quinta-feira, janeiro 29, 2009

A Representação do Eu na Vida Cotidiana

As máscaras são expressões controladas e ecos admiráveis do sentimento, ao mesmo tempo fiéis, discretas e supremas.
As coisas vivas em contato com o ar devem adquirir uma cutícula,
e não pode argumentar que as cutículas não são corações;
contudo alguns filósofos parecem aborrecidos com as imagens por não serem objetos
e com as palvras por não serem sentimentos.
Palavras e imagens são como as conchas,
não menos parte da natureza do que as substâncias que conrem,
porém melhor dirigidas ao olhar e mais abertas à observação.


Geoge Santayana

Aqueles que têm tempo e talento para desempenhar bem uma tarefa não podem, por este motivo, ter tempo para mostrar que estão representando bem.
É possível dizer que algumas organizações resolvem este dilema delegando oficialmente a função dramática a um especialista,
que gastará o tempo expressando o significado da tarefa e não perderá tempo em desempenhá-la efetivamente.

Como disse Sartre: "O aluno atento que deseja ser atento, olhos fixos no professor, ouvidos bem abertos, consome-se tanto em representar o papel de atento que termina por não ouvir mais nada".

Se um indivíduo tem de dar expressão a padrões ideais na representação, então terá de abandonar ou esconder ações que não sejam compatíveis com eles.
Quando tal conduta imprópria é em certo sentido satisfatória como muitas vezes acontece, verifica-se então comumente que o indivíduo entrega-se a ela secretamente.

É mantida uma impressão de infabilibilidade, tão importante em muitas representações.
É famoso o comentário de que os médicos enterram seus erros.

Muitas escolas e instituições anunciam qualificações e exames de admissões inflexíveis, mas de fato rejeitam muito poucos candidatos.
Por exemplo, um hospital de doentes mentais pode exigir que os candidatos e servidores se submetam a um exame de Rorschach e a uma longa entrevista, mas contrata todos os que aparecem.

Na nossa sociedade, alguns gestos involuntários ocorrem numa variedade tão ampla de representações, dando impressões geralmente tão incompatíveis com as que se pretende transmitir, que estes acontecimentos inoportunos adquiriram uma condição simbólica coletiva. Primeiro, o ator pode tropeçar, claudicar, cair; pode arrotar, bocejar, coçar-se ou ter flatulência; pode, acidentalmente, esbarrar em outro participante. Segundo, o ator pode agir de tal maneira que dê a impressão de estar preocupado demais ou de menos com a interação. Pode gaguejar, esquecer o que tem a dizer, mostrar-se nervoso, culpado ou consciente de si mesmo; pode ter inadequadas explosões de riso, raiva ou outros estados emocionais que momentaneamente o incapacitam; pode revelar um envolvimento e interesse demasiado sérios ou pequenos demais.

Um meio de tratar essas interrupções perturbadoras consiste, para as pessoas envolvidas, em rir delas, como sinal de que suas implicações foram compreendidas mas não levadas a sério.

A conservação desta concordância superficial, desta aparência de consenso, é facilitada pelo fato de cada participante ocultar seus próprios desejos por trás de afirmações que apóiam valores aos quais todos os presentes se sentem obrigados a prestar falsa homenagem.

Na vida cotidiana, é em geral possível para o ator criar propositadamente quase todos os tipos de falsa impresão sem se colocar na posição indefensável de ter dito uma flagrante mentira. As técnicas de comunicação, tais como a insinuação, a ambigüidade estratégica e omissões essenciais permitem ao informante enganador aproveitar-se da mentira sem tecnicamente dizer nenhuma.

A despeito de nossa boa vontade em apreciar as exigências expressivas dos vários tipos de situação, tendemos a vê-las como casos especiais, inclinamo-nos a nos manter cegos para o fato de que representações diárias seculares devem passar muitas vezes por uma rigorosa prova de idoneidade, conveniência, propriedade e decoro. Talvez essa cegueira se deva, em parte, ao fato de que, como atores, somos freqüentemente mais conscientes dos padrões que deveríamos ter aplicado à nossa atividade, mas não o fizemos, do que dos padrões que irrefletidamente usamos.

Em outras palavras, devemos estar capacitados para compreender que a impressão de realidade criada por uma representação é uma coisa delicada, frágil, que pode ser quebrada por minúsculos contratempos.

