domingo, novembro 25, 2007

Apatia

A proteção pelo susto é uma forma do mimetismo.
Toda diversão, todo abandono tem algo de mimetismo.

Os homens obcecados pela civilização só se apercebem de seus próprios traços miméticos, que se tornaram tabus, em certos gestos e comportamentos que encontram nos outros e que se destacam em seu mundo racionalizado como resíduos isolados e traços rudimentares verdadeiramente vergonhosos.

O que repele por sua estranheza é, na verdade, demasiado familiar.

São os gestos contagiosos dos contatos diretos: tocar, aconchegar-se, aplacar, induzir.

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(...) a violência que se exprime na lamentação.
Ela é sempre exagerada, por mais sincera que seja,
Só a obra realizada é adequada.

Mas sua consequência é a face imóvel e impassível e, por fim, ao término desta era, o rosto de bebé dos homens de aço, dos políticos, padres, directores gerais e gângsteres.

A mera existência do outro é motivo de irritação.
Todos os outros são "muito espaçosos" e devem ser recolocados em seus limites, que são os limites do terror sem limites.

De todos os sentidos, o ato de cheirar - que se deixa atrair sem objetualizar -
é o testemunho mais evidente da ânsia de se perder no outro e com ele se identificar.

Por isso o cheiro, tanto como percepção quanto como percebido (ambos se identificam no ato) , é mais expressivo do que os outros sentidos.

Ao ver, a gente permanece quem a gente é, ao cheirar, a gente se deixa absorver.

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Em certo sentido, perceber é projetar.

A projeção das impressões dos sentidos é um legado de nossa pré-história animal, um mecanismo para fins de proteção e obtenção de comida, o prolongamento da combatividade com que as espécies animais superiores reagiam ao movimento, com prazer ou desprazer e independentemente da intenção do objeto.

A projeção está automatizada nos homens, assim como as outras funções de ataque e proteção, que se tornaram reflexos.

Na sociedade humana, porém, na qual tanto a vida intelectual quanto a vida afetiva se diferenciam com a formação do indivíduo, o indivíduo precisa de um controle crescente da projeção; ele tem que aprender ao mesmo tempo a aprimorá-la e a inibi-la.

Aprendendo a distinguir,entre pensamentos e sentimentos próprios e alheios, surge a distinção do exterior e do interior, a possibilidade de distanciamento e identificação, a consciência de si e a consciência moral.

Entre o verdadeiro objeto e o dado indubitável dos sentidos, entre o interior e o exterior, abre-se um abismo que o sujeito tem de vencer por sua própria conta e risco.
Para refletir a coisa tal como ela é, o sujeito deve devolver-lhe mais do que dela recebe.

O ego idêntico é o produto constante mais tardio da projeção.
Todavia, mesmo como ego objetivado de maneira autónoma, ele só é o que o mundo-objeto é para ele.

A profundidade interna do sujeito não consiste em nada mais senão a delicadeza e a riqueza do mundo da percepção externa.

Quando o entrelaçamento é rompido, o ego se petrifica.

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Seu discernimento consome-se no círculo traçado pela ideia fixa, assim como o
engenho da humanidade se liquida a si mesmo na órbita da civilização técnica.
A paranóia é a sombra do conhecimento.

Hoje em dia, é tão fácil para uma consciência só devassar o absurdo da dominação que ela precisa da consciência doente para se manter viva.

Só os loucos que sofrem de delírio de perseguição toleram a perseguição em que necessariamente resulta a dominação, na medida em que lhes é permitido perseguir os outros.

A experiência é substituída pelo cliché e a imaginação ativa na experiência pela recepção ávida.

Sob pena de uma rápida ruína, os membros de cada camada social devem engolir sua dose de orientações.

Na era do vocabulário básico de trezentas palavras, a capacidade de julgar e, com ela, a distinção do verdadeiro e do falso estão desaparecendo.

Na medida em que o pensamento deixa de representar uma peça do equipamento profissional, sob uma forma altamente especializada em diversos setores da divisão do trabalho, ele se torna suspeito como um objecto de luxo fora de moda: "armchair thinking".

É preciso produzir alguma coisa.

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Adorno e Horkheimer - Dialética do Esclarecimento

O Pudim em Pó pela Imagem do Pudim

Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto.

