram técnicas de administração do tempo que são ensinadas nas high schools.
O objetivo é sempre a eficácia, e existem dois termos para designá-la: eficiência (a tarefa será efetuada no menor prazo de tempo possível), e a efetividade (seu objetivo será alcançado).

É também a concepção americana do tempo que ajuda a explicar o alto índice de divórcios. Impera a certeza de que há "tempo pela frente", que depois de um fracasso sempre é possível recomeçar e dar certo.
O casamento é um empreendimento sério demais para permitir uma resignação à mediocridade.

Pesquisas realizadas nos anos 80 nos informam que a maioria dos entrevistados considera seu casamento mais bem-sucedido que os dos pais, e 90% afirmam que é no casal que eles encontram "a razão principal de sua felicidade".

Para ajudar nessa tarefa, acredita-se na competência dos especialistas, não se hesita em pedir os conselhos supostamente esclarecidos de um psicanalista ou um sexólogo.

A cultura dos medos individuais e coletivos ocupa um lugar importante.
Câncer, Aids, depressão nervosa, overdose, suicídio, terrorismo cego ou apocalipse atômico do lado coletivo, tudo isso é mostrado ou imaginado pela imprensa e pela televisão com um deleite que corresponde visivelmente a uma expectativa.

A sociologia da comunicação nos mostra que, para dar certo, a coerção tem de passar pela sedução.

As violências televisivas, moderno sucedâneo dos jogos circenses, provavelmente despertam repulsa e prazer num público todavia entediado.

Com medo, o americano das cidades aprende a viver sob a vigilância de circuitos de tevê integrados, a andar de carro com as portas travadas, a morar numa casa com as janelas trancadas.

Surgem sociedades (esquizóides) com uma história vivida em dois tempos: o da história aditiva, cumulativa, do "progresso" científico e tecnológico, e esse outro tempo mais lento, até repetitivo da vida privada.

(E lembremos que um cuidado constante dos autores dessa obra é evitar qualquer confusão entre vida cotidiana e vida privada.)

Modelos Estrangeiros- Sophie Body-Gendrot.
História da Vida Privada- Da Primeira Guerra aos Dias de hoje.

História da Vida Privada- O Corpo.

O Espelho

Com o surgimento do espelho, a pessoa deixa de perceber sua identidade no olhar do outro e passa a contemplá-la no espelho grande do quarto ou do banheiro.

Ontem a radiografia, hoje a ecografia, o scanner e a tomografia nos contam o que se passa em nosso interior. É um meio preventivo eficiente mas também fonte de novas preocupações. As pessoas não se contentam mais com a sintomatologia: querem desvendar a causa prmeira de qualquer mínima disfunção.

Característica de uma sociedade de abundância que considera a gordura "ruim" e a obesidade "vulgar", a estética da magreza é imposta pelo sistema da mídia, que intima as mulheres a seguir dieta e fazer ginásticas sempre novas. Esse culto do próprio corpo exige sacrifícios: em primeiro lugar financeiros, a seguir éticos, visto que os meios de comunicação nos repetem que "a pessoa tem o corpo que merece", o que leva a um novo sentido de responsabilidade.

O esporte foi introduzido pela primeira vez em escolas públicas por volta de 1830, e o objetivo era canalizar- socializar- a violência.

Os meios de comunicação nos estimulam a comer e nos intimam à magreza, empurram-nos para os fogões com receitas para emagrecer. Celebram a boa mesa e o regime, a arte culinária e a dietética.

Antigamente, os rituais alimentares (café da manhã, almoço, jantar) imprimiam o ritmo à vida familiar.
Hoje, a alimentação está cada vez mais submetida às imposições do trabalho. A jornada contínua introduziu os fast foods, que servem uma quantidade incalculável de refeições diárias.

Os segredos da fabricação escapam ao consumidor.
Experiências mostraram que a criança pequena escolhia sempre o alimento mais açucarado, mesmo que se acrescentasse um produto amargo para encobrir o sabor doce.
Como a indústria alimentícia se deu conta dessa apetência inconsciente pelo açucarado, ela nos oferece produtos amargos, salgados, apimentados... todos contendo açúcar.

Se folherarmos uma revista feminina veremos nas propagandas e nas matérias a redundância do tema da magreza: "Para emagrecer", "Para continuar magra"... E as revistas oferecem com sucesso suas "fichas culinárias", bem0fetas e destacáveis. Assim, continua a se comer, mas com pavor e vergonha.

Envelhecer.

Publicações também descrevem pormenorizadamento os mistérios das grandes estratégias anti-velhice: tinturas ou loções especiais para cabelos brancos, cirurgias estéticas, cremes anti-rugas ou para os seios, tratamentos revitalizantes. Nutricionistas esfecificam o conteúdo do regime, sexólogos lembram que o prazer não conhece limites de idade.

A morte, que agora ocorre no hospital ou na clínica, é totalmente medicalizada. O óbito precisa ser constatado por um médico legista antes de ser registrado em cartório. O momento da morte coloca um problema: antes, era quando a respiração cessava, o que era verificado com um espelhinho diante da boca do moribundo; depois, quando o coração deixava de bater, hoje, é o eletrocardiograma absolutamente reto que fornece a prova da morte. Ela já não é um passamento instantâneo: é uma série de etapas que podem se escalonar ao longo de várias horas, ou até dias.

Há uma expulsão da morte da vida cotidiana, uma dessocialização do luto.

Em 1986, o padre Jean Hamburger declara: "A tarefa do médico não é manter a vida a qualquer preço, não é impedir a morte natural, é apenas prevenir a morte patológica que vem antes da hora."

R. P. Riquete concorda: "não se entregando a acrobacias terapêuticas em relação a esse moribundo, prolongando uma agonia sem esperanças". Mas onde começam essas acrobacias?

O corpo e o enigma sexual- Gerárd Vincent
História da Vida Privada- da Primeira Guerra aos nosso dias.

História da Vida Privada- Relacionamentos

O Prazer

Os sexólogos se encarregam de tranqüilizar os homens e desculpabilizar as mulheres: eles acham que o comportamento mais capaz de conciliar as exgências da ordem social e os imperativos do sexo seria uma "monogamia flexível" (uma ou mais relaçõe estáveis durante a vida, além de relações passageiras e "aventuras").

Pois o controle sexual se reintroduz, substituindo o "dever conjugal" pelo "direito ao orgasmo", que por sua vez se converte em "dever do orgasmo".

O homem passa a procurar ler no olhar de sua parceira a feliz consumação do ato, expressa em gírias como "virar os olhos", "mostrar o branco dos olhos", "ficar com os olhos de pescada frita".

O que contraria a visão anterior da volúpia feminina.
Brantôme aconselhava ao marido que não dê à mulher o gosto dos jogos amorosos, pois "para cada tição em brasa que elas têm no corpo, elas geram outros cem".

Depois de anos de condenação, a masturbação sai do campo do secreto para se tornar- dizem-nos os sexólogos- a melhor preparação para a união satisfatória com o outro.

Por que ficamos sexualmente excitados?
Um espírito singelo daria respostas simples: falta de relações sexuais durante certo tempo, contemplação de um ser desejável, estimulação direta das partes erógenas, etc.

O mecanismo é mais complexo, diz-nos o psicanalista.
R. Stoller afirma que a excitação sexual é basicamente provocada pelo desejo de perturbar, de provocar: "Os fantasmas funcionam, a hostilidade, o mistério, o risco, a ilusão, a vingança, o desejo de apagar ressentimentos e frustrações, a feitichização, sendo que todos esses fatores se encontram ligados por segredos".

"Tentamos fazer de pessoas estranhas nosso bode expiratórios, mas todos, como os analistas, que são depositários de pensamentos eróticos sabem que muitos cidadãos manifestamente 'normais'- e não só os que gostam de vomitar eronicamente, os fornicadores de cabras- são igualmente cheios de ódios e desejos- se não de projetos- todos têm seu mau gosto".

A oferta precisa ser ajustada à demanda- digamos, à expectativa. É a lei do mercado. Certamente, é difícil alimentar fantasias com "um homenzinho redondo e careca". Mas é arriscado, temerário, sonhar apenas com "o homem jovem, bonito, e rico".

As revistas celebram "a amante exigente magnificamente capaz de orgasmos em rajadas sucessivas". Nesses embates, nada de pudores desnecessários.

Oferece-se também conselhos às mulheres para "conservar o amante de uma noite": "Evite beijos grudentos e palavras melosas. Seja o que quer. Brinque de amante. Sonhe. E, finalmente, construa uma verdadeira paixão. Pois o outro não poderá passar sem tais momentos. E, portanto, sem você."

Homossexualidade.

O Relatório Kinsey, quando foi feito, afirmava que "segundo as leis em vigência, 95% dos americanos deviam estar na prisão por crimes sexuais".

Escândalo! Mas um escândalo tranqüilizador: sabendo-se tão numerosos, os "culpados" se sentem inocentes.

Os homossexuais podem agora sair da clandestinidade e afirmar sua normalidade específica.

Visto que os valores e as normas passam a dissociar o ato sexual da reprodução, visto que a busca do orgasmo autoriza a contabilidade dos êxitos alcançados, a prática homossexual se aproxima da heterossexual.

Ao contrário da caricatura de falar alto e fazer gestos exagerados, as imagens míticas mais freqüentes na imprensa homossexual e nas resvistas especializadas são o coubói, o caminhoneiro e o esportista.

O Amor no Casamento

Paixão, fantasias, continência imposta pelo hábito, contato amistoso e silêncio?
Em que momento o leito conjugal é trocado pelas camas separadas, pelos quartos individuais?

Casais vivem décadas juntos, prudentemente adiando certos comentários ou perguntas. Não nos referimos apenas a segredos "utilitários", como o adultério ou fantasias criadas, mas também a questões tão prosaicas como a irritação provocada por roncos, gestos e repetições de histórias contadas- e portanto ouvidas- mais de cem vezes, e a cada vez mais enfeitadas.

E o segredo da mecânica do desejo, e de suas avarias, parece intacto.

O primado do eu sobre o nós conjugal, desvalorizando a constância e a fidelidade em favor da auto-realização das potencialidades pessoais, coloca a existência conjugal em novos termos. Agora não se trata mais de se "instalar" nela, mas de vivê-la sabendo que o outro é uma liberdade capaz de reinvindicar a qualquer momento sua alteridade.

Segredos de Família- Gérard Vincent
História da Vida Privada- Da primeira Guerra aos nossos dias.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

História da Vida Privada- Subjetividade.

A Memória

Agora que as pessoas vivem cada vez mais, começam a trabalhar cada vez mais tarde e param cada vez mais cedo, as férias são cada vez mais longas e a jornada de trabalho cada vez mais curta, elas decidiram que não têm mais tempo para escrever. Apenas alguns amantes obstinados se arriscam a criar esses traços indeléveis. O telefone está mais adaptado à civilização do efêmero, e os prudentes acham, com razão, que ele dá espaço para os desmentidos: "Eu nunca disse isso."

O processo de memorização funciona idiossincraticamente. Duas pessoas que vivem juntas há décadas retêm seletivamente certos episódios, e não os mesmos. Quando um casal rememora o passado, as lembranças guardadas não são iguais, e quando são as mesmas recebem pesos diferentes.

