terça-feira, julho 31, 2007

Frieza...

No que diz respeito à consciência coisificada, além disto é preciso examinar também a relação com a técnica, sem restringir-se a pequenos grupos.

Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva como acontece atualmente, gera pessoas tecnológicas, afinadas com a técnica. Isto tem a sua racionalidade boa: em seu plano mais restrito elas serão menos influenciáveis, com as correspondentes conseqüências no plano geral. Por outro lado, na relação atual com a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogênico.
Isto se vincula ao "véu tecnológico".
Os homens inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço dos homens.

Os meios —— e a técnica é um conceito de meios dirigidos à autoconservação da espécie humana — são fetichizados, porque os fins — uma vida humana digna — encontram-se encobertos e desconectados da consciência das pessoas.
Afirmações gerais como estas são até convincentes.
Porém uma tal hipótese ainda é excessivamente abstrata.

Não se sabe com certeza como se verifica a fetichização da técnica na psicologia individual dos indivíduos, onde está o ponto de transição entre uma relação racional com ela e aquela supervalorização. (...)
No caso do tipo com tendências à fetichização da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar. Isto não deve ser entendido num sentido sentimental ou moralizante, mas denotando a carente relação libidinal com Outras pessoas.
Elas são inteiramente frias e precisam negar também em seu íntimo a possibilidade do amor, recusando de antemão nas outras pessoas o seu amor antes que o mesmo se instale.

Em sua configuração atual — e provavelmente há milênios —- a sociedade não repousa em atração, em simpatia, como se supôs ideologicamente desde Aristóteles, mas na persecução dos próprios interesses frente aos interesses dos demais.
Isto se sedimentou do modo mais profundo no caráter das pessoas.
O que contradiz, o impulso grupal da chamada lonely crowd, da massa solitária, na verdade constitui uma reação, um enturmar-se de pessoas frias que não suportam a própria frieza mas nada podem fazer para alterá-la.
Hoje em dia qualquer pessoa, sem exceção, se sente mal-amada, porque cada um é deficiente na capacidade de amar.

Não me entendam mal. Não quero pregar o amor. Penso que sua pregação é vã: ninguém teria inclusive o direito de pregá-lo, porque a deficiência de amor, repito, é uma deficiência de todas as pessoas, sem exceção, nos termos em que existem hoje.
Pregar o amor pressupõe naqueles a quem nos dirigimos uma outra estrutura do caráter, diferente da que pretendemos transformar.
Pois as pessoas que devemos amar são elas próprias incapazes de amar e por isto nem são tão amáveis assim.

O incentivo ao amor ----- provavelmente na forma mais imperativa, de um dever — constitui ele próprio parte de uma ideologia que perpetua a frieza. Ele combina com o que é impositivo, opressor, que atua contrariamente à capacidade de amar.

Por isto o primeiro passo seria ajudar a frieza a adquirir consciência de si própria, das razões pelas quais foi gerada.

Adorno- Educação para Emancipação

Tempo Livre

No estado de letargia culmina um momento decisivo do tempo livre nas condições atuais: o tédio.
Insaciáveis são também as sátiras sobre as maravilhas que as pessoas esperam das viagens de férias ou de qualquer situação excepcional do tempo livre, enquanto tampouco aqui conseguem escapar do sempre igual; que não se dissipa mais.

É bem conhecido, e nem por isso menos verdadeiro, que os fenômenos específicos do tempo livre como o turismo são acionados e organizados em função do lucro.

O cuidado, talvez subjetivamente bem intencionado dos pais, que as crianças não se esforçassem demais no tempo livre: não ler demais, não deixar luz acesa por muito tempo à noite. Secretamentem, os pais farejavam por trás disso uma rebeldia de espírito, ou também, uma insitência no prazer a qual é incompatível com a divisão racional da existência.

Shoppenhauer formulou cedo uma teoria sobre o tédio. De acordo com o seu pessimismo metafísico, ou as pessoas sofrem pelo apetite insatisfeito de sua cega vontade ou se entediam tão pouco aquele esteja insatisfeito.

A falta de fantasia, implantada e insistentemente recomendada pela sociedade, deixa as pessoas desamparadas em seu tempo livre.

A típica ideologia da personalização que consiste em atribuir-se importância desmedida à pessoas individuais e relações privadas, contra o efetivamente determinante, desde o ponto de vista social, evidentemente como compensação da funcionalização da realidade.

Palavras e Sinais- Theodor W. Adorno.

História da Vida Privada- Bastidores

Dormir sozinho, ler tranquilamente seu livro ou seu jornal, vestir-se como bem entender, ir e vir à vontade, consumir à vontade, frequentar e amar quem se deseja... exprimem a busca de um direito à felicidade que pressupõe a escolha do próprio destino... A democracia a legitima, o mercado a atiça, as migrações a favorecem...

Vê-se tudo aquilo que se desenvolve no espaço privado, onde se materializam as imagens do poder, as relações entre as pessoas e a procura de si mesmo.

Um fio condutor vincula com efeito todos os procedimentos que pretendem reforçar o sentimento do eu: a tentação de forjar heróis, a hipertrofia da vaidade tranquilizadora. O ascenso da meritocracia: a importância atribuída ao quadro de honra, ao ritual das distribuições de prêmios, ao diploma que se pendura na parede...

A multidão cada vez mais densa e silenciosa que cobre a rua perde sua teatralidade, dissolve-se em um agregado de pessoas com o pensamento absorvido por interesses privados.

Os progressos da individualização engendram novos sofrimentos íntimos. Impões a elaboração de imagens de si mesmo, fontes de insatisfação. Na medida em que o nascimento deixa, aos poucos, de constituir um critério social claro e decisivo, cada um deve definir e expressar sua posição. O esforço para construir a própria personalidade e a influência do olhar do outro estimulam o descontentamento e até a difamação de si e desaguam no sentimento de insuficiência.

O caráter competitivo da existência conduz ao esgotamento, aumenta a preocupação profissional. Para o indivíduo criado desde a infância em intimidade com os testes, cresce o temor do fracasso, a necessidade de uma perpétua adaptação, a angústia do abandono podem gerar certo medo de viver. Esses sentimentos determinam a paralisia da vontade.