Reduzidos a um simples material estatístico, os consumidores são distribuídos nos mapas dos institutos de pesquisa (que não se distinguem mais dos de propaganda) em grupos de rendimentos assinalados por zonas vermelhas, verdes e azuis.

Em seu lazer, as pessoas devem se orientar por essa unidade que caracteriza a produção.

O todo se antepõe inexoravelmente aos detalhes como algo sem relação com eles; assim como na carreira de um homem de sucesso, tudo deve servir de ilustração e prova, ao passo que ela própria nada mais é do que a soma desses acontecimentos idiotas.

A chamada Ideia abrangente é um classificador que serve para estabelecer ordem, mas não conexão. O todo e o detalhe exibem os mesmos traços, na medida em que entre eles não existe nem oposição nem ligação.

A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção.

Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objectos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme.

(...) se tratasse de uma oposição entre a omnipotência e impotência.

A hilariedade põe fim ao prazer que a cena de um abraço poderia pretensamente proporcionar e adia a satisfação para o dia do pogrom.

Assim como o Pato Donald nos cartoons, assim também os desgraçados na vida real recebem a sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios recebem.

Nos grandes centros encontram o frio no verão e o calor no inverno nos locais climatizados. Fora isso, mesmo pelo critério da ordem existente essa aparelhagem inflada do prazer não torna a vida mais humana para os homens.

A promissória Sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação,
é prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espectáculo significa que jamais chegaremos à coisa mesma,
que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio.

Rimos do facto de que não há nada de que se rir.

O riso, tanto o riso da reconciliação quanto o riso de terror, acompanha sempre o instante em que o medo passa.

Ele indica a liberação, seja do perigo físico, seja das garras da lógica.

Fun é um banho medicinal, que a indústria do prazer prescreve incessantemente.

Um grupo de pessoas a rir é uma paródia da humanidade.

São mônadas, cada uma das quais se entrega ao prazer de estar decidida a tudo às custas dos demais e com o respaldo da maioria.

Cada espectáculo da indústria cultural vem mais uma vez aplicar e demonstrar de maneira inequívoca a renúncia permanente que a civilização impõe às pessoas.

Oferecer-lhes algo e ao mesmo tempo privá-las disso é a mesma coisa.

A fuga do quotidiano, que a indústria cultural promete em todos os seus ramos, se passa do mesmo modo que o rapto da moça numa folha humorística norte-americana: é o próprio pai que está segurando a escada no escuro.

Divertir significa sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é a sua própria base.

É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir.

No fundo, todos reconhecem o acaso, através do qual um indivíduo fez a sua sorte,
como o outro lado do planejamento.

O próprio acaso é planejado; não no sentido de atingir tal ou qual indivíduo determinado, mas no sentido, justamente, de fazer crer que ele impere.

A indústria só se interessa pelos homens como clientes e empregados e, de facto, reduziu a humanidade inteira, bem como cada um de seus elementos, a essa fórmula exaustiva.

A ideologia fica cindida entre a fotografia de uma vida estupidamente monótona e a mentira nua e crua sobre o seu sentido, que não chega a ser proferida, é verdade, mas, apenas sugerida, e inculcada nas pessoas.

Para demonstrar a divindade do real, a indústria cultural limita-se a repeti-lo cinicamente.

Quem ainda duvida do poderio da monotonia não passa de um tolo.

A manutenção de uma atmosfera de camaradagem segundo os princípios da ciência empresarial - atmosfera essa que toda fábrica se esforça por introduzir a fim de aumentar a produção - coloca sob controle social o último impulso privado, justamente na medida em que ela aparentemente torna imediatas, reprivatiza, as relações dos homens na produção.

A fórmula dramática descrita uma vez por uma dona-de-casa como "getting into trouble and out again" abrange toda a cultura de massas desde o mais cretino women's serial até a obra mais bem executada.

Por cinquenta centavos vê-se o filme de milhões de dólares;
por dez recebe-se a goma de mascar por trás da qual se encontra toda a riqueza do mundo e cuja venda serve para que esta cresça ainda mais.

As obras de arte são transformadas em simples brindes.

Os espectadores devem se alegrar com o facto de que há tantas coisas a ver e a ouvir.
Os consumidores se esforçam por medo de perder alguma coisa.

Tanto técnica quanto economicamente, a publicidade e a indústria cultural se confundem.