A coerência expressiva exigida nas representações põe em destaque uma decisiva discrepância entre o nosso eu demasiado humano e nosso eu socializado.
Como seres humanos somos, presumivelmente, criaturas com impulsos variáveis, com estados de espírito e energias que mudam de um momento para o outro.
Quando porém nos revestimos de caráter de personagens em face de um público, não devemos estar sujeitos a altos e baixos.

Como diz Santayana: Mas, quer a fisionomia que adotamos seja alegre ou triste, ao tomá-la e acentuá-la definimos nosso temperamento supremo predominante.
Daí em diante, enquanto continuarmos sob o feitiço deste autoconhecimento, não viveremos apenas, mas atuaremos;
compomos e representamos nosso personagem escolhido, defendemos e idealizamos nossas paixões, encorajamo-nos eloqüentemente a ser o que somos-
dedicados ou desdenhosos, descuidados ou austeros;
monologamos (diante de um público imaginário) e envolvemo-nos graciosamente no manto de nosso papel inalienável.
Assim trajados, solicitamos aplausos e esperamos morrer em meio ao silêncio universal.
Declaramos mostrar-nos à altura dos belos sentimentos que enunciamos, quando tentamos acreditar na religião que professamos.
Quanto maiores nossas dificuldades, maior nosso zelo.
Por baixo de nossos princípios propalados e de nossa linguagem comprometida, devemos esconder assiduamente todos os defeitos de nosso temperamento e conduta, e isto sem hipocrisia,
visto que nosso personagem deliberado é mais verdadeiramente nós mesmos que o fluxo de nossos devaneios involuntários.


Ao dizer que os atores agem de maneira relativamente informal, familiar e descontraída quando estão nos bastidores em atitude vigilante durante a representação, não se deve pensar que as coisas agradáveis e interpessoais da vida- a cortesia, o calor humano, a generosidade e o prazer com a companhia dos outros- estão sempre reservadas aos bastidores, enquanto a suspeita, a pretensão e a demonstração de autoridade são próprias das atividades da região de fachada.
Freqüentemente parece que, seja qual for o entusiasmo e vivo interesse que nos anima,
nós os reservamos para aqueles diante dos quais estamos representando,
e que o sinal mais claro de solidariedade de bastidores é sentir a segurança de cair num estado de espírito insociável de mal-humorada e silenciosa irritabilidade.


Como indicou Riezler, temos portanto uma moeda social básica, com respeito de um lado e vergonha do outro.
Como demonstra um sem-número de contos populares e de ritos de iniciação, freqüentemente o verdadeiro segredo por trás do mistério é que realmente não há mistério.

E porque esses padrões são muito numerosos e muito difundidos, os indivíduos que são os atores vivem, mais do que poderíamos pensar, num mundo moral.
Mas, enquanto atores, os indivíduos interessam-se não pela questão moral de realizar essas ações,
mas pela questão amoral de maquinar uma impressão convincente de que esses padrões estão sendo realizados.


Erving Goffman- A Representação do Eu na Vida Cotidiana.

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Paciência

Lazer e ócio- As pessoas já se envergonham do descanso; a reflexão demorada quase produz remorso.
Pensam com o relógio na mão, enquanto almoçam, tendo os olhos voltados para os boletins da bolsa-
vivem como alguém que a todo instante poderia “perder algo”.
“Melhor fazer qualquer coisa do que nada”.
– este é o princípio e também uma corda, boa para liquidar toda cultura e gosto superior. (...)
Que lástima essa desconfiança crescente de toda alegria!
Cada vez mais o trabalho tem a seu lado a boa consciência:
a inclinação à alegria já chama a si mesma “necessidade de descanso” e começa a ter vergonha de si:
“Fazemos isso por nossa saúde”- é o que dizem as pessoas quando são flagradas numa excursão ao campo. (...)

Assim como todas as formas sucumbem visivelmente à pressa dos que trabalham, o próprio sentimento da forma, o ouvido e o olho para a melodia dos movimentos também sucumbem. (...)
Pois viver continuamente à caça de ganhos obriga a despender o espírito até à exaustão, sempre fingindo, fraudando, antecipando-se aos outros: a autêntica virtude, agora, é fazer algo em menos tempo que os demais.
Assim, são raras as horas em que a retidão é permitida; nessas, porém, a pessoa está cansada e gostaria não apenas de se “deixar ficar”, mas de se estender desajeitadamente ao comprido.