O Imaginário

A sociedade contemporânea, mais do que todas as anteriores, é icônica. Num único dia, a criança vê centenas e milhares de imagens: cartazes nos metrôs ou nas ruas, histórias em quadrinhos, livros ilustrados, cinema, televisão.

O imaginário não funciona a partir de enunciados transmitidos oralmente ou por escrito, mas a partir da torrente- a metáfora não é excessiva- de imagens despejadas pelos meios de comunicação.

Com essas imagens que nos empanzinam, corre-se o risco de criar uma ilusão de objetividade. Ora, a imagem não é neutra: todos os artifícios do enquadramento foram elaborados por fotógrafos, editores, cineastas. A montagem, isto é, a sucessão das imagens numa determinada ordem, dá um sentido a essa cronologia visual.

O Medo.

No ombro musculoso do caminhoneiro, lê-se a famosa tatuagem: "Perdoar talvez, esquecer jamais.

Nascem novas incertezas: a duração do relacionamento, o emprego. A história da vida privada é também a história do medo, dos medos.

Os temores ingressam na era comercial. A necessidade de segurança cria profissões, e os profissionais, por sua vez, não se fazem de rogados para alimentar nossos temores. Há para todos os gostos, todos os tamanhos, todos os receios. Os negócios vão bem no mercado do medo.

O medo desempenha seu papel na preservação de segredos: "Não quero saber". A recusa, tal como a mentira, é uma simplificação.

Ainda mais angustiante é esta observação: os torturadores de hoje são muitas vezes as vítimas de ontem. Essa inversão de papéis- o mártir que vira carrasco- levanta uma interrogação ontológica extremamente banal: o que é o homem?

A Guerra Permanente.

Se um homem recebe a morte, ele se transforma em um cadáver. Se um homem dá a morte, ele se tranforma em outro homem.

Como sobreviver num campo de concentração? A negação da identidade é imediata: a tosquia, as roupas de deportado, a retirada de qualquer objeto pessoal- principalmente a aliança. Não resta um traço daquilo que determinava a situação social do indivíduo.

Em Vida e Destino, Vassili Grossman diz: "Nós elaboramos uma tese superior: não existem pessoas inocentes na Terra. Cada indivíduo merece o tribunal. É culpado todo aquele que é objeto de uma ordem de prisão. E pode-se assinar uma ordem para qualquer um. Todos os homens têm direito a uma ordem de prisão. Inclusive os que passaram a vida a assinar para os outros".

A tortura é um meio de governo: mais que a confissão, ela busca informações que permitam a perpetuação do poder.

Em Paris um colóquio sobre "Isolamento e Tortura", Nicole Lévy, médica legista, afirma que a finalidade da tortura não é fazer com que os supliciados falem, mas também- e principalmente- que calem, que percam a identidade e, por decorrência, a palavra.

A Segunda Guerra Mundial, os campos nazistas, o Gulag, os desaparecidos, as Guerras da Argélia e do Vietnan despertaram um sentimento de culpa coletivo que foi interiorizado por milhões de indivíduos. "Não fazemos o que queremos, mas somos responsáveis pelo que fazemos", escreveu Sartre.

Uma História do Segredo? (Gérard Vicent)
História da Vida Privada- da Primeira Guerra a nossos dias.

História da Vida Privada- Relações de Trabalho.

A socialização da Educação dos Filhos.

A escola recebe a incumbência de ensinar os filhos a respeitar as obrigações do tempo e do espaço, as regras que permitem viver em comum e encontrar uma relação justa e adequada com os demais.

A autoridade dos pais se tornou abritrária. Os pais de antigamente eram autoritários tanto por costume quanto por necessidade: quando vinha a ameçada de uma tempestade, eles não iam perguntar a opinião dos filhos antes de mandar recolher o feno, e é claro que alguém precisava ir buscar água, lenha,etc. A necessidade fazia a lei.

São os pais que hoje procuram as colônias para que seus filhos passem férias interessantes: a seus olhos, a colônia constitui um meio mais rico e mais educativo que a família.

Não são mais os pais que escolhem a carreira e o ofício dos filhos. (...) A enorme pressão da orientação vocacional sobre os alunos assume o lugar dos pais, dispensando-os de exercer uma pressão análoga, que dificultaria ainda mais as relações familiares.

Com a evolução educacional, os jovens conquistaram uma grande independência dentro da família: já não precisam mais casar para escapar ao poder dos pais. Também não é mais necessário casar para manter relações regulares com um parceiro do outro sexo, já que essas relações só terão alguma conseqüência se os parceiros assim quiserem.

As Relações de Trabalho em Questão.

Um mesmo movimento faz com que operários e empregados de escritório deixem de se sentir à serviço de um homem, o patrão, e que suas tarefas e relações de trabalho sejam definidas de maneira mais formal.
O universo do trabalho se burocratizou: as relações diretas tendem a ser eliminadas, e o poder do superior se dissimula por trás da aplicação de regras impessoais, circulares e notas de serviços, vindos de uma instância mais alta.

Desse modo, o envolvimento pessoal no trabalho é estritamente limitado: a verdadeira vida é a vida privada.

Numa alegre mixórdia teórica que alguns universitários tentam pôr em ordem, divulgadores de competência desigual propõem as empresas toda uma gama de formações, que têm nas dinâmicas de grupo a forma mais fascinante e temida. Em suma, de mil maneiras diversas, as relações interpessoais na empresa estão na ordem do dia.

Todas as manhãs, os chefes apertam as mãos dos operários. A primeira lei é: ser gentil com o operério. A direção insufla essa corrente de gentileza em sua equipe de comando, que tenta empregá-la em detrimento dos velhos métodos autoritários. A segunda lei é: é preciso deixar que as pessoas se expressem.

Cada qual se vê intimado a falar na primeira pessoa, a tomar partido, a dizer o que pensa, e não só o que sabe.

Rumo a uma Sociedade Descontraída e O Conformismo Emancipado

Na indústria dos encontros e das afinidades, o sorriso e a descontração se convertem em normas. A capacidade de se aceitar em seu ridículo, por exeplo durante jogos, mostra que a pessoa não é "travada", que é disponível, "simpática", sabe participar. O sério da vida social comum se vê desqualificado: em suma, é "medíocre".

Encontra-se o mesmo tom na publicidade que invade os muros e os aparelhos de televisão. A propaganda não diz nada, ri de si mesma, inconsitente e ligeira. Joga com as imagens e as palavras, evitando acima de tudo se levar a sério.

Através dos meios de comunicação, o universo da vida privada não está apenas em contato com todo o planeta: ele é invadido por todos os lados por uma publicidade que, junto com os objetos de consumo, veicula um novo modo de vida e talvez uma ética.

"Isso não se faz mais, isso é coisa velha", "Permita-se esse prazer", "Faço o que quero..."

Cada um tem a sensação de estar agindo à sua maneira, com toda a autonomia, e dessas decisões soberanas resulta o surgimento de um mercado cada vez maior para produtos feitos em série.

Não se trata, porém, de uma maquinação, e sim do próprio funcionamento de nossa sociedade. Não são decisões de alguns agentes maquiavélicos que teriam decidido impôr suas ideologias. Nem as pessoas dos meios de comunicação nem os publicitários alimentam tais intenções. Cada um simplesmente executa sua tarefa, formando uma nebulosa de controles fluidos, onde ninguém detêm um verdadeiro poder.

Fronteiras e Espaços do Privado (Antoine Prost)
História da Vida Privada- Da Primeira Guerra a Nossos Dias.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Ilustrar, editar, seqüenciar, cortar...

>>> Tudo indica que o poder é algo fluido, deslocante, flutuante, transitório e, acima de tudo, independente do desejo, da manipulação, da administração, do controle dos agentes.

Assim, o poder é algo que, por princípio, não aparece, ou melhor, só aparece em seus efeitos.

Nunca está onde se convenciona situá-lo, como tampouco reduz-se às instituições que buscam fixá-lo, nomeá-lo ou localizá-lo.

>>> O processo é caracterizado por "circulação frenética", e os capitais giram, proliferam, multiplicam-se apenas pelo fato de estarem circulando.

A imagem publicitária, a imagem formada através do trabalho de marketing, de relações públicas orienta-se para a constituição de núcleos genéricos e difusos em torno do nome de empresa.

Trabalhar e receber salário tornam-se componentes místicos do sistema, espécie de ingresso, senha, para poder mesmo "entrar no mundo" do consumo e das mercadorias. O trabalho na era da técnica torna-se uma concessão.

>>> A técnica não só deu conta das aspirações humanas em realizar suas intenções de expansão, exploração e domínio, mas superou-as excepcionalmente.

As crises históricas e os caminhos desastrosos a que conduziram os desenvolvimentos técnicos e as tecnologias, e especialmente as formas de dominação, opressão, violência, genocídios e ameaça planetária puseram em cheque a capacidade da administração racional da sociedade.

Sobreviveram, opostamente, fatos inexplicáveis, imprevisíveis, incontroláveis, inadministráveis, demonstrando que independente ou além de o homem conseguir dar conta da sua realidade, os eventos, acontecimentos, irrupções fogem absolutamente de seu controle e de sua atuação.

>>> A televisão joga com a categoria do tempo operando-o de forma própria e independente dos conceitos cronológicos usuais. É um tempo artificial e manipulado.

É uma forma de liquidificador geral, que mistura as mais diferentes matérias e submete-as todas a um mesmo tipo de tratamento, tornando-as absolutamente inóquoas.

É conhecido o fenômeno de que no Brasil as passeatas não se constituam até a chegada dos cinegrafistas da televisão. Só quando estes põem suas máquinas a postos e começam a filmar é que se compõem os movimentos de protesto, dissolvendo-se logo em seguida, no momento em que as câmeras são desligadas.

O jornalismo já não encontrava mais obstáculos numa prática que se tornou obstinada em vasculhar todos os espaços privados na busca de uma difusão pública, num pretenso interesse da própria sociedade.

Na forma de intercalar notícias sérias com notícias amenas, de jogar com a mágica das cores e do espetáculo, de ilustrar, editar, sequenciar, cortar, introduzir um ritmo de alta velocidade nas cenas que se intercambiam, em todos esses procedimentos puramente formais do processo de comunicação é que se implanta o mecanismo de pasteurização das mensagens.

>>> O efeito é o desaparecimento do outro.
Não se tem mais a necessidade de ser, de falar, de apresentar, de mostrar-se para o outro.
A referência agora é somente o si mesmo.

No mundo fragmentado, a coletividade é o que fascina e o próprio aparecimento do coletivo que é emocionante.

As pessoas vão para assistirem a si mesmas.

Há como que uma humorização geral e trabalha-se tudo sem se levar nada a sério.

>>> A intenção de programar o homem e fazer com que todas as atividades humanas tornem-se passos, estágios de um processamento.

A máquina jamais poderá sentir dor, chorar, sofrer, apaixonar-se, ter reações emocionais, inesperadas, mesmo cínicas, irônicas, pois são fatos que em tempo algum poderão ser representados, codificados, programados, traduzido para uma linguagem técnica dos computadores.