Lá como cá, reinam as normas do surpreendente e no entanto familiar, do fácil e no
entanto marcante, do sofisticado e no entanto simples.

Se, antes de sua racionalização, a palavra permitira não só a nostalgia mas também a mentira, a palavra racionalizada transformou-se em uma camisa de força para a nostalgia, muito mais do que para mentira.

A cegueira e o mutismo dos fatos a que o positivismo reduziu o mundo estendem-se à própria linguagem, que se limita ao registro desses dados.

A liberdade de escolha da ideologia, que reflecte sempre a coerção económica,
revela-se em todos os sectores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa.

As mais íntimas reacções das pessoas estão tão completamente reificadas
para elas próprias que a ideia de algo peculiar a elas só perdura na mais extrema abstracção: personality significa para elas pouco mais do que possuir dentes deslumbrantemente brancos e estar livres do suor nas axilas e das emoções.

Dialética do Esclarecimento- Adorno e Horkheimer.

sábado, novembro 17, 2007

O Segundo Sexo

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A experiência erótica é uma das que revelam ao ser humano, da maneira mais pungente, a ambigüidade da sua condição; nela eles se sentem como carne e como espírito, como sujeito e como outro.

A burguesia inventou nestes últimos anos um estilo épico: a rotina assume um aspecto de aventura, a fidelidade, o de uma loucura sublime, e tédio torna-se sabedoria e os ódios familiares são a forma mais profunda de amor.

Pretende-se por vezes que o próprio silêncio é sinal de uma intimidade mais profunda que qualquer palavra; e por certo ninguém pensa em negar que a vida conjugal crie uma intimidade: nem por isso essa intimidade deixa de cobrir raivas, ciumes, rancores.

Não há sentimentos neutros e a ausência de amor, o constrangimento, o tédio, engendram menos facilmente uma amizade terna do que o rancor, a impaciência, a hostilidade.

Há certamente maior número de violações cometidas no casamento que fora do casamento. São muitos os casos de ferimentos infligidos a mulheres pelo pênis durante o coito; as caisas era, a brutalidade, a embriaguez, uma posição errada, uma desproporção dos órgãos.

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O amor ocupa na vida feminina menor lugar do que sempre se pretendeu. Marido, filhos, lar, prazeres, vida mundana, vaidade, sexualidade, carreira, são mais importantes. Quase todas as mulheres sonharam com "o grande amor": conheceram sucedâneos deste, aproximaram-se dele; sob aspectos de figuras inacabadas, magoadas, irrisórias, imperfeitas, mentirosas, ele as visitou; mas muito poucas lhe consagraram realmente a existência.

Ao invés de convidá-la a lutar por sua conta, dizem-lhe que basta deixar as coisas correrem para alcançar paraísos encantadores; quando percebe que foi vítima de uma miragem, é tarde demais, suas forças esgotaram-se na aventura.

Os psicanalistas afirmam de bom grado que a mulher busca no amante a imagem do pai; mas é por ser homem e não por ser pai que ele deslumbra a criança, e todo homem participa dessa magia.

A mulher não deseja reencarnar um indivíduo no outro e sim ressucitar uma situação: a que conheceu menina, no abrigo dos adultos. O que ela almeja é reencontrar um teto sobre a cabeça, muros que lhe escondam seu abandono no mundo, leis que a defendam contra a sua liberdade.

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O homem com seus músculos duros, sua pele áspera, seu cheiro forte, seus traços grosseiros, não lhe parece desejável, inspira-lhe até repulsa.

Ela deseja carícia nos seios, nos lábios, talvez um gozo conhecido ou pressentido entre as coxas e eis que um sexo macho se introduz e o amor assume o aspecto de uma operação cirúrgica.

Por certo o sexo do macho não é um músculo estriado que a vontade comanda; não é relha de arado nem espada mas tão-somente carne; entretanto, o homem imprime-lhe um movimento voluntário; vai, vem, pára, recomeça.

O sexo feminino é misterioso até para a própria mulher, é escondido, úmido, sangra todos os meses, por vezes é cheio de humores.

Muitas vezes, as circunstâncias levam-na a tornar-se presa de um homem cujas carícias a comovem mas que ela não tem prazer em olhar nem em acariciar por sua vez.

Braços enlaçando um corpo podem ser refúgio e proteção, mas encarceram também e abafam.