--------------------------------------

A arte de andar com as pessoas reside essencialmente na habilidade (que pressupõe um longo treino) de admitir, ingerir uma refeição em cujo preparo não temos confiança.
Desde que cheguemos à mesa com uma fome de lobo, tudo corre facilmente, mas esta fome de lobo, não a temos quando precisamos!
Ah, como os semelhantes são difíceis de digerir!
(...) Terceiro princípio: auto-hipnotização.
Fixar os olhos no objeto de relacionamento como se ele fosse um botão de vidro, até que paramos de sentir prazer e desprazer e adormecemos imperceptivelmente, ficamos hirtos, adquirimos postura: um remédio caseiro que vem do matrimônio e da amizade, amplamente testado, tido como indispensável, mas ainda não formulado cientificamente. Seu nome popular é- paciência-.

Também nós andamos com “pessoas”, também nos vestimos modestamente a roupa com a qual (como a qual) nos conhecem, nos estimam, nos procuram, e assim comparecemos em sociedade, isto é, entre pessoas disfarçadas que não querem ser tidas como tais;
também nós fazemos como todas as máscaras prudentes, desembaraçando-nos polidamente de toda curiosidade que não diga respeito a nossa “roupa”.

--------------------------------------

O que os outros sabem de nós- Aquilo que sabemos de nós mesmos e que temos na memória não é tão decisivo para a felicidade de nossa vida como se pensa.
Um dia cai sobre nós aquilo que outros sabem (ou acreditam saber) de nós e então reconhecemos que isso é mais forte.
É mais fácil lidar com sua má consciência que com sua má reputação.

--------------------------------------

O que fazemos- O que fazemos não é jamais compreendido, mas somente elogiado e criticado.

--------------------------------------

Na dor há tanta sabedoria como no prazer: como este, ela está entre as forças de primeira ordem na conservação da espécie.
Se não, há muito já teria desaparecido; o fato de doer não é argumento contra ela, é sua essência.
Eu escuto, na dor, o grito de comando do capitão do navio: “Recolham as velas!”.
O ousado navegador “homem” teve de aprender mil maneiras de dispor as velas, senão logo teria passado, o mar o teria engolido.
Precisamos também saber viver com a energia diminuída: tão logo a dor dá seu sinal de alarme, é tempo de diminuí-la- algum grande período, um temporal está se armando, e é bom nos “inflarmos” o menos possível. (...)

--------------------------------------

Agora lhe parece um erro o que outrora você amou como sendo uma verdade ou probabilidade você o afasta de si e imagina que sua razão teve aí uma vitória.
Mas talvez esse erro, quando você era outro- você é sempre outro, aliás -,
lhe fosse tão necessário quanto as suas “verdades” de agora,
semelhante a uma pele que lhe escondia e cobria muitas coisas que você ainda não podia ver.
Foi sua nova vida que matou para você aquela opinião, não sua razão: você não precisa mais dela, e agora ela se despedaça e a irracionalidade surge dentro dela como um verme que vem à luz.
Quando exercemos a crítica, isso não é algo deliberado e impessoal- é, no mínimo com muita freqüência, uma prova de que em nós há energias vitais que estão crescendo e quebrando uma casca.
Nós negamos e temos de negar, pois algo em nós está querendo viver e se afirmar, algo que talvez ainda não conheçamos, ainda não vejamos!- Estou dizendo isso em favor da crítica.

--------------------------------------

Autodomínio- Esses mestres da moral que acima e antes de tudo recomendam ao ser humano que tenha poder sobre si mesmo, acarretam-lhe assim uma doença peculiar:
uma constante irritabilidade para com todas as emoções e inclinações naturais e uma espécie de comichão.
Não importa o que venha a empurrar, puxar, atrair, impelir esse homem irritável, partindo de dentro ou de fora-, sempre lhe parece então que o seu autodomínio corre perigo: ele não pode mais confiar-se a nenhum instinto, a nenhum bater de asas, e fica permanentemente em atitude de defesa, armado contra si mesmo, de olhar agudo e desconfiado, perene guardião do castelo em que se transformou.
Sim, ele pode tornar-se grande desse modo!
Mas como ficou insuportável para os outros, difícil para si mesmo, empobrecido e afastado das mais belas causalidades da alma! E também de toda nova instrução!
Pois é preciso saber ocasionalmente perder-se, quando queremos aprender algo das coisas que nós próprios não somos.

--------------------------------------

A vida não é argumento.- Ajustamos para nós um mundo em que podemos viver- supondo corpos, linhas e superfícies, causas e efeitos, movimento e repouso, forma e conteúdo: sem esses artigos de fé, ninguém suportaria hoje viver! Mas isto não significa que eles estejam provados.
A vida não é argumento; entre as condições para a vida poderia estar o erro.