História da Vida Privada- Mulheres

A Ameaça do Desejo

No final do século a riqueza, ate então desconhecida, da renda e dos bordados acompanha a hipertrofia da lingerie. Jamais ficaram tão evidente os efeitos perversos do pudor, enquanto se multiplicavam os estágios do despir-se, os impacientes dedos masculinos devem suplantar obstáculos de uma gama cada vez maior de laços, colchetes e botões. Tamanha acumulação erótica que contribui para renovar a mitologia libidinosa.


O Espelho e a Identidade Corporal

Nas aldeias do século XIX, apenas o barbeiro possuí um verdadeiro espelho, reservado para o uso masculino. Os mascates difundem os pequenos espelhos para que as mulheres e moças possas contemplar seus rostos; mas as aldeias ignoram os espelhos em que se vê o corpo inteiro. “Como viver em um corpo que não se viu?”

Nas classes abastadas, o código de boas maneiras proibirá por muito tempo que uma moça se admire nua, mesmo que seja através dos reflexos de sua banheira. Há pós especiais com a missão de turvar a água do banheiro, na função de prevenir tal vergonha.

O espelho de corpo inteiro aumentará o afloramento da estética do esbelto e guiará o nutricionismo por seus rumos.

O Leito e Os Quartos Individuais

O quarto de uma moça, transformado em templo de sua vida privada, enche-se de símbolos, confunde-se com sua personalidade, prova sua autonomia. O pequeno oratório, a gaiola do passarinho, o vaso de flores, o papel de parede, a escrivaninha que encerra o álbum e a coleção de cartas íntimas...

A Solidão

Para o rapaz, o celibato é um tempo pleno, valorizado, período de liberdade e aprendizagem, e o casamento significa apenas se assentar, e pode até ser o “fim”. Época alegre dos amores passageiros, das viagens, das camaradagens e de uma imensa sociabilidade, tempo da educação sentimental e carnal, onde tudo é permitido. Para as moças, é a vigília à espera de um casamento.

Escolhida, sofrida, ou simplesmente assumida, a solidão das mulheres sempre gera uma situação difícil, pois radicalmente impensada.”Se há uma coisa que a natureza nos ensina com clareza é que a mulher é feita para ser protegida, para viver quando jovem junto à mãe, e esposa sob a guarda e autoridade do marido.”- Jules Simon. Fora do lar e do casamento não há salvação.
Desavergonhada que vive de seus encantos ou solteirona sem eles, a mulher sozinha desperta desconfiança, reprovação e zombaria.

História da vida Privada- A casa

A vida privada é o refúgio onde os homens descansam do trabalho e do mundo exterior. Deve-se fazer de tudo para dar harmonia a esse refúgio. A casa é o ninho, o local em que o tempo se suspende.

A casa, o domicílio, é a única barreira contra o horror do caos, da noite e da origem obscura; opõe-se à evasão, à perda, à ausência, pois organiza sua ordem interna, sua civilidade, sua paixão. Sua liberdade desabrocha no estável, no contido, e não no aberto ou no infinito. Estar em casa é reconhecer a lentidão da vida e o prazer da meditação. (Kant)

A leitura, exploração sedentária, é uma maneira de apropriar o universo ao torná-lo legível, e, por meio da ilustração, visível. A biblioteca abre a casa para o mundo, encerra o mundo dentro de casa.

Janelas fechadas, portas trancadas, ciumentas possessões da felicidade! (André Gide)

A nova solidão do leito individual conforta o sentimento da pessoa, favorece sua autonomia, facilita o desabrochar do monólogo interior; as modalidades da prece, as formas do devaneio, as condições de adormecer e do despertar, o denvolvimento do sonho e do pesadelo, tudo é transtornado.

O quarto de uma moça, transformado em templo de sua vida privada, enche-se de símbolos, confunde-se com sua personalidade, prova sua autonomia. O pequeno oratório, a gaiola do passarinho, o vaso de flores, o papel de parede, a escrivaninha que encerra o álbum e a coleção de cartas íntimas...

História da Vida Privada- O Prazer da Lembrança

A felicidade pode se conservar viva na memória, e então o imperfeito serve para capitalizar belas lembranças que se irradiam até o presente. Não só é impossível viver o presente, como também, alimentado pela memória, ele pode ser explorado ao máximo, de modo a inscrever no fio do tempo seus momentos felizes e tranformá-los em algo fecundo e duradouro.

O cotidiano, por essência banal, assume um valor positivo se as ninharias que o compõem são convertidas em ritos dotados de uma significação sentimental.

As fotos preservam instantes. Os diários íntimos são também escritos como repositórios de lembranças. Ao escrevê-lo, cria-se uma história para si. Ao inscrever o presente entre o passado e o futuro, estrutura-se uma vida. O presente é o que menos aparece, tranformando-se imediatamente em passado e objeto de referência.

História da Vida Privada- Casamento.

O âmbito em que se faz mais evidente a invasão da autoridade pública é o da própria vida familiar. O casamento foi secularizado. O divórcio foi a consequência lógica das idéias liberais, se o casamento era um contrato civil fundado sobre o consentimento de ambas as partes, ele poderia ser rompido.

O motivo do divórcio que aparece com mais frequencia é abandono ou ausência. O que vem a seguir é a incompatibilidade. Mesmo as estatísticas mais áridas vez por outra revelam histórias tristes: em Lyon, um quarto dos que pedem divórico por abandono se queixam de não ver o cônjunge há dez anos ou mais.

As estratégias matrimonias se diversificam e se complexificam. O dinheiro assume formas variadas: móveis, imóveis, negócios e "esperanças". Outros elementos entram em linha de conta: o nome, a consideração, a situação, a classe e a beleza.

"Trabalhador que, voltando do trabalho duro, num dia frio de inverno, senta-se com sua mulher e filhos em volta de um bom fogo, enquanto o vento assobia na chamíné e a chuva tamborilha no telhado..."

(Im)possibilidade da Comunicação.