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É rendendo-se que o desejo se perpetua. Mas o equilíbrio entre o ardor e o abandono é fácil de destruir.

Uma carícia pode tornar-se uma tortura, um suplício dar prazer. Abraçar conduz facilmente a morder, beliscar, arranhar; essas condutas exprimem um desejo de fusão, não de destruição, e o sujeito não quer humilhar-se ou renegar-se, mas unir-se.

Seu corpo não projeta nenhuma conclusão nítida do ato amoroso, e é por isso que o coito nunca finda inteiramente: não comporta um fim.

Certos espamos localizados na vagina ou no conjunto do sistema genital, ou emanando de todo corpo, podem constituir uma solução. Em certas mulheres eles se produzem bastante regularmente e com suficiente violência para serem assimilados a um orgasmo; mas uma amante pode também encontrar no orgasmo masculino uma conclusão que a acalma e a satisfaz. E pode acontecer também que e maneira contínua, sem choque, a forma erótica se dissolva calmamente.

É um corpo que exprime reações que a mulher se recusa a assumir, ele lhe escapa, ele lhe trai. No entanto, ele é também o corpo que contempla com deslumbramento ao espelho, é promessa de felicidade, estátua viva, ela o modela, enfeita, exibe.

Muito raramente ela se satisfaz completamente, mesmo se conheceu o apaziguamento do prazer não fica definitivamente liberta do feitiço carnal; sua perturbação prolonga-se tornando-se sentimento.

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"O criador das zonas erógenas trabalha contra si próprio: cria insaciáveis. Não haveria neurose nem psicose se estivesse persuadido que fazer amor é um ato tão indiferente quanto o de comer, urinar, defecar, dormir..." (Dr. Grémillon)

Consideram perversas e debochadas as mulheres que vivem de seu corpo, não os homens que as usam.

Se não é pérfida, fútil, indolente, a mulher perde a sua sedução. Na Casa das Bonecas, Helmer explica o quanto o homem se sente forte, justo, compreensivo, indulgente, quando perdôoa as faltas pueris da frágil mulher.

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Habilmente faz as perguntas no momento em que não há tempo para respostas sinceras, ou então em que as circunstâncias as impede, faz troféus das respostas arrancadas e, na falta de respostas, faz os silêncios falarem.

Uma mulher normal acaba sempre sendo vencida pela verdade, e reconhecendo que não é mais amada. Mas, enquanto não é acuada a essa confissão, trapaceia sempre um pouco. Mesmo no amor recíproco há entre os sentimentos dos amantes uma diferença fundamental que ela se esforça por massacrar.

Atormentada, arrisca-se a torna-se um fardo para aquele com quem sonhava, não podendon ser indispensável, torna-se inoportuna, odiosa. É isso também uma tragédia muito comum.

Uma mulher, ainda que orgulhosa, faz-se meiga, passiva, manobras, prudências, ardis, sorrisos, encantos, são suas armas.

"Detesto os homens que dormem. Debruço-me sobre eles com minhas más intenções. Só reclamava dele uma bolha de presença. Não as tive. Detesto este meu homem dormindo, capaz de criar para si uma paz que me é estranha." Viollete Leduc.

Simone de Beauvoir- O Segundo Sexo

sexta-feira, novembro 16, 2007

Estupro

> eu quis violentar mulheres metidas só para castigá-las por serem tão estúpidas.

> uma mulher que já havia transado comigo voluntariamente antes não quis de novo, e eu pensei seriamente em violentá-la. Mas não fiz pela confusão.

> Existem mulheres bem feitas de corpo e com boa aparência, mas são ordinárias como o diabo. São essas que eu gostaria de violentar.

> Acho que existe algum lugar em minha mente que quer ter total domínio sobre uma mulher, desde rasgar suas roupas, humilhando-a, até forçá-la a ter uma relação anal e morder seus seios com força. Mas imagino que o máximo que farei é fantasiar sobre isso.

> existem mulheres que eu gostaria de violentar por causa da presunção. E outras eu gostaria de seduzir e tirar bem na horinha que começassem a gozar.

> Já tive vontade, com aquelas mulheres que colocam-se num pedestal bem alto como se ninguém pudesse alcançá-las. Gostaria de violentá-las para mostrar para elas que não são melhores que qualquer boceta andando pela rua.