Por outro lado, aquele campo que exatamente Freud buscava ocupar cada vez mais pelas investidas do ego, o emocional-natural, é o que hoje aparece como a fonte única e mais segura para a nova identidade do homem na era eletrônica.

A sociedade Frankenstein- Ciro Marcondes Filho.

domingo, dezembro 16, 2007

Irreverência

“um novo homem, polido e sem humor, esgotado pela evitação de suas paixões, envergonhado por não ser conforme ao ideal que lhe é proposto”.

Sobretudo o terreno das relações interpessoais é caracterizado por um clima irreverente, onde a espontaneidade passa a ser o valor privilegiado.

Nada deve ser pesado ou sério; uma democratização jamais vista nas relações pessoais e institucionais tende a abolir qualquer hierarquia; por outro lado, também, ninguém deve se levar muito à sério.

A orientação geral é a de que a vida deve ser vivida de modo cool, ou light, isto é, sob a bandeira da descontração.

No imaginário vigente na sociedade depressiva, o conflito caducou, o sofrimento psíquico passa a ser entendido como tendo uma causalidade orgânica, e a psicanálise e sua busca de sentido para o mal-estar revelado através do sintoma, é acusada de ter criado mofo.

“O humor fun e descontraído passa a dominar (...) quando já ninguém, no fundo, acredita na importância das coisas” (Lipovetsky)

O humor pós-moderno é, assim, uma espécie de lubrificante social.

A leveza e o cinismo crítico próprios do humor que fazia rir estão bem distantes do cinismo desencantado da pós-modernidade, no qual vigora a dessubstancialização e a banalização esterilizante.

DO HUMOR E DO GROTESCO NA PSICANÁLISE
Daniel Kupermann

www.gradiva.com.br

sábado, dezembro 15, 2007

Estudando Behaviorismo...

O fato de que aplicam aos homens as mesmas fórmulas e resultados que eles, desencadeados, arrancam a animais indefesos em seus atrozes laboratórios de fisiologia confirma essa diferença de maneira particularmente refinada.

A conclusão que tiram dos corpos dos animais não se ajusta ao animal em liberdade, mas ao homem atual.

Ele prova, ao violentar o animal, que ele e só ele em toda a criação funciona voluntariamente de maneira tão mecânica, cega e automática como as convulsões da vítima encadeada, das quais se utiliza o especialista.

A falta de razão não tem palavras.

E quando os homens chamam a psicologia em seu socorro, o espaço reduzido de suas relações imediatas se vê ainda mais reduzido, mesmo aí eles são convertidos em coisas.

Adorno e Horkheimer- Dialética do Esclarecimento- Notas.

domingo, dezembro 09, 2007

Idílico

Acho que não é a paixão que está na moda, é a palavra paixão que está na moda.
Como detetive, cheguei à conclusão, às avessas, de que não é que nossa época seja muito apaixonada. Se a gente está valorizando tanto isso aí, é porque está faltando. Hoje, você fala em boi mais que há três meses atrás, é porque está faltando, não porque está sobrando, de uma maneira geral.

Mais ou menos o seguinte: a palavra paixão tinha, a princípio, um sentido passivo. Você diz assim: a Paixão de Cristo, quer dizer, aquilo que Cristo sofreu, aquilo que ele padeceu.

Vi que a palavra paixão vem do latim, mas existe uma palavra nas línguas indo-européias, que significaria uma espécie de você ser o objeto de uma ação, e esse verbo, essa palavra, não teria passado propriamente para o português, não do jeito como eu estou pensando.

Em português, temos a palavra sofrer, mas a palavra sofrer já vem carregada de uma conotação de dor, que, no original, esse radical não tinha.
...

O amor é um sentimento muito recente. Não sei se vocês já se deram conta, mas o amor é uma coisa que naseu, o amor tal como nós entendemos, o amor idílico, esse amor, por exemplo, que sustenta as novelas da Janete Clair, no horário das oito, o amor das fotonovelas, esse amor que sustenta nossa vida de hoje de um modo quase obsessivo, a tal ponto que chega assim: Você será feliz no trabalho e no amor.

Não que o homem e a mulher, a mulher e o homem, nunca tenham tido alguma coisa um pelo outro, mas na Antiguidade, por exemplo, isso era tido como uma espécie de maldição. Era como uma espécie de feitiço. "Estou encantado com essa garota".

Saber como o amor nasce, a primeira paixão, o amor à primeira vista, a continuação, o auge, a loucura, o fim, isso teria que se buscar nos poetas, porque não existe nenhuma ciência, com toda a sua ambição totalitária, que englobou todos os teritórios, todo o real, como um objeto de saber que cabe dentro de uma coisa que a gente chama de ciência, né?
Ora, o amor não cabe dentro desse quadro.

Paulo Leminski: A Paixão da Linguagem.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

No lugar onde o desejo foi atingido

A burrice é uma cicatriz.
Ela pode se referir a um tipo de desempenho entre outros, ou a todos, práticos e intelectuais.
Toda burrice parcial de uma pessoa designa um lugar em que o jogo dos músculos foi, em vez de favorecido, inibido no momento do despertar.
Com a inibição, teve início a inútil repetição de tentativas desorganizadas e desajeitadas.

A repetição lembra em parte a vontade lúdica, por exemplo do cão que salta sem parar em frente da porta que ainda não sabe abrir, para afinal desistir, quando o trinco está alto demais; em parte obedece a uma compulsão desesperada, por exemplo,

quando o leão em sua jaula não pára de ir e vir,
e o neurótico repete a reação de defesa, que já se mostrara inútil.

(...) frequentemente, no lugar onde o desejo foi atingido, fica uma cicatriz imperceptível, um pequeno enrijecimento, onde a superfície ficou insensível.

Essas cicatrizes constituem deformações.

Elas podem criar caracteres, duros e capazes,
podem tornar as pessoas burras -
no sentido de uma manifestação de deficiência, da cegueira e da impotência,
quando ficam apenas estagnadas,
no sentido da maldade, da teimosia e do fanatismo,
quando desenvolvem um câncer em seu interior.

A violência sofrida transforma a boa vontade em má.
E não apenas a pergunta proibida,
mas também a condenação da imitação, do choro, da brincadeira arriscada,
pode provocar essas cicatrizes.

Como as espécies da série animal,
assim também as etapas intelectuais no interior do gênero humano
e até mesmo os pontos cegos no interior de um indivíduo
designam as etapas em que a esperança se imobilizou
e que são o testemunho petrificado do fato de que todo ser vivo se encontra sob uma força que domina.

Sobre a Gênese da Burrice- Adorno e Horkheimer.
(Dialética do Esclarecimento- notas

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Dosá-las.

A paixão é sempre provocada pela presença ou imagem de algo que me leva a reagir, geralmente de improviso. Ela é então o sinal de que eu vivo na dependência permanente do outro.

O estudo dos efeitos que o discurso produz sobre os homens é que faz com que o pathos perca o seu sentido mais amlo de fenômeno passivo para vir a designar as percepções da alma. O objetivo do orador, e, mais ainda, o do poeta, não consiste em apenas convencer através de argumentos. É também necessário que ele toque a mola dos afetos, e utilizem os movimentos que prolongam certas emoções.

Um homem não escolhe suas paixões. Ele não é, então, responsável por elas, mas somente pelo modo como faz com que elas se submetam à suas ação.

As paixões, as possibilidades que temos de dosá-las.

Hegel: "A palavra pathos é de difícil tradução, pois paixão implica algo de insignificante, baixo- como quando dizemos que um homem não deve sucumbir às paixões".
(...) O pathos que os anima pode ser simples, mas nem por isso tem a monotonia de uma idéia fixa. Trata-se antes da tonalidade específica de suas condutas, da tensão que unifica seus atos- sem importar que situações estejam enfrentando.

Há um só meio de evitar as paixões: extirpá-las, impedindo que a emoção se tranforme em uma tendência. Esse é o objetivo da profilaxia estóica. De tanto medir a fragilidade da vida e a precariedade dos bens que não dependem de mim, acabarei por não mais reagir negativamente aos efeitos, permanecendo apático, mesmo aos golpes imprevisíveis do destino.

Essa sabedoria não é equivalente a uma anestesia, como se afirmou algumas vezes, e a apatia não consiste, exatamente, em insensibilidade. "O sábio", diz Crisipo, sofre a dor, mas não é mais tentado por ela: sua alma não se abandona mais a ela.

Ele ainda sente a emoção, mas é suficientemente treinado a ponto de não interpretá-la de maneira fantasiosa, jamais se deixando tragar por ela. Ele é como um ator experiente que permanece sempre distante das peripécias do drama que representa.

Não se trata mais de saber até que ponto é conveniente deixar que suas paixões se extravasem. Seria absurdo pretender controlar a paixão e modular sua força, pois ela é sempre o sintoma de uma doença e não de uma reação inevitável a uma emoção.

"É preciso destruir as paixões": esta é a decisão ingênua que torna danosos a maioria dos ascetismos. Danosos, não por serem "repressivos", mas porque partem da idéia que é impossível viver uma paixão sem ser totalmente dominado por ela.

Nietzsche:"Destruir as paixões e os desejos só por causa de sua tolice e para evitar suas conseqûencias desagradáveis, parece-nos uma manifestação aguda de tolice. Não admiramos mais os dentistas que extraem os dentes para evitar que incomodem mais".

Não consideramos mais as paixões como componentes do caráter de um indivíduo, os quais ele deveria governar, mas como fatores de perturbação do comportamento que ele é incapaz de controlar unicamente através de suas forças.

Apenas uma terapêutica seria então capaz de encontrar a razão disso tudo. Para compreender o que significa esse declínio da idéia de paixão seria necessário pôr o fenômeno em relação com o deslocamento moderno do "eu" e questioná-la quanto à idéia de responsabilidade social.

A medicina ocupa cada vez mais o lugar da ética; a noção de desvio, o do erro; e a cura, o do castigo.

Jule Romains: "Todo homem com saúde é um doente que se ignora".

O conceito de Paixão- Gérard Lebrun.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Além do Princípio do Prazer

Prontamente expressaríamos nossa gratidão a qualquer teoria filosófica ou psicológica que pudesse informar-nos sobre o significado dos sentimentos de prazer e desprazer que atuam tão imperativamente sobre nós.

A maior parte do desprazer que experimentamos é um desprazer perceptivo.
Esse desprazer pode ser a percepção de uma pressão por parte de pulsões insatisfeitas ou da percepção exterma do que é aflitivo em si mesmo, ou excita espectativas desprazerosas, isto é, que é reconhecido como 'perigo'.

A 'ansiedade' descreve um estado particular de esperar o perigo ou preparar-se para ele, ainda que possa ser desconhecido.
O 'medo' exige um objeto definido de que se tenha temos.
'Susto', contudo, é o nome que damos ao estado em que alguém fica, quando entrou em perigo sem estar preparado para ele, dando-se ênfase ao fator da surpresa.