A cultura é o esforço humano para lançar pontes sobre o abismo. É preciso criar, através da falta. (Pellegrino)

Nosso olhar enlouquece diante do espetáculo de uma cultura que se dissolve em citações, cópias e plágios, de uma identidade que se perde em imagens e reflexos, de uma história que a atualidade submerge e de uma atualidade indefinível, porque só a percebemos aos pedaços, sem que nenhum princípio nos possibilite organizar a dispersão dos flashes, clichês e comentários que fazem as vezes de realidade.(Marc Augé)

Assim, num quadro social fragmentado, onde o tecido social se tonra colhca de múltiplos retalhos autônomos, só uma coisa volta a unir, se bem que no plano abstrato, as diferentes coletividades e interesses: o laço imaginário da comunicação. (Ciro Marcondes Filho)

Nã há no ciberespaço a possibilidade de realmente descobrir alguma coisa. A Internet apenas simula um espaço de liberdade e descoberta. Toda pergunta encontra-se atrelada à uma resposta preestabelecida. Encarnamos, ao mesmo tempo, a interrogação automática e a resposta automática da máquina. Eis o êxtase da comunicação: não há mais o outro, não há mais detino final. O sistema gira, desse modo, sem fim e sem finalidade. (Baudrillard)

Hostilidade...

É que nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor. Isso, porém, não liquida com a técnica de viver baseada no valor do amor como um meio de obter felicidade. Há muito mais a ser dito a respeito.

A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis.
A fim de suportá-la, não podemos dispensar as medidas paliativas. ‘Não podemos passar sem construções auxiliares’.

Existem talvez três medidas desse tipo:
derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça;
satisfações substitutivas, que a diminuem;
e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela. Algo desse tipo é indispensável.

Voltar-nos-emos, portanto, para uma questão menos ambiciosa, a que se refere àquilo que os próprios homens, por seu comportamento, mostram ser o propósito e a intenção de suas vidas.
O que pedem eles da vida e o que desejam nela realizar?
A resposta mal pode provocar dúvidas. Esforçam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer.
Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa.
Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer.
Em seu sentido mais restrito, a palavra ‘felicidade’ só se relaciona a esses últimos. Em conformidade a essa dicotomia de objetivos, a atividade do homem se desenvolve em duas direções, segundo busque realizar – de modo geral ou mesmo exclusivamente – um ou outro desses objetivos.

Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar.
O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência;
do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas;
e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens.
O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.


Existe ainda um fator adicional de desapontamento.
Durante as últimas gerações, a humanidade efetuou um progresso extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação técnica, estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira jamais imaginada.
As etapas isoladas desse progresso são do conhecimento comum, sendo desnecessário enumerá-las. Os homens se orgulham de suas realizações e têm todo direito de se orgulharem.
Contudo, parecem ter observado que o poder recentemente adquirido sobre o espaço e o tempo, a subjugação das forças da natureza, consecução de um anseio que remonta a milhares de anos, não aumentou a quantidade de satisfação prazerosa que poderiam esperar da vida e não os tornou mais felizes.
Reconhecendo esse fato, devemos contentar-nos em concluir que o poder sobre a natureza não constitui a única precondição da felicidade humana, assim como não é o único objetivo do esforço cultural.
Disso não devemos inferir que o progresso técnico não tenha valor para a economia de nossa felicidade. Gostaríamos de perguntar: não existe, então, nenhum ganho no prazer, nenhum aumento inequívoco no meu sentimento de felicidade, se posso, tantas vezes quantas me agrade, escutar a voz de um filho meu que está morando a milhares de quilômetros de distância, ou saber, no tempo mais breve possível depois de um amigo ter atingido seu destino, que ele concluiu incólume a longa e difícil viagem? Não significa nada que a medicina tenha conseguido não só reduzir enormemente a mortalidade infantil e o perigo de infecção para as mulheres no parto, como também, na verdade, prolongar consideravelmente a vida média do homem civilizado?
Há uma longa lista que poderia ser acrescentada a esse tipo de benefícios, que devemos à tão desprezada era dos progressos científicos e técnicos.

Aqui, porém, a voz da crítica pessimista se faz ouvir e nos adverte que a maioria dessas satisfações segue o modelo do ‘prazer barato’ louvado pela anedota: o prazer obtido ao se colocar a perna nua para fora das roupas de cama numa fria noite de inverno e recolhê-la novamente.

Enfim, de que nos vale uma vida longa se ela se revela difícil e estéril em alegrias?

‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo.’
Por que deveremos agir desse modo? Que bem isso nos trará? Acima de tudo, como conseguiremos agir desse modo? Como isso pode ser possível?
Meu amor, para mim, é algo de valioso, que eu não devo jogar fora sem reflexão.

Se essa pessoa for um estranho para mim e não conseguir atrair-me por um de seus próprios valores, ou por qualquer significação que já possa ter adquirido para a minha vida emocional, me será muito difícil amá-la. Na verdade, eu estaria errado agindo assim, pois meu amor é valorizado por todos os meus como um sinal de minha preferência por eles, e seria injusto para com eles, colocar um estranho no mesmo plano em que eles estão.

Através de um exame mais detalhado, descubro ainda outras dificuldades. Não meramente esse estranho é, em geral, indigno de meu amor; honestamente, tenho de confessar que ele possui mais direito a minha hostilidade e, até mesmo, meu ódio. Não parece apresentar o mais leve traço de amor por mim e não demonstra a mínima consideração para comigo. Se disso ele puder auferir uma vantagem qualquer, não hesitará em me prejudicar; tampouco pergunta a si mesmo se a vantagem assim obtida contém alguma proporção com a extensão do dano que causa em mim. Na verdade, não precisa nem mesmo auferir alguma vantagem; se puder satisfazer qualquer tipo de desejo com isso, não se importará em escarnecer de mim, em me insultar, me caluniar e me mostrar a superioridade de seu poder, e, quanto mais seguro se sentir e mais desamparado eu for, mais, com certeza, posso esperar que se comporte dessa maneira para comigo.

E há um segundo mandamento que me parece mais incompreensível ainda e que desperta em mim uma oposição mais forte ainda. Trata-se do mandamento ‘Ama os teus inimigos’. Refletindo sobre ele, no entanto, percebo que estou errado em considerá-lo como uma imposição maior. No fundo, é a mesma coisa.