> Já pensei em violentar aquelas que realmente querem sexo mas fingem que não.

> Existem aquelas que brincam com o homem até a beira do orgasmo e então se afastam, dando uma de recatadas. Me sentiria justificado se estuprasse uma dessas.

> as mulheres não entendem o que é a fome de sexo para o homem. Uma mulher que estimula um homem sem satisfazê-lo está sendo muito cruel.

> Uma mulher que te deixa a ponto de bala e não termina o serviço não tem respeito por você nem por qualquer ser humano. Num caso desse, eu estupraria e não teria nenhum sentimento de culpa a respeito.

> Duas mulheres já me disseram "não" e eu fiz do mesmo modo. Foi muito satisfatório descobrir que eu podia ser tão animalesco.

> As mulheres são as presas, e os homens, predadores. Eu fantasio sobre a expressão no rosto de uma mulher quando a "capturo" e ela vê que não pode escapar. É como se eu vencesse, quando a possuo.

> Estava realmente cansado de ser rejeitado então violentei-a. Por fora, me senti horrivelmente, mas por dentro, me satisfiz. Me deu a maior excitação que já tive.

> (um estuprador que está preso por isso) Estuprei para ter o controle absoluto sobre uma mulher e para provar para mim mesmo que eu era tão indigno quanto meu distúrbio interior me fazia acreditar. Não tinha saco ou confiança para tentar um relacionamento, pois eu mesmo já havia me condenado a rejeição.

> Sinto muito mais controle quando excito uma mulher até que ela implore que eu a penetre do que nas vezes que eu violentei.

> Como as vaginas ficam secas, o coito é desagradável. É difícil e doloroso.

O Relatório Hite sobre Sexualidade Masculina

domingo, novembro 11, 2007

Anjo ou Esfinge? (Devora-me ou te Decifro).

Quando estas lavas incandescentes conseguem escapar sem controle,
o sexo frágil rompe seus guilhões, insaciável em seus amores, fanático em suas crenças, assustados como o louco em sua gesticulação.

A partir desse momento, o esposo tem a tarefa de provir o prazer de sua companheira.

Como toda esposa, apenas uma sexualidade bem temperada irá salvá-la das angústias da ninfomania, ou, mais simplesmente, dos incômodos do "nervosismo".

Por felicidade, acredita-se, o desejo feminino precisa ser provocado.
Compreende-se melhor então o desconcerto do jovem marido quando encontra uma esposa demasiado sabida.

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O código do amor romântico dita à mulher um angelicalismo do leito que hoje poderia fazer sorrir.
O tabu que pesa sobre a manifestação do desejo feminino obriga a amante a simular a presa que não saberia entregar-se sem que o vigor do "assalto" viesse ao menos justificar a "derrota".
Um corpo excessivamente loquaz na volúpia impõe, após o "êxtase", as posturas redentoras da pureza.

A jovem mulher eleva os olhos para o azul, assegura a comunicação entre o seu companheiro e o mundo do invisível.
Nessa perspectiva, o amor será o segundo céu, a afinidade vivida dentro da aventura espiritual conjunta.

Cabe à mulher provocar no homem este despertar, esta "turbulência da alma", conservar a inextinguível nostalgia de um mundo ideal.

A palavra, que seria demasiadamente escandalosa, por muito tempo é substituíd pelo olhar, pelo sorriso, no limite o toque; a perturbação, o rubor, o silêncio insistente valem por respostas.

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Os "roçares imperceptíveis" das vestes, mais tarde da pele, as pressões das mãos esboçam as preliminares. Joelhos e pernas se aproximam, se apertam, à mesa, no interior do cupê ou do vagão ferroviário.

Então começam os "jogos de amor": beijos, carícias, apalpações.
(...) "orgasmos sem coito".
O flerte desenvolve uma assombrosa "conversação muda do apetite sexual".

O flerte concilia a virgindade, o pudor e os imperativos do desejo. Eis que as próprias esposas enlouquecem.
A mulher não faz senão deixar adivinhar sua sensualidade; evita assim comprometer-se plenamente.

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A Relação Íntima ou os Prazeres da Troca
História da Vida Privada- Bastidores- Alain Corbin

quinta-feira, novembro 08, 2007

Depois do prazer...

- A excitação vai até uma alta tensão seguida de um súbito relaxamento.