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Encontramos pessoas em que todas as relações humanas têm o mesmo resultado; tal como o benfeitor que é abandonado por seus protegidos, o homem cujas amizades findam por uma traição por parte do amigo, (...) o amante cujos casos amorosos atravessam as mesmas fases e chegam à mesma conclusão.
Essa 'perpétua recorrência da mesma coisa' não nos causa espanto quando se refere a um comportamento ativo por parte da pessoa interessada, e podemos discenir nela um traço de caráter essencial que permanece sempre o mesmo, sendo compelido a expressar-se por uma repetição das mesmas experiências.
Ficamos muito mais impressionados nos casos em que o sujeito parece ter uma experiência passiva, sobre a qual não possuí influência, mas nos quais se defronta com uma repetição da mesma fatalidade.

Como a repetição de uma experiência aflitiva harmoniza-se com o princípio de prazer?

Nas brincadeiras das crianças, em que repetem experiências desagradáveis pela razão adicional de poderem dominar uma impressão poderosa muito mais completamente de modo ativo do que poderiam fazê-lo simplesmente experimentando-a de modo passivo.

As crianças também nunca se cansam de pedir a um adulto que repita um jogo que com elas jogou, até ele ficar exausto demais para prosseguir. E, se contarmos a uma criança uma linda história, ela insistirá em ouví-la repetidas vezes, de preferência a escutar uma nova, e sem remorsos estipulará que a repetição seja idêntica, corrigindo quaisquer alterações de que o narrador tenha a culpa (...).

É claro que em suas brincadeiras as crianças repetem tudo o que lhes causou uma grande impressão na vida real, e assim procedendo, ab-reagem a intensidade da impressão, tornando-se, por assim dizer, senhoras da situação.

A representação e a imitação artísticas efetuadas por adultos, as quais, diferentemente daquelas das crianças, se dirigem a uma audiência, não poupam os espectadores (como na tragédia, por exemplo) as mais penosas experiências, e, no entanto, podem ser por eles sentidas como altamente prazerosas.

Isso constitui prova convincente de que, mesmo sob a dominância do princípio do prazer, há maneiras e meios suficientes para tornar o que em si mesmo é desagradável um tema a ser rememorado e elaborado.

Além do Princípio do Prazer- Freud.

domingo, novembro 25, 2007

Apatia

A proteção pelo susto é uma forma do mimetismo.
Toda diversão, todo abandono tem algo de mimetismo.

Os homens obcecados pela civilização só se apercebem de seus próprios traços miméticos, que se tornaram tabus, em certos gestos e comportamentos que encontram nos outros e que se destacam em seu mundo racionalizado como resíduos isolados e traços rudimentares verdadeiramente vergonhosos.

O que repele por sua estranheza é, na verdade, demasiado familiar.

São os gestos contagiosos dos contatos diretos: tocar, aconchegar-se, aplacar, induzir.

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(...) a violência que se exprime na lamentação.
Ela é sempre exagerada, por mais sincera que seja,
Só a obra realizada é adequada.

Mas sua consequência é a face imóvel e impassível e, por fim, ao término desta era, o rosto de bebé dos homens de aço, dos políticos, padres, directores gerais e gângsteres.

A mera existência do outro é motivo de irritação.
Todos os outros são "muito espaçosos" e devem ser recolocados em seus limites, que são os limites do terror sem limites.

De todos os sentidos, o ato de cheirar - que se deixa atrair sem objetualizar -
é o testemunho mais evidente da ânsia de se perder no outro e com ele se identificar.

Por isso o cheiro, tanto como percepção quanto como percebido (ambos se identificam no ato) , é mais expressivo do que os outros sentidos.

Ao ver, a gente permanece quem a gente é, ao cheirar, a gente se deixa absorver.

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Em certo sentido, perceber é projetar.

A projeção das impressões dos sentidos é um legado de nossa pré-história animal, um mecanismo para fins de proteção e obtenção de comida, o prolongamento da combatividade com que as espécies animais superiores reagiam ao movimento, com prazer ou desprazer e independentemente da intenção do objeto.

A projeção está automatizada nos homens, assim como as outras funções de ataque e proteção, que se tornaram reflexos.

Na sociedade humana, porém, na qual tanto a vida intelectual quanto a vida afetiva se diferenciam com a formação do indivíduo, o indivíduo precisa de um controle crescente da projeção; ele tem que aprender ao mesmo tempo a aprimorá-la e a inibi-la.

Aprendendo a distinguir,entre pensamentos e sentimentos próprios e alheios, surge a distinção do exterior e do interior, a possibilidade de distanciamento e identificação, a consciência de si e a consciência moral.

Entre o verdadeiro objeto e o dado indubitável dos sentidos, entre o interior e o exterior, abre-se um abismo que o sujeito tem de vencer por sua própria conta e risco.
Para refletir a coisa tal como ela é, o sujeito deve devolver-lhe mais do que dela recebe.

O ego idêntico é o produto constante mais tardio da projeção.
Todavia, mesmo como ego objetivado de maneira autónoma, ele só é o que o mundo-objeto é para ele.

A profundidade interna do sujeito não consiste em nada mais senão a delicadeza e a riqueza do mundo da percepção externa.

Quando o entrelaçamento é rompido, o ego se petrifica.

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Seu discernimento consome-se no círculo traçado pela ideia fixa, assim como o
engenho da humanidade se liquida a si mesmo na órbita da civilização técnica.
A paranóia é a sombra do conhecimento.

Hoje em dia, é tão fácil para uma consciência só devassar o absurdo da dominação que ela precisa da consciência doente para se manter viva.

Só os loucos que sofrem de delírio de perseguição toleram a perseguição em que necessariamente resulta a dominação, na medida em que lhes é permitido perseguir os outros.

A experiência é substituída pelo cliché e a imaginação ativa na experiência pela recepção ávida.

Sob pena de uma rápida ruína, os membros de cada camada social devem engolir sua dose de orientações.

Na era do vocabulário básico de trezentas palavras, a capacidade de julgar e, com ela, a distinção do verdadeiro e do falso estão desaparecendo.

Na medida em que o pensamento deixa de representar uma peça do equipamento profissional, sob uma forma altamente especializada em diversos setores da divisão do trabalho, ele se torna suspeito como um objecto de luxo fora de moda: "armchair thinking".

É preciso produzir alguma coisa.

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Adorno e Horkheimer - Dialética do Esclarecimento

O Pudim em Pó pela Imagem do Pudim

Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto.

Reduzidos a um simples material estatístico, os consumidores são distribuídos nos mapas dos institutos de pesquisa (que não se distinguem mais dos de propaganda) em grupos de rendimentos assinalados por zonas vermelhas, verdes e azuis.

Em seu lazer, as pessoas devem se orientar por essa unidade que caracteriza a produção.

O todo se antepõe inexoravelmente aos detalhes como algo sem relação com eles; assim como na carreira de um homem de sucesso, tudo deve servir de ilustração e prova, ao passo que ela própria nada mais é do que a soma desses acontecimentos idiotas.

A chamada Ideia abrangente é um classificador que serve para estabelecer ordem, mas não conexão. O todo e o detalhe exibem os mesmos traços, na medida em que entre eles não existe nem oposição nem ligação.

A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção.

Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objectos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme.

(...) se tratasse de uma oposição entre a omnipotência e impotência.

A hilariedade põe fim ao prazer que a cena de um abraço poderia pretensamente proporcionar e adia a satisfação para o dia do pogrom.

Assim como o Pato Donald nos cartoons, assim também os desgraçados na vida real recebem a sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios recebem.

Nos grandes centros encontram o frio no verão e o calor no inverno nos locais climatizados. Fora isso, mesmo pelo critério da ordem existente essa aparelhagem inflada do prazer não torna a vida mais humana para os homens.

A promissória Sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação,
é prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espectáculo significa que jamais chegaremos à coisa mesma,
que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio.

Rimos do facto de que não há nada de que se rir.

O riso, tanto o riso da reconciliação quanto o riso de terror, acompanha sempre o instante em que o medo passa.

Ele indica a liberação, seja do perigo físico, seja das garras da lógica.

Fun é um banho medicinal, que a indústria do prazer prescreve incessantemente.

Um grupo de pessoas a rir é uma paródia da humanidade.

São mônadas, cada uma das quais se entrega ao prazer de estar decidida a tudo às custas dos demais e com o respaldo da maioria.

Cada espectáculo da indústria cultural vem mais uma vez aplicar e demonstrar de maneira inequívoca a renúncia permanente que a civilização impõe às pessoas.

Oferecer-lhes algo e ao mesmo tempo privá-las disso é a mesma coisa.

A fuga do quotidiano, que a indústria cultural promete em todos os seus ramos, se passa do mesmo modo que o rapto da moça numa folha humorística norte-americana: é o próprio pai que está segurando a escada no escuro.

Divertir significa sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é a sua própria base.

É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir.

No fundo, todos reconhecem o acaso, através do qual um indivíduo fez a sua sorte,
como o outro lado do planejamento.

O próprio acaso é planejado; não no sentido de atingir tal ou qual indivíduo determinado, mas no sentido, justamente, de fazer crer que ele impere.

A indústria só se interessa pelos homens como clientes e empregados e, de facto, reduziu a humanidade inteira, bem como cada um de seus elementos, a essa fórmula exaustiva.

A ideologia fica cindida entre a fotografia de uma vida estupidamente monótona e a mentira nua e crua sobre o seu sentido, que não chega a ser proferida, é verdade, mas, apenas sugerida, e inculcada nas pessoas.

Para demonstrar a divindade do real, a indústria cultural limita-se a repeti-lo cinicamente.

Quem ainda duvida do poderio da monotonia não passa de um tolo.

A manutenção de uma atmosfera de camaradagem segundo os princípios da ciência empresarial - atmosfera essa que toda fábrica se esforça por introduzir a fim de aumentar a produção - coloca sob controle social o último impulso privado, justamente na medida em que ela aparentemente torna imediatas, reprivatiza, as relações dos homens na produção.

A fórmula dramática descrita uma vez por uma dona-de-casa como "getting into trouble and out again" abrange toda a cultura de massas desde o mais cretino women's serial até a obra mais bem executada.

Por cinquenta centavos vê-se o filme de milhões de dólares;
por dez recebe-se a goma de mascar por trás da qual se encontra toda a riqueza do mundo e cuja venda serve para que esta cresça ainda mais.

As obras de arte são transformadas em simples brindes.

Os espectadores devem se alegrar com o facto de que há tantas coisas a ver e a ouvir.
Os consumidores se esforçam por medo de perder alguma coisa.

Tanto técnica quanto economicamente, a publicidade e a indústria cultural se confundem.

Lá como cá, reinam as normas do surpreendente e no entanto familiar, do fácil e no
entanto marcante, do sofisticado e no entanto simples.

Se, antes de sua racionalização, a palavra permitira não só a nostalgia mas também a mentira, a palavra racionalizada transformou-se em uma camisa de força para a nostalgia, muito mais do que para mentira.

A cegueira e o mutismo dos fatos a que o positivismo reduziu o mundo estendem-se à própria linguagem, que se limita ao registro desses dados.

A liberdade de escolha da ideologia, que reflecte sempre a coerção económica,
revela-se em todos os sectores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa.

As mais íntimas reacções das pessoas estão tão completamente reificadas
para elas próprias que a ideia de algo peculiar a elas só perdura na mais extrema abstracção: personality significa para elas pouco mais do que possuir dentes deslumbrantemente brancos e estar livres do suor nas axilas e das emoções.