“Explicação”, dizemos; mas é “descrição” o que nos distingue de estágios anteriores do conhecimento e da ciência. Nós descrevemos melhor- e explicamos tão pouco quanto aqueles que nos precederam.

--------------------------------------

O maior dos pesos- (...) “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma seqüência e ordem. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente- e você com ela, partícula de poeira!”

--------------------------------------

A: Eu me irrito ou me envergonho do ato de escrever; escrever é para mim uma necessidade imperiosa- falar disso, mesmo por imagens, é algo que me desgosta.
B: Mas por que você escreve então?
A: Cá entre nós, meu caro, eu não descobri ainda outra maneira de me livrar de meus pensamentos. (...)

--------------------------------------
Gaia Ciência- Nieztsche.

terça-feira, janeiro 27, 2009

Mais, ainda...

Seguramente ele chega mais perto, pois, nos outros discursos, a besteira é aquilo de que a gente foge.
Os discursos visam sempre à menor besteira, à besteira sublime,
pois sublime quer dizer o ponto mais elevado do que está em baixo.
Onde está, no discurso analítico, o sublime da besteira?

Confio em vocês para lhes lembrar o que ensina o discurso analítico sobre a velha ligação com a nutriz, mãe ainda por cima, como se, por acaso, tendo, por trás, a história infernal de seu desejo e tudo aquilo que vem em seguida.

- Que se diga fica esquecido por trás do que se diz no que se ouve -.
No entanto, é pelas conseqüências do dito que se julga o dizer.

Mas o que se faz do dito resta aberto.
Pois pode-se fazer dele uma porção de coisas,
Tal como se faz, com algum móvel, quando se carrega uma cadeira ou um canhão.

O sujeito não é aquele que pensa.
O sujeito é, propriamente, aquele que engajamos, não, não, como dizemos a ele para encantá-lo, a dizer tudo- não se pode dizer tudo- mas a dizer besteiras, isso é tudo.

É com essas besteiras que vamos fazer a análise, e que entramos no novo sujeito que é o do inconsciente.

É justamente na medida em que ele não quer mesmo mais pensar, o homenzinho, que se saberá talvez um pouco mais dele, que se tirará algumas conseqüências dos ditos-
ditos que não podemos nos desdizer, é a regra do jogo.

Isto supõe que desenvolvamos esta dimensão, o que não se pode fazer sem dizê-la.
O quê que é a dimensão da besteira? A besteira, pelo menos esta que se pode proferir, não vai muito longe.
No discurso corrente, seu circuito é curto.

O que, com efeito, constitui o fundo da vida, é que, para tudo que diz respeito à relação entre os homens e as mulheres, o que chamamos de coletividade, a coisa não vai.
A coisa não vai, e todo mundo fala disto, e uma grande parte de nossa atividade se passa a dizer isto.
O que não impede que não haja nada de sério se não for o que se ordena de outra maneira como discurso.
Até isto inclusive, que essa relação, essa relação sexual, na medida em que a coisa não vai, ela vai assim mesmo-
graças a um certo número de convenções, de interdições, de inibições, que são efeitos da linguagem e só devem tomar como deste estofo e deste registro.

Não há a mínima realidade pré-discursiva, pela simples razão de que o que faz coletividade, e que chamei de os homens, as mulheres e s crianças,
isto não quer dizer nada como realidade pré-discursiva.
Os homens, as mulheres, as crianças, não são mais que significantes.

O significado não é aquilo que se ouve.
O que se ouve é significante.
O significado é efeito do significante.

O escrito, não é algo para ser compreendido.
É mesmo por isso que vocês não são forçados a compreender os meus.
Se vocês não os compreendem, tanto melhor, isto lhes dará justamente oportunidade para explicá-los.

O que há de bom, não é?, no que lhes conto, é que é sempre a mesma coisa.
Não que eu me repita, não é esta a questão.
É que, o que eu digo anteriormente ganha sentido depois.

O Outro deve, por um lado, ser novamente martelado, espedaçado, para que tome seu pleno sentido, sua ressonância completa.
Por outro lado, convém colocá-lo como termo que se baseia no fato de que sou eu que falo, que só posso falar de onde estou, identificado a um puro significante.

O que resta no centro é essa boa rotina que faz com que o significado guarde, no fim das contas, sempre o mesmo sentido.
Este sentido é dado pelo sentimento, que cada um tem, de fazer parte de seu mundo, quer dizer, de sua familiazinha e de tudo que gira ao redor.