- Os clitoridianos são mais agudos, porém mais solitários.

- Os orgasmos masturbatórios são mais fortes, mas prefiro a difusão e a variedade da relação sexual e o calor e a pressão do corpo de um homem e os sons e odores de duas pessoas juntas.

- Pode ser boa a simples sensação de ter um pênis em minha vagina, e não tem nada a ver com ter um orgasmo. Satisfaz uma necessidade daquele contato.

- Não muito, porque é cansativo e aborrecido. Faço porque acho que pode melhorar. Tudo bem, mas acho que tem que haver algo melhor.

- Não tenho impressão de brutalidade ou egoísmo, mas essa movimentação toda parece-me mais uma ginástica genital.

- Para a maioria das mulheres o desejo por sexo flutua de acordo com o desejo por uma certa pessoa.

- Raramente desejo sexo sem desejar uma pessoa determinada.

- O sexo é cumulativo: quanto mais se tem, mais se quer, e quanto menos se tem, menos se quer.

- Se fico um mês sem sexo é fácil depois ficar seis meses.

- Muitas coisas na nossa rotina se tornaram repetitivas, impessoais e aborrecidas.
Em certa medida, queremos acreditar na separação entre vida privada e vida pública.

Embora a sexualidade seja importante, é discutível em que medida ela é importante em si e por si, fora do seu significado no conjunto de nossa vida.

Shere Hite- Relatório Hite da Sexualidade Feminina.

terça-feira, novembro 06, 2007

Recato e Avidez

Aquelas quedas é que começavam a fazer sua vida.

Surgem as justificações, trágicas, justificações forjadas.

Sempre se retinha um pouco. Para o que ela estava se poupando?
Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande,
talvez por não conhecer os próprios limites.

O melhor modo de despistar é dizer a verdade, embora eu não tenha tentado nenhuma vez te despistar.

Pois eu tive que pagar a minha dívida de alegria a um mundo que tantas vezes me foi hostil.

Não em palavras. O único modo de exprimir era sentir de novo.

E pensou ela, e sentir a grande ânsia de viver que esse cheiro provocava nela.

Tudo o que importa não se sabe falar.

Não havia aprendizagem de coisa nova. Era só a redescoberta.

Apesar das palavras trocadas, fora mudamente que ele havia a ajudado.
Nunca esqueceria a ajuda que recebera quando ela só conseguiria gaguejar de medo.

É que a realidade é inacreditável. No impossível é que está a realidade.

Milagres, não. Mas as coincidências.
Vivia de coincidências, vivia de linhas que incidiam e se cruzavan e,
no cruzamento, formavam um leve e espontâneo ponto,
tão leve e espontâneo que era feito de segredo.

Mal falasse das coincidências, e já estaria falando em nada.

Mas ia esperar.
Ia esperar comendo com recato e avidez controlada cada mínima migalha de tudo.

Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão?
Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.

Ambos pareciam calmos ou um pouco tristes.

Pois o prazer não era de se brincar com ele. O prazer era nós.

Clarice Lispector- Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres.

"Construindo"... ou "Quando eu Crescer"...

Uma cidade toda paredão.
Paredão em volta das casa.
Em volta, paredão, das almas.
O paredão é a própria rua.
Onde passar ou não passar
é a mesma forma de prisão,
Sem uma fresta para a vida.
A canivete perfurá-lo,
a unha, a dente, a bofetão?
Se do outro lado existe apenas outro,
mais outro, paredão?

Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três.
Ser: pronunciado tão depressa e cabe tantas coisas.
Que vou ser quando crescer?
Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.

Como é o corpo? Como é o corpo da mulher?
Onde começa? Aqui no chão
ou na cabeleira, e vem descendo?
Como é a perna subindo, e vai subindo até onde?
(...) Diz-se que na mulher tem partes lindas que nunca se revelam
Maciezas redondas.
(...) Quando é que já sem roupa é ela mesma, só mulher?

O que ele vê vai existir na medida em que nada existe de tocável.

Sou coisa inanimada, bicho preso em jaula de esquecer,
que se afastou de movimento e fome.

Viver é saudade
prévia.


Menino Antigo- Drummond

Camuflagens

Saldo

Dir-se-á que cara hambúrguer engolido é puxado da boca de uma criança faminta
e que, cada vez que um americano senta em um restaurante em que haja menos que 11% de negros, ele está roubando uma cadeira.