Acho que agora posso ouvir uma voz solene me repreendendo: ‘É precisamente porque teu próximo não é digno de amor, mas, pelo contrário, é teu inimigo, que deves amá-lo como a ti mesmo’.

O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas estão tão dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. – Homo homini lupus.

Quem, em face de toda sua experiência da vida e da história, terá a coragem de discutir essa asserção?


Mal-Estar na Civilização- Sigmund Freud.

segunda-feira, julho 30, 2007

Sedução...

Na opinião corrente, seduzir o outro é dizer-lhe o que ele tem vontade de ouvir ou mostrar-lhe o que ele tem vontade de ver, etc.

Toda sedução instaura uma "ficção real" em que não é possível distinguir o que acontece do que é imaginado.

O apelo da sedução desestabiliza os apoios simbólicos anteriores, abala a parcela de engano que eles presupoem ou comportam.

A sedução é um jogo alternado de inclusões recíprocas, nenhuma das quais é sustentável, pois cada uma desmente a outra numa alternância que oscila em torno da identidade impossível... e do que toda identidade tem de impossível.

A transmissão de identidade através de seu retraimento...

A realização de uma fantasia decepciona porque a fantasia mantém a promessa de uma sedução, a sedução de uma promessa, que a realidade desmente e só pode desmentirm já que a abole como promessa e como sedução.

A ilusão, seja a da expectativa desapontada ou a evocada pela sedução, nem sempre é o contrário da verdade, não é a mentira, um rosto que se maquia para seduzir, para agradar, pode seduzir por desarticular a própria idéia de um rosto verdadeiro, e porque, para não se ater às aparências, acelera seu jogo...

Além do seu diálogo com o espelho não haveria mais nada? Há bons motivos para se sentir meio solitária, aborrecida, com esse traço intraduzível, que fizera sinal aos limites flexíveis e móvei sdo desejo, de repente se descobre sinal dela mesma, primeira e última palavra de uma língua que não vem.

Trata-se da sedução do si mesmo com o outro, como relação "marcante" ou impotente para produzir uma marca que deixe algo a dizer e a desejar.

Na decepção de seduzir, de se oferecer ao tato para se revelar intacto à procura de um vestígio, de um traço que possa inscrever e que "permita" à sedução se superar.

De qualquer modo, entramos na fantasia a fundo, acreditando servir a determinado desejo preciso, o nosso "próprio", embora, na verdade, a causa do desejo é que se mantenha através dele, se não vencedora, pelo menos jogável, e ás vezes indo além do jogo: criadora.
Procuramos produzir, não em resposta a "alguém" (nem sempre, embora seja a alguém-que-imaginamos), mas àquilo que nos surgiu como uma falta, a um apelo vindo das lacunas mais bizarras...

O desejo vibra por se soltar das capturas da linguagem, justamente daquelas que suscita, é o que sentimos o tempo todo.

Indiferente a seu encanto e à atração que inspira, negligente para com o fascínio que exerce sobre nós, o que nos seduz e atrai no outro é a idéia de fazê-lo vibrar, de ter alguma coisa a ver com ele, de insinuar ali nossa alteridade, é a vacilação dessa auto-suficiência que nos seduz, a insuficiência que a qualquer momento poderíamos revelar nele.

Efeito da sedução: colocar o outro em guerra consigo mesmo.
A sedução é o apelo para que o "monstro" ou o caos se expresse.
O sedutor quer a angústia do outro, porque essa angústia aumenta sua beleza.

É um jogo que faz mais questão de seu desregramento que de suas regras, de seu prosseguimento que de seu término.

Sedução- Daniel Sibony.

quarta-feira, julho 25, 2007

Medo...

Daí talvez o ar despojado, a delicadeza de coisa vivida e depois revivida, e não um certo arrojo dos que não sabem. Não é propriamente tranqüilidade o que está ali. Há uma dura luta de coisa que apesar de corrida se mantém de pé, e nas cores mais densas há uma lividez daquilo que mesmo torto está de pé.

Clarice Lispector.

terça-feira, julho 24, 2007

áspera...

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A comer sanduíches porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer,
a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
A gente se acostuma para poupar a vida.Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti

sexta-feira, julho 20, 2007

Sob disfarces tontos:

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.

Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda.
Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visáo extasiada.

Há que amar diferente.
De uma grave paciência ladrilhar minhas mãos.
E talvez a ironia tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.

E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
amor, quem contaria?
E já não sei se é jogo, ou se poesia.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.

Hoje somos mais vivos do que nunca.
Mentira, estamos sós.
Nada, que eu sinta, passa realemente.
É tudo ilusão de ter passado.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
todos eles... e nenhum resolve.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.

Ao delicioso toque do clitóris
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

E não queria o amor, sob disfarces tontos
da mesma ninfa desolada no seu ermo
e a constante procura de sede e não de linfa,
e não queria também a simples rosa do sexo,
como ainda não quero a amizade geométrica
de almas que se elegeram numa seara orgulhosa,
imbricamento, talvez? de carências melancólicas.

Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, julho 18, 2007

Roídos de Infernal Curiosidade

O problema não é inventar. É ser inventado hora após hora e nunca ficar pronta nossa edição convinvente.

O desconhecido que me habita e a cada amanhecer me dá um soco.

Por ele sou também observado.
Com ironia, desprezo, incompreensão.
E assim vivemos, se ao confronto se chama viver.
Unidos, impossibilitados de desligamento, acomodados, adversos,
roídos de infernal curiosidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca
Dar-lhes moldura de granito
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos.
E todos nos cansamos por um ou outro itinerário
De aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis
Restintuindo cada e ser e cada coisa à condição precária
Rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho eterno fica esse gosto acre.
Na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Carlos Drummond de Andrade.

"Só são verdadeiros os pensamentos que não compreendem a si próprios". Adorno.

segunda-feira, julho 16, 2007

Comunicação- Resumo.