Dialética do Esclarecimento- Adorno e Horkheimer.

sábado, novembro 17, 2007

O Segundo Sexo

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A experiência erótica é uma das que revelam ao ser humano, da maneira mais pungente, a ambigüidade da sua condição; nela eles se sentem como carne e como espírito, como sujeito e como outro.

A burguesia inventou nestes últimos anos um estilo épico: a rotina assume um aspecto de aventura, a fidelidade, o de uma loucura sublime, e tédio torna-se sabedoria e os ódios familiares são a forma mais profunda de amor.

Pretende-se por vezes que o próprio silêncio é sinal de uma intimidade mais profunda que qualquer palavra; e por certo ninguém pensa em negar que a vida conjugal crie uma intimidade: nem por isso essa intimidade deixa de cobrir raivas, ciumes, rancores.

Não há sentimentos neutros e a ausência de amor, o constrangimento, o tédio, engendram menos facilmente uma amizade terna do que o rancor, a impaciência, a hostilidade.

Há certamente maior número de violações cometidas no casamento que fora do casamento. São muitos os casos de ferimentos infligidos a mulheres pelo pênis durante o coito; as caisas era, a brutalidade, a embriaguez, uma posição errada, uma desproporção dos órgãos.

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O amor ocupa na vida feminina menor lugar do que sempre se pretendeu. Marido, filhos, lar, prazeres, vida mundana, vaidade, sexualidade, carreira, são mais importantes. Quase todas as mulheres sonharam com "o grande amor": conheceram sucedâneos deste, aproximaram-se dele; sob aspectos de figuras inacabadas, magoadas, irrisórias, imperfeitas, mentirosas, ele as visitou; mas muito poucas lhe consagraram realmente a existência.

Ao invés de convidá-la a lutar por sua conta, dizem-lhe que basta deixar as coisas correrem para alcançar paraísos encantadores; quando percebe que foi vítima de uma miragem, é tarde demais, suas forças esgotaram-se na aventura.

Os psicanalistas afirmam de bom grado que a mulher busca no amante a imagem do pai; mas é por ser homem e não por ser pai que ele deslumbra a criança, e todo homem participa dessa magia.

A mulher não deseja reencarnar um indivíduo no outro e sim ressucitar uma situação: a que conheceu menina, no abrigo dos adultos. O que ela almeja é reencontrar um teto sobre a cabeça, muros que lhe escondam seu abandono no mundo, leis que a defendam contra a sua liberdade.

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O homem com seus músculos duros, sua pele áspera, seu cheiro forte, seus traços grosseiros, não lhe parece desejável, inspira-lhe até repulsa.

Ela deseja carícia nos seios, nos lábios, talvez um gozo conhecido ou pressentido entre as coxas e eis que um sexo macho se introduz e o amor assume o aspecto de uma operação cirúrgica.

Por certo o sexo do macho não é um músculo estriado que a vontade comanda; não é relha de arado nem espada mas tão-somente carne; entretanto, o homem imprime-lhe um movimento voluntário; vai, vem, pára, recomeça.

O sexo feminino é misterioso até para a própria mulher, é escondido, úmido, sangra todos os meses, por vezes é cheio de humores.

Muitas vezes, as circunstâncias levam-na a tornar-se presa de um homem cujas carícias a comovem mas que ela não tem prazer em olhar nem em acariciar por sua vez.

Braços enlaçando um corpo podem ser refúgio e proteção, mas encarceram também e abafam.

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É rendendo-se que o desejo se perpetua. Mas o equilíbrio entre o ardor e o abandono é fácil de destruir.

Uma carícia pode tornar-se uma tortura, um suplício dar prazer. Abraçar conduz facilmente a morder, beliscar, arranhar; essas condutas exprimem um desejo de fusão, não de destruição, e o sujeito não quer humilhar-se ou renegar-se, mas unir-se.

Seu corpo não projeta nenhuma conclusão nítida do ato amoroso, e é por isso que o coito nunca finda inteiramente: não comporta um fim.

Certos espamos localizados na vagina ou no conjunto do sistema genital, ou emanando de todo corpo, podem constituir uma solução. Em certas mulheres eles se produzem bastante regularmente e com suficiente violência para serem assimilados a um orgasmo; mas uma amante pode também encontrar no orgasmo masculino uma conclusão que a acalma e a satisfaz. E pode acontecer também que e maneira contínua, sem choque, a forma erótica se dissolva calmamente.

É um corpo que exprime reações que a mulher se recusa a assumir, ele lhe escapa, ele lhe trai. No entanto, ele é também o corpo que contempla com deslumbramento ao espelho, é promessa de felicidade, estátua viva, ela o modela, enfeita, exibe.

Muito raramente ela se satisfaz completamente, mesmo se conheceu o apaziguamento do prazer não fica definitivamente liberta do feitiço carnal; sua perturbação prolonga-se tornando-se sentimento.

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"O criador das zonas erógenas trabalha contra si próprio: cria insaciáveis. Não haveria neurose nem psicose se estivesse persuadido que fazer amor é um ato tão indiferente quanto o de comer, urinar, defecar, dormir..." (Dr. Grémillon)

Consideram perversas e debochadas as mulheres que vivem de seu corpo, não os homens que as usam.

Se não é pérfida, fútil, indolente, a mulher perde a sua sedução. Na Casa das Bonecas, Helmer explica o quanto o homem se sente forte, justo, compreensivo, indulgente, quando perdôoa as faltas pueris da frágil mulher.

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Habilmente faz as perguntas no momento em que não há tempo para respostas sinceras, ou então em que as circunstâncias as impede, faz troféus das respostas arrancadas e, na falta de respostas, faz os silêncios falarem.

Uma mulher normal acaba sempre sendo vencida pela verdade, e reconhecendo que não é mais amada. Mas, enquanto não é acuada a essa confissão, trapaceia sempre um pouco. Mesmo no amor recíproco há entre os sentimentos dos amantes uma diferença fundamental que ela se esforça por massacrar.

Atormentada, arrisca-se a torna-se um fardo para aquele com quem sonhava, não podendon ser indispensável, torna-se inoportuna, odiosa. É isso também uma tragédia muito comum.

Uma mulher, ainda que orgulhosa, faz-se meiga, passiva, manobras, prudências, ardis, sorrisos, encantos, são suas armas.

"Detesto os homens que dormem. Debruço-me sobre eles com minhas más intenções. Só reclamava dele uma bolha de presença. Não as tive. Detesto este meu homem dormindo, capaz de criar para si uma paz que me é estranha." Viollete Leduc.

Simone de Beauvoir- O Segundo Sexo

sexta-feira, novembro 16, 2007

Estupro

> eu quis violentar mulheres metidas só para castigá-las por serem tão estúpidas.

> uma mulher que já havia transado comigo voluntariamente antes não quis de novo, e eu pensei seriamente em violentá-la. Mas não fiz pela confusão.

> Existem mulheres bem feitas de corpo e com boa aparência, mas são ordinárias como o diabo. São essas que eu gostaria de violentar.

> Acho que existe algum lugar em minha mente que quer ter total domínio sobre uma mulher, desde rasgar suas roupas, humilhando-a, até forçá-la a ter uma relação anal e morder seus seios com força. Mas imagino que o máximo que farei é fantasiar sobre isso.

> existem mulheres que eu gostaria de violentar por causa da presunção. E outras eu gostaria de seduzir e tirar bem na horinha que começassem a gozar.

> Já tive vontade, com aquelas mulheres que colocam-se num pedestal bem alto como se ninguém pudesse alcançá-las. Gostaria de violentá-las para mostrar para elas que não são melhores que qualquer boceta andando pela rua.

> Já pensei em violentar aquelas que realmente querem sexo mas fingem que não.

> Existem aquelas que brincam com o homem até a beira do orgasmo e então se afastam, dando uma de recatadas. Me sentiria justificado se estuprasse uma dessas.

> as mulheres não entendem o que é a fome de sexo para o homem. Uma mulher que estimula um homem sem satisfazê-lo está sendo muito cruel.

> Uma mulher que te deixa a ponto de bala e não termina o serviço não tem respeito por você nem por qualquer ser humano. Num caso desse, eu estupraria e não teria nenhum sentimento de culpa a respeito.

> Duas mulheres já me disseram "não" e eu fiz do mesmo modo. Foi muito satisfatório descobrir que eu podia ser tão animalesco.

> As mulheres são as presas, e os homens, predadores. Eu fantasio sobre a expressão no rosto de uma mulher quando a "capturo" e ela vê que não pode escapar. É como se eu vencesse, quando a possuo.

> Estava realmente cansado de ser rejeitado então violentei-a. Por fora, me senti horrivelmente, mas por dentro, me satisfiz. Me deu a maior excitação que já tive.

> (um estuprador que está preso por isso) Estuprei para ter o controle absoluto sobre uma mulher e para provar para mim mesmo que eu era tão indigno quanto meu distúrbio interior me fazia acreditar. Não tinha saco ou confiança para tentar um relacionamento, pois eu mesmo já havia me condenado a rejeição.

> Sinto muito mais controle quando excito uma mulher até que ela implore que eu a penetre do que nas vezes que eu violentei.

> Como as vaginas ficam secas, o coito é desagradável. É difícil e doloroso.

O Relatório Hite sobre Sexualidade Masculina

domingo, novembro 11, 2007

Anjo ou Esfinge? (Devora-me ou te Decifro).

Quando estas lavas incandescentes conseguem escapar sem controle,
o sexo frágil rompe seus guilhões, insaciável em seus amores, fanático em suas crenças, assustados como o louco em sua gesticulação.

A partir desse momento, o esposo tem a tarefa de provir o prazer de sua companheira.

Como toda esposa, apenas uma sexualidade bem temperada irá salvá-la das angústias da ninfomania, ou, mais simplesmente, dos incômodos do "nervosismo".

Por felicidade, acredita-se, o desejo feminino precisa ser provocado.
Compreende-se melhor então o desconcerto do jovem marido quando encontra uma esposa demasiado sabida.

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O código do amor romântico dita à mulher um angelicalismo do leito que hoje poderia fazer sorrir.
O tabu que pesa sobre a manifestação do desejo feminino obriga a amante a simular a presa que não saberia entregar-se sem que o vigor do "assalto" viesse ao menos justificar a "derrota".
Um corpo excessivamente loquaz na volúpia impõe, após o "êxtase", as posturas redentoras da pureza.

A jovem mulher eleva os olhos para o azul, assegura a comunicação entre o seu companheiro e o mundo do invisível.
Nessa perspectiva, o amor será o segundo céu, a afinidade vivida dentro da aventura espiritual conjunta.

Cabe à mulher provocar no homem este despertar, esta "turbulência da alma", conservar a inextinguível nostalgia de um mundo ideal.

A palavra, que seria demasiadamente escandalosa, por muito tempo é substituíd pelo olhar, pelo sorriso, no limite o toque; a perturbação, o rubor, o silêncio insistente valem por respostas.

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Os "roçares imperceptíveis" das vestes, mais tarde da pele, as pressões das mãos esboçam as preliminares. Joelhos e pernas se aproximam, se apertam, à mesa, no interior do cupê ou do vagão ferroviário.