A culpa regula as relações sociais que se reduzem a um cálculo de perdas e danos
A vantagem é que a culpa poderia ser então ser solucionada: por reparações, indenizações, compensações.

O meu hambúrguer priva o menino de Biafra, mas posso, e devo, lhe mandar farinho, ou então dar preferência aos biafrenses em minha empresa.

Não estamos com ninguém, nem contra ninguém, só trazemos sopa.

Justificativas

Horkheimer tinha razão: de fato, desde a aliança contra a ameaça nazista, o Ocidente nunca mais conseguiu acreditar nas razões pelas quais ele mesmo justifica seus conflitos.

Se invocarmos princípios objetivos, externos a nós mesmos, eles aparecerão como camuflagens, pretextos, desculpas para razões não confessadas, individuais, interesseiras.

Irremediavelmente céticos, não sabemos acreditar nos valores objetivos que eventualmente invocamos. Por outro lado, experimentamos a fragilidade de escolhas cuja razão seria apenas nossa decisão, nossos interesses individuais.
Nosso agir é: ou suspeito, ou desprezível por nós mesmos.

Diálogo

As leis que regram nossas relações sociais são necessárias e imprescindíveis, mas sempre opináveis.

É mais justo queimar o sinal vermelho que ser assaltado, ou então sonegar o imposto de renda do que pagar um imposto que achamos absurdo.

(...) Em outras palavras, só somos "racionais", no sentido moderno, à condição de sermos razoáveis, e, para ser razoável, precisa tornar negociável toda a exigência, reinvindicação, esperamça. Precisa, em suma, que todo valor seja suscetível de concessões, arranjos, compromissos.

Amor

"Eu amo" é indiscutível, por ser, linguisticamente, performativo.
A prova que "nós amamos" é a nossa declaração, portanto, irrefutável.
Atrás dela se pressupõe uma efusão tão íntima que sua sinceridade só pode ser decidida por quem declara.

Desse modo, nos casamos e vivemos juntos porque nos amamos.
Qualquer escolha fundada em outro critério é interesseira ou hipócrita.

(...) os laços são mais precários, os casamentos duram menos e, quando duram, podem doer mais (tipo "nossa vida é um inferno, a gente não se entende, mas ficamos juntos porque nos amamos").

Acabamos assim querendo as crianças tão parecidas conosco, em sua felicidade forçada, que as transformamos em caricaturas de nossos devaneios.

Quem são Eles?

O capitalismo continua nos aparecendo como a maléfica invenção dos capitalistas
e nossas dificuldades subjetivas aparecem mais frequentemente como a soma aritimética das injustiças que os pais fizeram em nossa infância indefesa.
O mundo é o teatro das injustiças que sofremos. Somos sempre vítimas.

(...) a felicidade parece depender da modificação mecânica ou química do real do corpo.

Desde o século passado, com o movimento higienista, a medicina veio progressivamente substituir a ordem moral religiosa periclitante em uma sociedade cada vez mais laica. As práticas higiênicas de vida comum, por exemplo, vieram regrar a convivência social. Aos poucos, a boa saíde se constitui como muito mais do que um componente do bem-estar: como um dever ético.

O indivíduo autônomo de nosso tempo não é um conjunto preestabelecido de obrigações simbólicas, por isso ele é obrigatoriamente narcísico: sua consistência subjetiva, em princípio, não é peso da herança recebida, mas o fruto de suas contínuas tentativas de se manter desejável aos olhos dos outros.

Mas os outros são muitos e talvez nem saibam direito o que gostariam que fôssemos.

E nós?

Pois a idéia de termos uma vida verdadeira escondida, mas que coincidiria com os sonhos de todos, é uma fantasia básica em uma cultura narcísica. Ela resgata nossa miséria: não gostam de nós porque não sabem o que somos.

Em uma cultura individualista, não é a tradição, nem a história, mas a ficção o grande repertório ético em que se inventam, se canonizam e se propõe condutas.

A autonomia individualista, com todas as suas consequencias, é nossa forma paradoxal de obedicência à cultura à qual pertencemos.

Mas preferimos denunciar nosso hedonismo narcísico como falso e alienante a encará-lo como nossa realidade e verdade cultural.

Crônicas sobre o Individualismo Cotidiano - Contardo Calligaris