O outro é real.
O resto é abstração.
Você faz o que quiser com a imaginação.
Mas o outro você não pode imaginar.
Ele está sempre a mais ou a menos.
Atrapalha.
Só que o outro não pode deixar de ser verdade.
Não há alternativa.

Nós nos acostumamos a atropelar o próximo como se ele nada fosse,
em nome desse ou daquele ponto de vista,
que na verdade não é outra coisa se não um ponto de vista.

As formas simbólicas através das quais nós nos expressamos e entendemos os outros
não constituem um outro mundo etéreo que se coloca em oposição ao que é real:
ao contrário,
elas são parcialmente constitutivas do que em nossa sociedade é "real".

Falar não é necessariamente comunicar,
expressar-se linguisticamente remete a outras coisas que não estão no enunciado,
ou seja, o campo da linguagem verbal é apenas um setor, uma dimensão (enganosa) da comunicação.

Nossa habilidade, acima de tudo, está no – colocar questões.
Há uma certa potência, uma certa força,
na incompletude, na fraqueza, na imperfeição de nossa mente,
naquilo que escapa à razão, e que a torna, por isso mesmo, indomesticável.

A empatia, a transmissão de sensações, mesmo sem ou além da linguagem é um fenômeno mais complexo do que parece,
o que torna a comunicação um conceito muito usado, mas pouco conhecido.

Ele se realiza em flashes, em momentos, cenas breves e passageiras, em situações chaves nas quais as condições de co-possibilidade tenham encontrado um síntese favorável.
A comunicação tem na sua forma estruturante a presença expressiva do estranho e do inexplicável.

Linguagem e mundo são em verdade interdependentes,
e não dá pra trabalhar com os dois em separado.
O mais importante da língua está, em verdade, fora dela.

Urgente...

O amor é também o "movimento que conduz um sujeito em direção a outro",
(...), dinâmica conduzida por um objeto,
mas não provocado por esse, já que o outro é a representação que o próprio sujeito ocasiona.

O amor encontra-se, antes de tudo, intrincado no seu objeto e não apenas ligado a ele: o objeto de amor não precede ao amor na sua existência, mas somente tem existência com e pelo amor (Simmel, 1988).

Felicidade e sofrimento não existem como correlação lógica, do mesmo modo que o ódio não corresponde ao contrário do amor: é a indiferença que se constitui no contrário do amor (Simmel, 1988b; Doron & Parot, 1991).

O estado de inquietude que a solidão engendra, de sentir-se incompleto, impulsiona o sujeito na busca do outro que, no entanto,
é paradoxalmente desejado e temido.
Temido porque estranho, misto de necessidade e medo do desconhecido.

Mas é precisamente a falta que possibilita a emergência do desejo.

Desejo que somente se vincula ao que se furta, se nega, se retrai, se recusa.

E no momento em que se realiza um desejo se consome um valor (Moscovici, 1988a).

Do amor e da dor: representações sociais sobre o amor e o sofrimento psíquico
Sheva Maia da Nóbrega1; Érica Palmieri Guimarães Fontes2; Fabíola Maria Souza Macêdo de Paula2

sexta-feira, julho 13, 2007

Infinito Particular

Eis o melhor e o pior de mim
Eu não sou difícil de ler
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder

Quero poder jurar que essa paixão jamais será...
... Palavras apenas

O tempo vai passar
E tudo vai entrar no jeito certo de nós dois

Eu só quero que você caiba No meu colo
Por que eu te adoro cada vez mais

Na pele braile pra ler
Da superfície de mim
Milímetros de prazer Kilometros de paixão...

Marisa Monte

quinta-feira, julho 12, 2007

Por que medo?

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre.

A essa altura, afundados demais, o fato deixou de ser um fato para se tornar apenas sua difusa repercussão.

Recuso-me.
Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado.

Era uma mulher fraca em relação às coisas. Tudo lhe parcia as vezes preciso demais, impossível de ser tocado.
Ela é vaga e audaciosa. Ela não ama, ela não é amada.

Vivia-o tanto que nunca sentira os outros senão como mundos fechados, estranhos, superficiais.

Quem sabe eu tive de algum modo pressa de viver logo tudo o que eu tivesse a viver para que me sobrasse tempo de... de viver sem fatos? de viver.

E que, quando andávamos, eu não sabia que o amor estava acontecendo muito mais exatamente quando não havia o que chamávamos de amor. O neutro do amor, era isso o que nós vivíamos e desprezávamos.

Ah meu amor, não tenha medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente.

Nesses intervalos nós pensávamos que estávamos descansando de um ser o outro. Na verdade, era o grande prazer de um não ser o outro: pois assim cada um de nós tinha dois.

Clarice Lispector

terça-feira, julho 10, 2007

A Função do Orgasmo

A intensidade de uma idéia psíquica depende da excitação somática momentânea à qual é associada.

Sem uma inibição psíquica, a excitação sexual seria sempre adequadamente descarregada.

A perturbação da capacidade de experimentar satisfação genital, de experimentar aquilo que é um fato natural por excelencia.

Potência eretiva e ejaculação são apenas pré-condições da potência orgástica. Potência orgástica é a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual por meio de involuntárias e agradáveis contrações do corpo.

A intensidade de prazer no orgasmo depende da tensão sexual concentrada nos genitais. Quanto maior e mais abrupta é a "queda" da excitação, maior é o prazer.

Quanto mais lentas e delicadas são as fricções, e mais estreitamente sincronizadas, mais intensas são as sensações de prazer.

A interrupção da fricção é em si mesma agradável por causa das sensações especiais de prazer que acompanham essa pausa, e não exigem esforço psiquico.