Então começam os "jogos de amor": beijos, carícias, apalpações.
(...) "orgasmos sem coito".
O flerte desenvolve uma assombrosa "conversação muda do apetite sexual".

O flerte concilia a virgindade, o pudor e os imperativos do desejo. Eis que as próprias esposas enlouquecem.
A mulher não faz senão deixar adivinhar sua sensualidade; evita assim comprometer-se plenamente.

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A Relação Íntima ou os Prazeres da Troca
História da Vida Privada- Bastidores- Alain Corbin

quinta-feira, novembro 08, 2007

Depois do prazer...

- A excitação vai até uma alta tensão seguida de um súbito relaxamento.

- Os clitoridianos são mais agudos, porém mais solitários.

- Os orgasmos masturbatórios são mais fortes, mas prefiro a difusão e a variedade da relação sexual e o calor e a pressão do corpo de um homem e os sons e odores de duas pessoas juntas.

- Pode ser boa a simples sensação de ter um pênis em minha vagina, e não tem nada a ver com ter um orgasmo. Satisfaz uma necessidade daquele contato.

- Não muito, porque é cansativo e aborrecido. Faço porque acho que pode melhorar. Tudo bem, mas acho que tem que haver algo melhor.

- Não tenho impressão de brutalidade ou egoísmo, mas essa movimentação toda parece-me mais uma ginástica genital.

- Para a maioria das mulheres o desejo por sexo flutua de acordo com o desejo por uma certa pessoa.

- Raramente desejo sexo sem desejar uma pessoa determinada.

- O sexo é cumulativo: quanto mais se tem, mais se quer, e quanto menos se tem, menos se quer.

- Se fico um mês sem sexo é fácil depois ficar seis meses.

- Muitas coisas na nossa rotina se tornaram repetitivas, impessoais e aborrecidas.
Em certa medida, queremos acreditar na separação entre vida privada e vida pública.

Embora a sexualidade seja importante, é discutível em que medida ela é importante em si e por si, fora do seu significado no conjunto de nossa vida.

Shere Hite- Relatório Hite da Sexualidade Feminina.

terça-feira, novembro 06, 2007

Recato e Avidez

Aquelas quedas é que começavam a fazer sua vida.

Surgem as justificações, trágicas, justificações forjadas.

Sempre se retinha um pouco. Para o que ela estava se poupando?
Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande,
talvez por não conhecer os próprios limites.

O melhor modo de despistar é dizer a verdade, embora eu não tenha tentado nenhuma vez te despistar.

Pois eu tive que pagar a minha dívida de alegria a um mundo que tantas vezes me foi hostil.

Não em palavras. O único modo de exprimir era sentir de novo.

E pensou ela, e sentir a grande ânsia de viver que esse cheiro provocava nela.

Tudo o que importa não se sabe falar.

Não havia aprendizagem de coisa nova. Era só a redescoberta.

Apesar das palavras trocadas, fora mudamente que ele havia a ajudado.
Nunca esqueceria a ajuda que recebera quando ela só conseguiria gaguejar de medo.

É que a realidade é inacreditável. No impossível é que está a realidade.

Milagres, não. Mas as coincidências.
Vivia de coincidências, vivia de linhas que incidiam e se cruzavan e,
no cruzamento, formavam um leve e espontâneo ponto,
tão leve e espontâneo que era feito de segredo.

Mal falasse das coincidências, e já estaria falando em nada.

Mas ia esperar.
Ia esperar comendo com recato e avidez controlada cada mínima migalha de tudo.

Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão?
Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.

Ambos pareciam calmos ou um pouco tristes.

Pois o prazer não era de se brincar com ele. O prazer era nós.

Clarice Lispector- Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres.

"Construindo"... ou "Quando eu Crescer"...

Uma cidade toda paredão.
Paredão em volta das casa.
Em volta, paredão, das almas.
O paredão é a própria rua.
Onde passar ou não passar
é a mesma forma de prisão,
Sem uma fresta para a vida.
A canivete perfurá-lo,
a unha, a dente, a bofetão?
Se do outro lado existe apenas outro,
mais outro, paredão?

Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três.
Ser: pronunciado tão depressa e cabe tantas coisas.
Que vou ser quando crescer?
Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.

Como é o corpo? Como é o corpo da mulher?
Onde começa? Aqui no chão
ou na cabeleira, e vem descendo?
Como é a perna subindo, e vai subindo até onde?
(...) Diz-se que na mulher tem partes lindas que nunca se revelam
Maciezas redondas.
(...) Quando é que já sem roupa é ela mesma, só mulher?

O que ele vê vai existir na medida em que nada existe de tocável.

Sou coisa inanimada, bicho preso em jaula de esquecer,
que se afastou de movimento e fome.

Viver é saudade
prévia.


Menino Antigo- Drummond

Camuflagens

Saldo

Dir-se-á que cara hambúrguer engolido é puxado da boca de uma criança faminta
e que, cada vez que um americano senta em um restaurante em que haja menos que 11% de negros, ele está roubando uma cadeira.

A culpa regula as relações sociais que se reduzem a um cálculo de perdas e danos
A vantagem é que a culpa poderia ser então ser solucionada: por reparações, indenizações, compensações.

O meu hambúrguer priva o menino de Biafra, mas posso, e devo, lhe mandar farinho, ou então dar preferência aos biafrenses em minha empresa.

Não estamos com ninguém, nem contra ninguém, só trazemos sopa.

Justificativas

Horkheimer tinha razão: de fato, desde a aliança contra a ameaça nazista, o Ocidente nunca mais conseguiu acreditar nas razões pelas quais ele mesmo justifica seus conflitos.

Se invocarmos princípios objetivos, externos a nós mesmos, eles aparecerão como camuflagens, pretextos, desculpas para razões não confessadas, individuais, interesseiras.

Irremediavelmente céticos, não sabemos acreditar nos valores objetivos que eventualmente invocamos. Por outro lado, experimentamos a fragilidade de escolhas cuja razão seria apenas nossa decisão, nossos interesses individuais.
Nosso agir é: ou suspeito, ou desprezível por nós mesmos.

Diálogo

As leis que regram nossas relações sociais são necessárias e imprescindíveis, mas sempre opináveis.

É mais justo queimar o sinal vermelho que ser assaltado, ou então sonegar o imposto de renda do que pagar um imposto que achamos absurdo.

(...) Em outras palavras, só somos "racionais", no sentido moderno, à condição de sermos razoáveis, e, para ser razoável, precisa tornar negociável toda a exigência, reinvindicação, esperamça. Precisa, em suma, que todo valor seja suscetível de concessões, arranjos, compromissos.

Amor

"Eu amo" é indiscutível, por ser, linguisticamente, performativo.
A prova que "nós amamos" é a nossa declaração, portanto, irrefutável.
Atrás dela se pressupõe uma efusão tão íntima que sua sinceridade só pode ser decidida por quem declara.

Desse modo, nos casamos e vivemos juntos porque nos amamos.
Qualquer escolha fundada em outro critério é interesseira ou hipócrita.

(...) os laços são mais precários, os casamentos duram menos e, quando duram, podem doer mais (tipo "nossa vida é um inferno, a gente não se entende, mas ficamos juntos porque nos amamos").

Acabamos assim querendo as crianças tão parecidas conosco, em sua felicidade forçada, que as transformamos em caricaturas de nossos devaneios.

Quem são Eles?

O capitalismo continua nos aparecendo como a maléfica invenção dos capitalistas
e nossas dificuldades subjetivas aparecem mais frequentemente como a soma aritimética das injustiças que os pais fizeram em nossa infância indefesa.
O mundo é o teatro das injustiças que sofremos. Somos sempre vítimas.

(...) a felicidade parece depender da modificação mecânica ou química do real do corpo.

Desde o século passado, com o movimento higienista, a medicina veio progressivamente substituir a ordem moral religiosa periclitante em uma sociedade cada vez mais laica. As práticas higiênicas de vida comum, por exemplo, vieram regrar a convivência social. Aos poucos, a boa saíde se constitui como muito mais do que um componente do bem-estar: como um dever ético.

O indivíduo autônomo de nosso tempo não é um conjunto preestabelecido de obrigações simbólicas, por isso ele é obrigatoriamente narcísico: sua consistência subjetiva, em princípio, não é peso da herança recebida, mas o fruto de suas contínuas tentativas de se manter desejável aos olhos dos outros.

Mas os outros são muitos e talvez nem saibam direito o que gostariam que fôssemos.

E nós?

Pois a idéia de termos uma vida verdadeira escondida, mas que coincidiria com os sonhos de todos, é uma fantasia básica em uma cultura narcísica. Ela resgata nossa miséria: não gostam de nós porque não sabem o que somos.

Em uma cultura individualista, não é a tradição, nem a história, mas a ficção o grande repertório ético em que se inventam, se canonizam e se propõe condutas.

A autonomia individualista, com todas as suas consequencias, é nossa forma paradoxal de obedicência à cultura à qual pertencemos.

Mas preferimos denunciar nosso hedonismo narcísico como falso e alienante a encará-lo como nossa realidade e verdade cultural.

Crônicas sobre o Individualismo Cotidiano - Contardo Calligaris

domingo, outubro 28, 2007

Anseios... - Freud e Reich.

Fui acusado de ser um utopista, de querer eliminar do mundo a insatisfação e salvaguardar apenas o prazer.
Entretanto, pus o preto no branco ao afirmar que a educação torna as pessoas incapazes para o prazer- encouraçando-as contra o desprazer.
A saúde psíquica se caracteriza não pela teoria do Nirvana, pelo hedonismo dos epicuristas, pela renúncia do monasticismo; caracteriza-se pela alternância entre experiências desagradáveis e a felicidade, entre o erro e a verdade, entre a derivação e a volta ao rumo, entre o ódio racional e o amor racional;
em suma, pelo fato de se estar plenamente vivo em todas as situações da vida.

Entretando, a nossa educação e filosofia social européia tornam-nos ou frágeis bonecos, ou em eficientes máquinas- secos, insensíveis, portadores de crônica melancolia e incapazes para o prazer.

O mais crucial problema era a destruição dos impulsos espontâneos da vida no interesse de um refinamento discutível.

Na superfície, usa a mascara artifical do autocontrole, da insincera polidez compulsiva e da pseudo-socialidade.

Todas as discussões de saber se o homem é bom ou mau, se é um ser social ou anti-social, são passatempos filosóficos.

O comportamento humano reflete apenas as contradições entre a afirmação da vida e a negação da vida no próprio processo social. A questão seguinte era: poderia algum dia solucionar-se a antítese entre o anseio de prazer e a frustração social do prazer?

Reich- A Função do Orgasmo

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A experiência nos ensina que existe para a imensa maioria das pessoas um limite além do qual suas constituições não podem atender as exigêmcias da civilização. (...) Esses indivíduos teriam sido mais saudáveis, se lhes fosse possível ser menos bons.

"Todos queremos ser melhores do que, em nossas origens, somos capazes de ser."

Em geral não me ficou a impressão de que a abstnência sexual contribua para produzir homens de ação energéticos e autoconfiantes, nem pensadores originais e reformistas audazes.
Com frequencia bem maior produz homens fracos mas bem comportados, que mais tarde se perdem na multidão que tende a seguir, de má vontade, os caminhos apontados por indivíduos fortes.

