terça-feira, julho 31, 2007

História da Vida Privada- Bastidores

Dormir sozinho, ler tranquilamente seu livro ou seu jornal, vestir-se como bem entender, ir e vir à vontade, consumir à vontade, frequentar e amar quem se deseja... exprimem a busca de um direito à felicidade que pressupõe a escolha do próprio destino... A democracia a legitima, o mercado a atiça, as migrações a favorecem...

Vê-se tudo aquilo que se desenvolve no espaço privado, onde se materializam as imagens do poder, as relações entre as pessoas e a procura de si mesmo.

Um fio condutor vincula com efeito todos os procedimentos que pretendem reforçar o sentimento do eu: a tentação de forjar heróis, a hipertrofia da vaidade tranquilizadora. O ascenso da meritocracia: a importância atribuída ao quadro de honra, ao ritual das distribuições de prêmios, ao diploma que se pendura na parede...

A multidão cada vez mais densa e silenciosa que cobre a rua perde sua teatralidade, dissolve-se em um agregado de pessoas com o pensamento absorvido por interesses privados.

Os progressos da individualização engendram novos sofrimentos íntimos. Impões a elaboração de imagens de si mesmo, fontes de insatisfação. Na medida em que o nascimento deixa, aos poucos, de constituir um critério social claro e decisivo, cada um deve definir e expressar sua posição. O esforço para construir a própria personalidade e a influência do olhar do outro estimulam o descontentamento e até a difamação de si e desaguam no sentimento de insuficiência.

O caráter competitivo da existência conduz ao esgotamento, aumenta a preocupação profissional. Para o indivíduo criado desde a infância em intimidade com os testes, cresce o temor do fracasso, a necessidade de uma perpétua adaptação, a angústia do abandono podem gerar certo medo de viver. Esses sentimentos determinam a paralisia da vontade.