Antes do clímax, a direção da excitação é para o genital, após o clímax, a excitação reflui do genital. Essa completa volta da excitação do genital para o corpo é que constitui a satisfação.

~~~~~~~

Todo paciente é profundamente cético em relação ao tratamento. Cada um apenas disfarça de uma maneira diferente. O homem moderno tem a tendência de repelir os impulsos sexuais autênticos e agressivos com atitudes espúrias, falsas e enganosas.

É o "caráter" do paciente que constitui a dificuldade da cura, a "couraça do caráter".

O mundo total da experiência passada incorpora-se ao presente sob a forma de atitudes de caráter. O caráter de uma pessoa é a soma total funcional de todas as experiências passadas.

A sua função em todos os casos era proteger o indivíduo contra experiências desagradáveis. Entratanto acarretava também uma diminuição da capacidade para o prazer.

Em suma, o amor contrariado causa angústia. A angústia causa resitência.

A inibição aumenta a estase de excitação, a estase aumentada enfraquece a capacidade do organismo de reduzir a estase. Em consequencia, o organismo adquire um medo da excitação, em outras palavras, angústia sexual.

A intensidade da inibição e, cosequentemente, a angústia do orgasmo, depende da tenacidade com que as idéias e fantasias não genitais sobre o sexo absorvem a energia genital.

A perda da consciência durante a experiência sexual, em vez de ser agradável, é temida. É necessário estar "alerta".

A maior parte delas conserva o corpo imóvel, sempre meio consciente da atividade sexual. Outras movem o corpo de maneira muito exagerada, porque o momento delicado produz uma excitação muito grande. Como forma de inibir a sensação, prendem a respiração.

Muitos médicos e psiquiatras tinham ouvido Freud dizer que a estase sexual é responsável pela neurose e, portanto, encorajavam o paciente a "satisfazer-se", no sentido imediato.

A sexualidade genital ainda é vista como algo baixo e sujo. As pessoas perderam o seu sentimento da vida sexual natural.

Assim aprendi que nem tudo o que é inconsciente é anti-social e que nem tudo o que é consciente é social. A antítese aguda entre natureza e cultura, corpo e espírito, amor e trabalho, se tornou uma das características mais notáveis do nosso tempo.

A sociedade molda o caráter humano, que por sua vez, reproduz, em massa, a ideologia social. Por isso que as berrates incoerência da ideologia moralista da sociedade coincidem em todos os pormenores com as contradições da estrutura humana.

Isso se pesonifica num "sentimento" tanto mais artificial quanto mais grossa a couraça, desenvolvida contra a própria naturalidade daqueles sentimentos.

A Função do Orgasmo- Wilhelm Reich

Dissonância

Atravessou o chão seco com os pés descalços, a camisola larga desmanchada nas pregas cuidadosamente inventadas para agradar.

Tentava reconstruir a pequena vida cujos fios ele rompera com a voz.

Ela sentiu cansaço de todo o seu jogo. Por que não ser simples, boa, compreensiva, atensiosa e natural? perguntava-se cheia de censura.
Terminou por evitar o próprio futuro, num suspiro.

De que vivera então? reunia uns pobres fatos, (...) organizava-os, mas faltava-lhes um fluido que lhes fundisse as extremidades num mesmo princípio de vida.

Sobretudo, ela sempre possuíra uma memória extraordinária para inventar.

Concentrava-se insolúvel- no resumo escapa às palavras ditas o essencial que era afinal a sensação de ter vivido o que contava. às vezes conseguia alguma coisa parecida consigo mesma.

Como eu conheço a vida, pensou com uma satisfação ávida. Sorriu.

Ela não podia se deter, tão extremamente divertido era se sentir amada.

As pessoas se preveniam para ter companhia durante todos os instantes da vida, e ela, misteriosamente despreendida, conseguira ficar só.

Aquela sensação de erro que jamais se elucidaria.

Como se encolhesse o seu existir deixando a vigília vazia.

O Lustre- Clarice Lispector

sexta-feira, julho 06, 2007

Sex, Sadness and the City

(...) wonder whether she is being true to herself, if she is faking more than just her hair color and bra size: "And then I had a frightening thought. Maybe I was the one who was faking it . . . all these years faking to myself that I was happy being single."

So during half of the Sex and the City episodes, the women complain about insensitive men; for the other half, they coach themselves to imitate such men. The result is that by the time the sensitive men appear on the scene, the women have become insensitive, too, and incapable of appreciating them.

What went wrong, plainly, is that women confused sexual sameness with equality and imagined that competing with men in debauchery was part of their social emancipation.

The writers know that their four protagonists, for all their cool urbanity, experience feelings of loss and sadness and loneliness that are real and typical for women in the age of liberation.

Sure, the new way of doing things is a mess, goes this line of reasoning, but the old way didn't solve all our problems either. Well, no kidding. But that's like saying that because asprin doesn't always cure a headache, you are better off banging your head against the wall.

In the second episode of Sex and the City's second season, one woman says sweetly, "I'm a single, 38-year-old woman, still hoping to get married. I don't want to know the truth."

- you don't have to discover the love through the people, you need to discover people through the love -

Sex, Sadness, and the City
Wendy Shalit
http://www.city-journal.org/html/9_4_a4.html

Dissonância

Não tem sol, nem solução
não tem tempero no meu dia
Não faz mal se a tradição nos traduz outra alegria
Não ter pressa dá a impressão de que a tarde virou tédio
não tem bala, belo, bola ou balão
não tem bula meu remédio.

e não tem cura...
acho que me perdi numa excursão
que fiz na tua certeza e na contradição


e não tem cura...
acho que me perdi numa excursão
que fiz na tua palavra, no teu palavrão

Não tem sol, nem solução
não tem tempero no meu dia
Não faz mal se a situação não traduz nossa alegria
Não ter festa dá a impressão de que o mundo ficou sério

não tem bala, belo, bola ou balão
não tem bula meu remédio.

(...)

tem uma parte que não tinha...
parte que não tinha... parte que não tinha...

quarta-feira, julho 04, 2007

Ousadia...

Ler não é só caminhar pelas palavras, e também não é voar sobre as palavras. Ler é reescrever o que estamos lendo. É descobrir a conexão entre o texto e o contexto do texto, e também como vincular o texto/contexto com o meu contexto, o contexto do leitor.

Gosto da ironia da consciência, podemos aprender a ser livres estudando a nossa falta de liberdade.