O comportamento sexual de um ser humano frequentemente constitui o protótipo de suas demais reações ante a vida (...) Mas se, por outros motivos, ele renuncia à satisfação, seu comportamento, em outros setores da vida será, em vez de energético, conciliatório e resignado.

Freud - Moral Sexual 'Civilizada' e Doença Nervosa Moderna

Erraria tudo exatamente igual...

Aqui estou eu aberta até onde se pode rasgar, exposta até onde se pode vender e insinuando até onde se pode explicitar.

Para não sofrer eu vou me drogar de outros, eu vou me entupir de elogios, eu vou cheirar outras intenções.

Suor frio da corrida, sempre com sorriso duro no rosto e o medo de não ser nada daquilo que você me fez sentir que eu era.

A verdade é que ninguém se entrega porque ninguém se tem.
A verdade é que não estamos aqui, estamos em algum lugar seguro vivendo nossas vidas medíocres.

Meus heróis morreram de overdose: overdose de trabalho, overdose de família, overdose de vida adulta, overdose de ir empurrando com a barriga.

Nada que eu não tenha sentido antes, ou escrito, mas mais uma vez, o que pontua minha vida em momentos e me joga para a frente pra cair de cara.

Seja para chorar o inferno próximo, seja para me sufocar de você querendo todos os meus ângulos.

A gente faz planos mesmo em cima dos silêncios deles.
A gente vê beleza em cada sumiço.
A gente vê olhares de amor no mais puro olhar de tesão.
A gente acaba de trepar e é batata: deita no peito deles!
É uma praga.

Conscientemente eu sei que nem todos os caras querem namorar comigo, e mais conscientemente ainda eu sei que eu também não quero namorar com a maioria deles. Mas lá dentro fica a dúvida: será que fui usada?

Eu posso reclinar o banco do meu carro e mandar ver. Eu posso ser uma noite e nada demais. Eu posso ser um banheiro e nada mais. Eu posso ser nada mais.

Mas eu nunca, em nenhum momento, deixo de romantizar a vida, cada segundo, por mais podre que seja, dela.

Poesia sem rima porque não somos bregas e a vida sem sentidos e sem encaixe é a loucura que une nossas doenças. Estrofes com métrica, porque sabemos exatamente o que queremos, apenas não rimamos para que não exista cumplicidade.

Por hora lhe agradeço. Voltaram a gritar os teclados espancados de sentidos para traduzir uma alma que já não cabe mais em seu estado natural. Agradeço-lhe o sorriso estúpido que por mais banal que seja. Nos faz sentir negritados em meio a tantos seres e suas aspirações. Agradeço-lhe a vontade de errar, sem ela minha vida não parece certa.

www.tatibernardi.com.br

quarta-feira, outubro 24, 2007

nem ser tema de livro...

Sempre que uma situação começa a ficar boa ou simplesmente começa, solto minhas frasezinhas bombas. Não sei se com isso quero realmente foder a minha vida ou me proteger de me foder.

Acho que segundos antes de explodir tudo, penso assim: se eu falar a frase mais errada do mundo, só os realmente fortes sobreviverão. O que eu não percebo é que no começo de alguma coisa, ninguém ainda é realmente forte para agüentar minhas frasezinhas bombas.

E todo mundo, sem exceção, acaba correndo assustado. E no dia seguinte eu acordo com aquele misto de vitória com tristeza. Sozinha novamente. Como se isso fosse um prêmio mas também uma doença.

Odeio essa hipocrisia masculina. Se eles falam mil vezes que querem te ver é tesão e você não pode se assustar, mas se você falar uma única vez que quer vê-los, é porque você é uma mala que está “misturando sentimentos”. E eles podem se assustar.

Que tal viver uma história que passe da primeira página? Tenho cada dia mais nojo de como as pessoas se consomem e não se conhecem, não vivem nada. Não sabem nada da vida da outra a não ser o tamanho dos peitos e o desenho dos pêlos.

Isso tudo me dá um bode profundo. Mas no fundo tenho mais bode é de mim. Por ter dito frases desse tipo para pessoas sem nenhuma magia, sem nenhuma poesia. E que ao invés de enxergar beleza enxergaram “carne ganha”.

E no fundo eu nem sentia nada por essas pessoas, estava apenas testando a hipocrisia do mundo.

Mas cansei. Definitivamente cansei.
E quem sobreviver a esse verdadeiro extermínio de pretendentes, vai descobrir que eu sou só mais um ser que morre de medo do amor e da convivência.
Vai descobrir que falo as frases erradas justamente pra espantar as pessoas e não ter mais trabalho.

www.tatibernardi.com.br

domingo, outubro 21, 2007

O que Despertam...

Don’t kid yourself, we can all be evil

Three devastating psychological experiments in the 20th century seemed to suggest answers to these questions.

The first — the Asch conformity experiment — showed that people could be led into denying the evidence of their own eyes by their desire to conform, blindly to accept the authority of the group.

The second — the Milgram experiment — showed that people were prepared to subject others to potentially lethal electric shocks because they were encouraged to do so by authority figures.

And the third — the Stanford prison experiment (SPE) — showed that perfectly ordinary well-balanced people could be turned into savage tyrants or cowering victims simply by the situations in which they found themselves.

Now Philip Zimbardo, the mastermind behind the SPE, has written his own account of the experiment and its meaning, and of his role in the investigations of the horrific — and, crucially, photographed — abuses at Iraq’s Abu Ghraib prison.
The author believes passionately that anybody can “turn evil”.

He does not believe in evil as a disposition — a character trait — but as the product of a situation. Evil thus resides not in people but in the system that creates these situations.

The experiment, conducted in 1971, could not have been more simple nor, on the face of it, more harmless. Student volunteers were divided into prisoners and guards. The prisoners were taken to a mock-up jail in Stanford University where the guards imposed a regime designed to suppress individuality and humiliate.

With horrific speed the guards turned into ever more creative abusers and, occasional rebellions apart, the prisoners into pathetic cowering deindividualised wrecks. The fact that they all knew the situation was entirely artificial did nothing to stop the slide into barbarity.

At the heart of the bad-apple argument is a theory of evil. This is that it resides within individuals. Evil, for Zimbardo, is in the system, not the individual. The extraordinary and unique plasticity of the human brain enables us to create systems and roles that engender evil. That very plasticity, however, can offer hope.
Is this strictly situational explanation of evil the right conclusion to draw from these three sensational experiments?

Confronted with Auschwitz, the normal human response is: how could anybody do that? Implicit in that response is the statement: I couldn’t.

But the experiments show we could. Nothing in the volunteers’ background indicated the possibility of evil behaviour. These people were you and me.

Systems engender evil, says Zimbardo. But systems are made by humans. Society is a human construct. Blaming systems or society may reduce the burden of guilt on the individual, but it does nothing to exculpate humanity. We systematically do evil. Zimbardo blames this on the plasticity of the human brain. But who is doing the moulding?

Systemically or individually, we and we alone are responsible for these rivers of blood and oceans of tears.

From The Sunday Times
www.bryanappleyard.com

sexta-feira, outubro 19, 2007

Triunfo

Quem conhecer a vida psíquica humana sabe que nada será tão difícil quanto a renúncia a um prazer já experimentado. Não renunciamos de fato, a nada: limitamo-nos a trocar um prazer por outro; ao que parece consistir numa renúncia, é, na verdade, uma substituição, ou antes, uma formação substitutiva.

Escritores Criativos e Devaneios.

A arte é uma realidade convencionalmente aceita, na qual, graças à ilusão artística, os símbolos e substitutos são capazes de provocar emoções reais.
Assim, a arte constitui um meio caminho entre uma realidade que frustra os desejos e o mundo de desejos realizados na imaginação- uma região em que, por assim dizer, os esforços de onipotência do homem primitivo se encontram em pleno vigor.

O interesse científico da psicanálise.

O artista não vence as suas inibições psíquicas senão através do ato de criação, e quem quiser conhecer o escritor deve procurá-lo nas suas obras.

Escritores Criativos e Devaneios.

As palavras são um material plástico, que se presta a todo o tipo de coisas. Há palavras que, jusadas em certas conexões, perdem todo o seu sentido original, mas que o recuperam em outras conexões.
Devido a natureza maleável do material verbal, essa dupla intenção que está por detrás da fala pode ser expressa com êxito pelas mesmas palavras, temos o que denominamos “ambiguidade”.
Essa capacidade de dar expressão ao delírio e à verdade numa mesma frase é um triunfo do engenho e do espírito.

Os chistes e sua relação com o Inconsciente

quarta-feira, outubro 17, 2007

Acontece...

O menino ambicioso
não de poder ou de glória
mas de soltar a coisa
oculta no seu peito
escreve no caderno
e vagamente conta
à maneira de sonho
sem sentido nem forma
aquilo que não sabe.

Lá embaixo, talvez, amor está,
em lagoa decerto, em grota funda.
Ou? mais encoberto ainda, onde se refugiam
coisas que não são, e tremem de vir a ser.

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Seu carnaval abstrato, flor de vento
era provocação e nostalgia.

Cede lugar ao que, na voz errante,
procura introduzir em nossa vida
certa canção cantada por si mesma.

Drummond

terça-feira, outubro 16, 2007

Reações

Robin Durban chama a atenção para um aspecto fundamental nos chimpanzé que parece constituir uma das bases do comportamento social: é o intenso interesse e curiosidade que demonstram em relação uns aos outros, estando permanentemente atentos a quem está fazendo o quê, onde e com quem.

Nisso, diz ele, são extremamente semelhantes a nós. Nas pesquisas que realizou com seus alunos sobre o que acontece nas reuniões sociais em bares, restaurantes, festas e inclusive em reuniões departamentais na universidade, chegou à conclusão de que mais de dois terços das conversas é dedicada à discussão de sentimentos pessoais e ao ''quem está fazendo o quê com quem''.

Soma-se a isso o fato de que a grande maioria das produções culturais escritas e os programas de rádio e televisão (e certamente os de maior público) está voltada para a vida dos outros, sejam os personagens reais ou fictícios.

Uma experiência comum para comprovar a esperteza dos chimpanzés consiste no pesquisador esconder uma fruta de tal modo que apenas um dos membros de um grupo confinado em outro lugar possa observá-lo.

Quando todos os chimpanzés são soltos no terreiro onde está a fruta, aquele que detém a informação disfarça e não demonstra nenhum interesse pelo local onde o cobiçado prêmio está escondido.

Mas, assim que os demais se afastam, corre para desenterrá-la e comê-la sem ter que disputá-la com os outros.

Claramente ocorreu um complexo processo que envolveu a previsão do comportamento dos demais e uma avaliação das reações possíveis ao comportamento do sujeito e um ajustamento deste comportamento de acordo com as previsões.

Chimpanzés também amam: a linguagem das emoções na ordem dos primatas
Eunice Ribeiro Durham

quinta-feira, outubro 11, 2007

Macio...

Machos são, de fato,
tolerantes e mesmo carinhosos com os filhotes,
que não lhes demonstram nenhum respeito: puxam-lhes os pêlos, sobem por suas costas e as usam como escorregador.

