domingo, novembro 23, 2008

Fim de Semestre

Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde o "educador" pouco importa, pois o que interessa é um "crédito" cultural que o aluno adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma diferença faz aquele que a ministra.
Por isso mesmo professores são entidades "descartáveis", da mesma forma como há canetas descartáveis, coadores de café descartáveis, copinhos plásticos para café descartáveis.
De educadores para professores realizamos o salto de pessoas para funções.

E isso se tornou tão arraigado que quando alguém nos pergunta o que somos, respondemos inevitavelmente dizendo o que fazemos.
Com essa revolução instarou-se a possibilidade de gerenciar a administrar a personalidade, pois que aquilo que se faz e se produz, a função, é passível de medição, controle, racionalização.
A pessoa praticamente desaparece, reduzindo-se a um ponto imaginário em que várias funções são amarradas.

É a ciência pouco ortodoxa da psicanálise que nos informa que o discurso sobre as ausências- discursos dos sonhos, das eperanças- tem o seu lugar na interioridade de nós mesmos, explodindo, emergindo, irrompendo sem permissão, para invadir e embaraçar o mundo tranquilo, racional e estabelecido de nossas rotinas institucionais.

Porque a conversação, este tênue fio que sustenta o mundo, é como a água em que nadamos. "os limites do seu poço denotam os limites do seu mundo."

Muito do esforço do homem para conhecer o mundo ao seu redor resulta de um desejo de conhecer coisas que lhe são pessoalmente importantes.

E que recuperemos a coragem de falar na primeira pessoa, dizendo com honestidade o que vimos, ouvimos e pensamos. Escrever biograficamente, sem vergonha.
Vai-se a modéstia dos impessoais, modéstia que esconde a arrogância da pretensão de universalidade.


Quando a realidade está em jogo, quem toca em uma das minhas palavras é como se tocasse nas meninas dos meus olhos.

O que está em jogo, não é uma técnica, um currículo, uma graduação ou pós-graduação. Nenhuma instituição gera aqueles que tocarão as trombetas para que seus muros caiam.

Economia? Mas o que é a economia senão a luta do homem com o mundo, homem que é corpo e quer tranformar o mundo inteiro numa extensão do corpo?

E o corpo aprende a fazer as necessidades fisiológicas nos lugares e tempos permitidos, a conquistar o relógio biológico e acordar segundo o tempo convencional das atividades socialmente organizadas, a se disciplinar como guerreiro, como artista ou como puro cérebro.

Os verdadeiros sábios não têm outra missão que aquela de nos fazer rir por meio de seus pensamentos e pensar por meio de seus chistes. (Octavio Paz)

O corpo só preserva as idéias que lhe sejam intrumendos ou brinquedos, que lhe sejam úteis, que o estendam, para a incorporação da natureza como parte de si mesmo; que lhe dêem prazer, porque não se vive só de pão, mas também de jogo erótico e artístico.

É justamente nesse ponto que se insere a questão da dificuldade da aprendizagem. O que é imediatamente experimentado não precisa ser ensinado nem repetido para ser memorizado. Quanto mais separado da experiência um determinado conteúdo, maiores e mais complicadas as mediações verbais. Acontece que, com freqüência, se processa uma separação definitiva entre o falado e o ouvido e a ciência se torna um jogo de conceitos. Marabalismo verbal, virtuosismo conceitual: não é por acaso que, nas teses de mestrado e doutoramento, poucas (na maioria dos casos nenhuma) sejam as perguntas sobre a relevância do assunto, enquanto todos se parecem vitalmente preocupados em saber se as regras da gramática científica, a metodologia, foram seguidas adequadamente.

Temo que estejamos formando milhares de bonecos que movem as bocas e falam com a voz de ventríloquos. Especialistas em dizer o que os outros disseram, incapazes de dizer sua própria palavra.

Reprimidos pelo fantasma do rigor os pesquisadores se põem em campo não em busca de problemas interessantes e relevantes, mas de problemas que podem ser tratados com os magros recursos metodológicos de que dispõem.

As agências financiadoras funcionam, assim, em graus diferentes, como agências que encomendam pacotes de conhecimento, e o cinetista é o especialista que produz o conhecimento, sob medida. Mas ninguém encomenda conhecimento por amor ao conhecimento. Se uma empresa particular está pronta a investir numa pesquisa, é porque ela sabe que tal investiento pagará dividendos altos.

O pesquisador e sua pesquisa podem ser sempre manipulados. Mas a manipulação se tornará tanto mais difícil quanto mais consciente ele estiver de sua condição de cientista passível de ser manipulado.

Se é a ordem social que é problemática, um comportamento ajustado tem como resultado o agravamento dessa mesma problemática. Uma educação extremamente eficaz, nesse caso, só tornaria piores as coisas. A educação, em vez de ser dirigida, deveria criar a consciência inquieta e crítica, que exatamente por ser desajustada teria as condições para pensar essas mesmas transformações.

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Educação é o processo pelo qual aprendemos uma forma de humanidade. Ele é mediado pela linguagem. Aprender o mundo humano é aprender uma lingugaem porque "os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo."

As coisas vêm a uma criança vestidas pela linguagem, não em sua nudez física, e esta roupagem de comunicação faz com que ela se tranforme em alguém que participa da mesmas crenças que aqueles ao seu redor.

Assim são as coisas: a linguagem tem a possibilidade de fazer curto-circuitos em sistemas orgânicos intactos, produzindo úlceras, impotências ou frigidez. Porque são palavras que carregam consigo as proibições, as exigências e as expectativas. E é por isso que o homem não é um organismo mas este complexo linguístico a que se dá o nome de personalidade.

A palavra é testemunho de uma ausência. Como tal, ela possui uma intenção mágica, a de trazer à existência o que não está lá... A intenção de manter viva a promessa do retorno. Mais do que simples símbolos operacionais, as palavras me ligam aos objetos do meu amor, ausentes.

Na verdade não dizemos o que dizemos. O significado do discurso não é a mensagem conscientemente enunciada. Todo discurso, entretanto, é dito de uma determinada forma. Ele é regido por um como- que não é dito, que está nas entrelinhas, no pathos... É justamente aqui, no nível do não-articulado, que se encontra o sentido do discurso.

Conversas com quem gosta de ensinar- Rubem Alves.