A dicotomia entre ler as palavras e ler o mundo. O "outro" mundo, o mundo dos fatos, o mundo da vida, o mundo das lutas, o mundo da crise econômica, não tem contato nenhum com as palavras que se exige que os alunos leiam. O mundo da experiência é silenciado. Em última análise, distingue-se o contexto teórico do contexto concreto.

A realidade não é um positum, estabelecido e perfeito, esperando que o professor o leve aos alunos como se fosse um pacote, ou um pedaço de carne.

Em aula, os professores têm o direito de continuar falando, mesmo que todos estejam entediados. Mas o professor não fala para aborrecer ou para exercer controle, mas para comunicar.

Nunca usei a ironia, mas humor, sim. Para mim, ironia revela falta de segurança-sarcasmo. O humor, por outro lado, indica forte segurança. O humor também desvenda a realidade com forte agudeza! Devemos usá-lo por causa disso.

Acho que a imaginação e a intuição não podem ser dicotomizadas do pensamento crítico. Quanto mais formos capazes de apefeiçoar, em nós mesmos, nossa sensibilidade, mais capazes seremos de conhecer com rigor.
O concreto da realidade é mais palpável através do humor e do sentimento do que pela estrutura mecânica do programa. O humor ajuda a tornar real o momento do conhecimento, uma qualidade que pode reverter o roteiro artificial da escola.

Um educador que começou fazendo com os estudantes, e não fazendo para os estudantes. É isso que eu sou- um educador apaixonado- porque não entendo como viver sem paixão.

Não estou pensando que, quando me despeço dos alunos, terei vinte e cinco novos revolucionários! Mas, o que poderemos ter, ao fim do seminário, é o aumento da curiosidade das pessoas.

Por exemplo, se estou desse lado da rua e quero ir para o outro lado, tenho que atravessar a rua. Isso significa que é absolutamente impossível chegar ao outro lado, começando de lá para cá. O que muitos professores e ativistas políticos não percebem é que o aqui do professor ou do militante é o lá dos alunos. Eles têm que começar do aqui dos alunos.


Medo e Ousadia- O Cotidiano do Professor
Paulo Freire e Ira Shor.

Trechos da Entrevista com Serra

"A finalidade da secretaria é a de estabelecer e organizar as
relações entre o governo e todo esse ensino superior, em benefício do
desenvolvimento econômico e social do Estado e do maior acesso da população à universidade. É de ajudar na expansão com qualidade das oportunidades de ensino superior."

Sobre o Decreto Declaratório no. 1 de 2007, a sobredita Secretaria e seu conseqüente esvaziamento de funções:

"Não, não esvaziou nenhuma função da secretaria. Mas acabou sendo necessário editá-lo por, causa do obscurecimento que se produziu em relação às intenções do governo, desde o começo."

Sobre a ocupação:

"Até em respeito à população que trabalha e paga os impostos, quem entra na USP, na Uni¬camp, na Unesp, tem de se esforçar, tem de aproveitar a oportunidade que recebeu. A grande maioria dos estudantes, que sabe quanto é difícil ingressar na USP e que sabe a oportunidade que está tendo de estudar de graça na melhor Universidade do País, deveria cobrar dos invasores a desocupação da reitoria e a retomada do funcionamento normal da universidade. É um direito deles. Sim, a USP é um espaço público. E os invasores pretendem privatizá-lo."

Sobre quando participou do Movimento Estudantil:

"A inquietação, a energia e o idealismo são parecidos. A despolitização, no entanto, hoje é maior. Isso amplia as possibilidades de manipulação política.
As condições em que fui dirigente estudantil não se reproduzem hoje.
Felizmente, os estudantes hoje podem se manifestar sem correr qualquer risco.
O Brasil experimenta a vigência plena do Estado de Direito. E todos devemos respeitá-la.
Claro que eu levo em conta minha experiência como líder estudantil."

terça-feira, julho 03, 2007

Something common in something precious

Many men and women now spend the decades of their twenties and thirties sampling each other’s sexual wares and engaging in fits of serial out-of-wedlock domesticity, never finding a marriageable partner.

But how, then, do people find out about each other? Few self-possessed people with an Internet connection could resist answering that question with one word: Google. “To google”—now an acceptable if ill-begotten verb—is the practice of typing a person’s name into an Internet search engine to find out what the world knows and says about him or her. As one writer confessed in the New York Observer, after meeting an attractive man at a midtown bar: “Like many of my twentysomething peers in New York’s dating jungle, I have begun to use Google.com, as well as other online search engines, to perform secret background checks on potential mates. It’s not perfect, but it’s a discreet way of obtaining important, useless and sometimes bizarre information about people in Manhattan—and it’s proven to be as reliable as the scurrilous gossip you get from friends.”

In sum, transparency does not guarantee trust. It can, in fact, prove effective at eroding it—especially when the expectation of transparency and the available technological tools nudge the suspicious to engage in more invasive forms of investigation or surveillance.

The other destructive tendency our technologies encourage is over-sharing—that is, revealing too much, too quickly, in the hope of connecting to another person. The opportunities for instant communication are so ubiquitous—e-mail, instant messaging, chatrooms, cell phones, Palm Pilots, BlackBerrys, and the like—that the notion of making ourselves unavailable to anyone is unheard of, and constant access a near-requirement.
The inevitable result is a repeal of the reticence necessary for fostering successful relationships in the long term. Information about another person is best revealed a bit at a time, in a give-and-take exchange, not in a rush of overexposed feeling.

Today we catalog the influence of hormones, pheromones, dopamine, and serotonin in human attraction, and map our own brains to discover which synapses trigger laughter, lying, or orgasm. Evolutionary psychology explains our desire for symmetrical faces and fertile-looking forms, even as it has little to tell us about the extremes to which we are taking its directives with plastic surgery. Scientific study of our communication patterns and techniques explains why it is we talk the way we do. Even the activities of the bedroom are thoroughly analyzed and professionalized, as women today take instruction from a class of professionals whose arts used to be less esteemed. Prostitutes now run sex seminars, for example, and a recent episode of Oprah featured exotic pole dancers who teach suburban housewives how to titillate their husbands by turning the basement rec room into a simulacrum of a Vegas showgirl venue.