Poderíamos mesmo imaginar algo semelhante a uma paternidade difusa.
A disciplina da hierarquia começa a ser aplicada depois que os filhotes atingem 4 ou 5 anos, quando cessa a tolerância.

A fêmea se apoiou pesadamente contra as costas do macho. Seu braço peludo quase ocultava completamente seu bebê, que parecia uma aranha e cujos finos braços e pernas se agitavam ao acaso.
O macho se inclinou e, com a mão, acariciou o bebê.
Durante duas horas, embevecidos, contemplamos aquela cena de família.

Entre os chimpanzés, a dependência dos filhotes é não só intensificada pela necessidade de serem carregados, mas é ampliada pelo fato do seu desenvolvimento ser muito lento.
Filhotes de chimpanzés adquirem alguma autonomia de movimentação apenas com um ano e, assim mesmo, só se locomovem sozinhos quando a mãe está perto e vigilante.

Na permanente movimentação diária dos grupos em busca de alimento e, especialmente, numa reação de fuga ante uma ameaça externa, os filhotes continuam a ser carregados pelo menos até 4 anos e, excepcionalmente, até os 5.
Como a amamentação também é prolongada, conforme vimos, as relações entre mães e filhos envolvem um grau de proximidade física mais intenso do que a observada no caso dos seres humanos.

A necessidade de se agarrar à mãe e de ser agarrado por ela, ou de estar sendo permanentemente segurado e apoiado, pode ser uma adaptação evolutiva da vida arbórea, na qual perder o apoio significa, freqüentemente, uma queda mortal.
A reação de medo à sensação de queda, aliás, parece ser uma das reações mais primitivas do neonato humano.

Chimpanzés também amam: a linguagem das emoções na ordem dos primatas
Eunice Ribeiro Durham

Inumerável Delícia

Tudo mais, em verdade, são ruídos.

Desconhecidos, movidos de pressa e eletrecidade.
Amor de poucos minutos
e de sortidos amores
bebendo na mesma fonte
Bebe um, bebe o seguinte...

Amor triste?
Por que triste,
se é sempre forma de amor,
por mais barata que seja,
por mais que se mostre alheia
à tentação de durar?

São solidões que se abraçam,
que se enroscam, se deglutem
na festa

Drummond- A Paixão Medida

O Mundo Inventor

Nós, sozinhos
no quarto sem espelho?

Palavra rascunhada no papel
que nunca ninguém leu?

Será tudo talvez hipermercado
de possíveis e impossíveis possibilíssimos
que geram minha fantasia de consciência
enquanto
exercito a mentira de passear
mas passeado sou pelo passeio,
que é o sumo real, a divertir-se
com esta bruma sonho de sentir-me
e fruir peripécias de passagem.

Eis se delineia
Espantosa batalha
Entre o ser inventado
E o mundo inventor.

Teima interrogante de saber
Se existe inimigo, se existimos
Ou somos todos uma hipótese.

E nisto se resume a irresumível
humana condição no eterno jogo
sem sentido maior que o de jogar.

E quando de altos feitos te entedias
E voltas ao comum sofrer pedestre
Do desamado, não te vejo a ti
Perdido de saudades e desdéns.

Drummond- A Paixão Medida

quarta-feira, outubro 10, 2007

É assim...

Peito que te quero fonte,
que te quero costa,
que te quero frente,
que te quero língua,
que te quero ponte,
que te quero teta,
que te quero dente.

Peito que te quero fonte
Costa que te quero frente
Língua que te quero ponte
Teta que te quero dente

Olho que te quero asa
Coxa que te quero colo
Bolha que te quero calo
Gota que te quero gole

Poça que te quero lago
Que te quero

.

Meu corpo junto ao seu mais um pouquinho
Tenho certeza de que daria certo
Eu e Você Você e Eu por Perto.
Para que seja bom como já é
Dos pés até a ponta do nariz
Da beira da orelha ao fim do mundo

.

o olho enxerga o que deseja e o que não
ouvido ouve o que deseja e o que não
o tato mais experiente é a palma da mão
por mais que se reprima nunca seca a secreção
o corpo não é templo, casa nem prisão
uns comem outros fodem uns cometem outros dão
por graça por esporte ou tara por amor ou não
velocidade se controla com respiração
o pau se aprofunda mais conforme a posição
o tato mais experiente é a palma da mão
se não consegue fazer sexo vê televisão

.

O mal estar que exala quem discorda
Porque não sente quase ou não entende
Sem romper a casca, e não acorda.
Distrai a sua mente da derrota.
Distante como diante de uma porta
Destrói na letra preta o branco ausente.
Suporta, não se importa ou então mente,
Não compreende o que o prende à borda.

.

se no meio do que você tá fazendo você pára
parece que tá todo mundo ouvindo e ninguém tá falando nada
e agora não precisa correr agora não precisa mais se apressar
parece que tá todo mundo vendo e não tá acontecendo nada
o que você nunca tinha reparado agora está na cara

e passa a vida inteira
passa a vida inteira
a vida inteira passa
a vida inteira

e agora não precisa correr
agora não precisa mais se apressar

.

qualquer perna braço pedra passo
parte de um pedaço que se mova
qualquer
qualquer fresta furo vão de muro
fenda boca onde não se caiba
qualquer
qualquer lapso abalo curto-circuito
qualquer susto que não se mereça
qualquer
qualquer curva de qualquer destino que desfaça o curso
de qualquer certeza
qualquer
qualquer coisa que não fique ilesa
qualquer coisa
qualquer coisa que não fixe

.

Qualquer coisa que Se Sinta
Tem Tanto Sentimento Deve ter Algum que Sirva

.

Tudo que dá pra sentir
Quase que dá pra pensar
Tudo que dá pra pensar
Quase que dá para ouvir
Tudo que dá para ouvir
Quase que dá para ver
Tudo que dá para ver
Quase que dá pra pegar
Tudo que dá pra pegar
Quase que dá para ter
Tudo que dá para ter
Quase que dá para dar
E quase tudo dá.

.

E a montanha insiste em ficar lá Parada.

................
Arnaldo Antunes

segunda-feira, outubro 08, 2007

Touch

It's the sense of touch. In any real city, you walk, you know? You brush past people, people bump into you. In L.A., nobody touches you. We're always behind this metal and glass. I think we miss that touch so much, that we crash into each other, just so we can feel something.

Crash

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Civil inattention is defined as the polite way to manage interaction with strangers by not engaging in any interpersonal communication or needing to respond to a stranger’s touch. ~
Goffman uses an elevator study to explain this phenomenon.
You do not look, talk or touch to the person next to you.
It may be so crowded that you ‘touch’ another person, but you maintain an expressionless demeanor so not to affect those around you.

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A study of touch-deprived men revealed that when given the hypothetical choice between giving up their recreational drugs and alcohol and giving up sex and orgasm, almost all of them said they would give up sex and orgasm.

It seems that those who harbor these conflicts between a strong desire for touch and the confusing discomfort with it resolve the conflict by avoiding the difficulties and discomforts associated with touch and finding a replacement in the form of behaviors and chemicals, prescription and nonprescription.

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It is more acceptable for women to touch than men in social or friendship settings, possibly because of the innate nature of the person touching have dominance over who they are touching.
Whitcher and Fisher (1979) conducted a study to see whether therapeutic touch to reduce anxiety differed between the sexes.
A nurse was told to touch patients for one minute while the patients looked at a pamphlet during a routine preoperative procedure. Females reacted positively to the touch, males did not. It was surmised that males equated the touch to being treated as inferior or dependent.

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Public touch can serve as a ‘tie sign’ that shows others that your partner is “taken”.
When a couple is holding hands, putting their arms around each other, this is a ‘tie sign’ showing others that you are together. The use of ‘tie signs’ are used more often by couples in the dating and courtship stages than between their married counterparts.
Touching between married couples may help maintain good health.
In a study by University of Virginia psychologist Jim Coan, women under stress showed signs of immediate relief by merely holding their husband’s hand. This seemed to be effective when the woman was part of a satisfying marriage.

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Wikipedia
About Attachment Theory

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domingo, outubro 07, 2007

qual?

Onde mora o amor

Se você respira e produz calor
Pulsa, arrepia, sua e sente dor
Daqui sai voz ou só um gemido
Ouço sua voz, um ruído

Ah! Sai da narina devagar
O sangue irriga, a carne viva
A boca cria saliva
Nádega, peito, barriga
Só coração em todo lugar
Na nuca, cotovelo, umbigo
Boca, no calcanhar

Onde mora o amor
Onde mora o amor

Arnaldo Antunes

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uma sílaba um soluço
um sim um não um ai
sinais dizendo nós
quando não estamos mais.

Paulo Leminski

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O beijo é como água salgada: você toma e sua sede aumenta.

(provérbio chinês).

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O corpo existe porque foi feito...

Mas a própria razão tem, em suas origens, traços da percepção e dos instintos dos animais:
a observação da regularidade do comportamento da presa,
a antecipação de seus movimentos e o cálculo do risco
são traços muito antigos, que ainda tem seu papel na racionalidade humana.

Ao negar essa origem corpórea,
a razão torna-se cega ao corpo e tenta dominá-lo negando suas manifestações e sua imanência com relação a ela própria.

O corpo só é reconhecido como coisa que se possui.
A divisão entre corpo e espírito, proposta no âmbito filosófico,
torna-se radical na medida em que o corpo se restringe a uma massa manipulável.


Notas Sobre o Corpo e a Repressão Sexual- Ari.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Quem ama a Solidão não ama a Liberdade

O corpo precisa ser obedecido.

Eu acho e temo que cada impulso para frente tenha de ser precedido por sensações agitadas, confusas e ansiosas.

Por que a intelectualidade abrange a devassidão?

Sozinho com meus pensamentos, investigando, fervendo, desejando ardentemente imaginar um ser humano...
Alcançar...

Como esta aglomeração de corpos acotovela-se, empurra-se, choca-se e corre atrás de ilusões,
como isso assassina e estupra e arruína e não vê o momento presente!

Ela está lá, fantasiando como eu estou, mas não vemos um ao outro- não nos reconhecemos!

O tremor de nossos corpos será a medida da alegria de nossas almas.

Reich- Paixão de Juventude.

Trégua

um por si, cem por cento.

parecem longe mas são pequenos.

eu coberto de pele coberta de pano coberto de ar
e debaixo do meu pé cimento.

o corpo tem alguém como recheio.

o corpo existe porque foi feito. por isso tem um buraco no meio.

pessoas se lambem no escuro.

o desejo é o começo do corpo.

a batalha é o começo da trégua.

as folhas caem, as fotos traem, paredes tem ouvidos.

a casa acaba no teto.

o céu. está desde o início do começo do princípio.
o céu na foto é um pedaço de papel.

o dinheiro é um pedaço de papel.
dinheiro tem valor quando se gasta.

se perde se não se ganha se pede se não se ganha se perde se não se acha
procura se não se acha se perde se não segura se prende se não segura
se perde se não se ganha se pede.

o tempo todo o tempo passa.

as coisas têm peso, massa, volume, tamanho,
tempo, forma, cor, posição, textura, duração, densidade,
cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno,
temperatura, função, aparência, preço, destino, idade, sentido.
as coisas não têm paz.

parecem letras nos livros.

Arnaldo Antunes- as coisas