Science continues to turn sex (and, by association, love and romance) into something quantifiable and open to manipulation and solution. Science and technology offer us pharmaceuticals to enhance libido and erectile function, and popular culture responds by rigorously ranking and discussing all matters sexual

“Communications technologies indeed multiply options,” says Huyke. “An increase in options, however, does not imply or even serve an advance in communications.”

But we have been “test driving” something: a new, technological method of courtship. And although it is too soon to deliver a final verdict, it is clear that it is a method prone to serious problems. The efficiency of our new techniques and their tendency to focus on people as products leaves us at risk of understanding ourselves this way, too—like products with certain malfunctioning parts and particular assets. But products must be constantly improved upon and marketed.

Ironically, the Internet, which offers many opportunities to meet and communicate with new people, robs us of the ability to deploy one of our greatest charms—nonverbal communication. The emoticon is a weak substitute for a coy gesture or a lusty wink. More fundamentally, our technologies encourage a misunderstanding of what courtship should be. Real courtship is about persuasion, not marketing, and the techniques of the laboratory cannot help us translate the motivations of the heart.

Romance in the Information Age
By Christine Rosen

segunda-feira, julho 02, 2007

Back to Work

Não se encontra, para cada palavra de uma língua, um equivalente exato em todas as outras línguas.

Diante da língua apreendida, toma-se consciência de uma quantidade infinita de sutilezas, semelhanças, diferenças, relações entre as coisas.

Nosso pensamento ganha, com o aprendizado de cada língua,
uma nova modificação e tonalidade,
portanto o poliglotismo aperfeiçoa e corrige nossas apreciações com a introdução da pluralidade dos conceitos,
aumentando também a flexibilidade do pensamento à medida que o pensamento se torna cada vez mais livre da palavra com o aprendizado de novos idiomas.


Schopenhauer- a arte de escrever.

Contexto

A crise de financiamento das instituições universitárias tem que ser entendida no interior de uma crise maior, que é a crise fiscal do Estado brasileiro do final do século XX, fruto do esgotamento do modelo de desenvolvimento por substituição de importações, das mudanças no mercado financeiro internacional que reduziram o fluxo de financiamento aos países em desenvolvimento (agora chamados de mercados emergentes) e da política econômica de estabilização adotada desde o Plano Real (1994).

Portanto, a prioridade dada às despesas com amortização e serviço da dívida pública - em detrimento não só da educação, mas de todas as políticas sociais e de infra-estrutura - não tem sido fruto de uma escolha, mas de imposições vindas de uma trajetória histórica relativamente longa, cuja reversão exige, de fato, a solução para o problema da elevada relação dívida pública/PIB, que atualmente caracteriza a economia brasileira.

Nessa empreitada, não se pode afirmar que as medidas adotadas até agora foram corretas, mas tiveram a direção imposta pelas circunstâncias restritivas que precisam ser enfrentadas.

O Estado de Bem Estar procurava estabelecer relações profundas entre o desenvolvimento social e desenvolvimento econômico, através de estratégias de ação no campo político. Essas estratégias propunham basicamente o pleno emprego para aumento da renda, do consumo e da produção.

Essa distribuição de renda poderia dar-se de forma direta e indireta: diretamente, através da política salarial e do projeto de pleno emprego; e indiretamente, através dos serviços sociais, políticas públicas como de aposentadorias, pensões, seguro desemprego, provisão de bens e regulamentação das condições de trabalho.

Esses grandes investimentos destinados à expansão dos serviços e ao desenvolvimento de políticas de industrialização, através do estímulo à demanda, teriam acarretado o déficit público, pois gastava-se mais do que se arrecadava.

Os resultados de toda a política do Estado de Bem Estar acabaram sendo contrários aos seus objetivos. A inflação alimentada pelo Estado reduzia ainda mais o nível de produção, gerando um grande índice de desemprego.

Portanto o Estado mínimo deveria suceder o Estado de Bem Estar.

O neoliberalismo definiu algumas estratégias para solucionar a crise. Uma delas é lançar mão da privatização dos setores públicos. Isto teoricamente diminui os gastos do Estado e incentiva a livre competição do mercado.

As idéias de privatização são largamente difundidas pelos meios de comunicação, enfatizando a ineficiência e a insuficiência dos setores públicos se comparados ao sucesso da iniciativa privada, e que o déficit público é resultado do favorecimento da própria iniciativa privada.

Nesse contexto, é proposto a privatização do ensino médio e superior e a transformação do Estado em subsidiário de ensino para aquelas famílias que não possuem condições de patrocinar a educação de seus filhos.

Estamos ainda passando por um momento em que oscilamos entre perplexidade, indignação e a reflexão sobre a crise educacional; mesmo sem saber determinar uma saída, uma formula precisa, devemos manter resistência, fazendo pressão junto às instâncias governamentais, e mantendo a credibilidade que a educação ainda é um direito adquirido por todos.

Valdemir Pires

...e a negligência supera o desejo

Eu sempre odeio quem me deixa, mesmo que ainda o ame. Ou nunca tenha amado. Assistir à morte de um amor é como assinar embaixo em um atestado de incompetência: "Eu sou um fracassado sentimental".

Sou perita em fins. Acho que já tive mais fins de relacionamento que começos.

Tentando desesperadamente acreditar que dois monólogos podem fazer um diálogo - feliz e agradável, além de tudo.

Esse temor da rejeição, da exposição, da falta de controle perante o que não conhecemos é o que de mais castrador podemos fazer a nós mesmos.

Notar que já não existia 'entre nós', só entre mim e alguém que se esqueceu de apagar a luz ao sair para deixar evidente o abandono do recinto.

Nessas "tentações" que se interpõem em nosso caminho para nos mostrar o que é realmente importante.

E, pela primeira vez, sentimos um desapontamento, meio inexplicável, mas bem nítido. Durante os cinco segundos que nos separam do cumprimento, uma tonelada de sensações chegam juntas e misturadas. Até que, de repente, olhamos para alguém muito diferente de quem nos encantou. Um completo estranho.

Nada pode ser mais humilhante que descobrir nossa própria fraude (a não ser perceber que tudo poderia ter sido diferente se fôssemos menos egocêntricos).

Para parar de ter medo do bicho-papão que mora embaixo da cama, é preciso olhar para debaixo dela: medos só perdem a força quando são firmemente encarados.

Ailin Aleixo