Mas, será que não se poderia dar que a linguagem tivesse outros efeitos além de levar as pessoas pela coleira a se reproduzirem em corpo ainda, em corpo a corpo mais e mais ainda, e em corpo encarnado, ainda?

Vocês vêem que, ao conservar ainda esse como, me apego à ordem do que coloco quando digo que o inconsciente é estruturado como uma linguagem.
Eu digo como para não dizer, sempre retorno a isto, que o inconsciente é estruturado por uma linguagem.

O sujeito não é outra coisa- quer ele tenha ou não consciência de que significante ele é efeito- senão o que desliza numa cadeia de significantes.
Este efeito, o sujeito, é o efeito intermediário entre o que caracteriza um significante e outro significante, isto é, ser cada um, ser cada qual, um elemento.

No amor, o que se visa, é o sujeito, o sujeito como tal, enquanto suposto a uma frase articulada, a algo que se ordena ou pode se ordenar por uma vida inteira.

A cultura enquanto distinta da sociedade, isto não existe. A cultura é, justamente, que aquilo nos pega.
Só a temos agora em nossas costas, como pulgas, porque não sabemos o que fazer com elas, se não catá-las.
Quanto a mim, aconselho que vocês as guardem, porque aquilo futuca, e desperta.
E despertará os sentimentos de vocês, que tendem mais a se tornarem um pouco embrutecido sob a influência das circunstâncias ambientes, quer dizer, daquilo que os outros, que virão depois, chamarão de cultura de vocês.

A realidade é abordada com os aparelhos do gozo.
Aí está mais uma fórmula que lhes proponho, se é que podemos convir que, aparelho, não há outro senão a linguagem.
É assim que, no ser falante, o gozo é aparelhado.

Quanto a mim, jamais olhei um bebê tendo o sentimento de que não houvesse, para ele, mundo exterior.
É absolutamente manifesto que ele só olha para aquilo, e que aquilo o excita, e isto, meu Deus, na exata proporção em que ele ainda não fala.
A partir do momento em que ele fala, a partir desse momento, muito exatamente, não antes, compreendo que há recalque.

E é dali somente que surge a psicanálise, isto é, a objetivação do fato de que o ser falante passa ainda o tempo a falar em pura perda.

É a eterna ambigüidade do termo inconsciente.
Certamente, o inconsciente é suposto pelo fato de que no ser falante há em algum lugar algo que sabe mais do que ele,
mas isto não é um modelo aceitável do mundo.

Será que o Outro sabe?

A análise veio nos anunciar que há saber que não se sabe,
um saber que se baseia no significante como tal.
Um sonho, isso não introduz a nenhuma experiência insondável, a nenhuma mística, isso se lê do que dele se diz,
e que poderá ir mais longe ao tomar seus equívocos no sentido mais anagramático do termo.

Será preciso dar toda essa volta para colocar a questão do saber na forma: quem é que sabe?
Será que a gente se dá conta de que é o Outro?-
tal como de começo o coloquei, como o lugar onde o significante se coloca, e sem o qual nada nos indica que haja em parte alguma dimensão de verdade,
uma diz-mansão, a residência do dito, desse dito cujo saber põe o Outro como lugar.

O estatuto do saber implica, como tal, que já há saber e no Outro, e que ele é a prender, a ser tomado.
É por isso que ele é feito de aprender.

O sujeito resulta de que ele deve ser aprendido, esse saber, e mesmo ser apreciado, posto a preço, quer dizer, que é o seu custo que o avalia, não como de troca, mas como de uso.
O saber vale justo quanto ele custa, ele é custoso, ou gustoso, pelo que é preciso, para tê-lo, empenhar a própria pele, pois que ele é difícil, difícil de quê?- menos de adquiri-lo do que de gozar dele.

Estamos no tempo de supermarkets então temos que saber o que somos capazes de produzir, mesmo em matéria de ser.

No quê?
É uma das coisas essenciais que eu disse da última vez- a análise se distingue, entre tudo que foi produzido até agora de discurso, por enunciar isto, que constitui o osso do meu ensino:
que eu falo sem saber.
Falo com o meu corpo, e isto, sem saber.
Digo, portanto, sempre mais do que sei.

Lacan- O Seminário- Mais, ainda.

Estreitamentozinho

E, depois, percebi que o que constituía meu caminhar era da ordem do não quero saber de nada disso.

O útil, serve para quê?

É o que não foi jamais bem definido, por razão do respeito prodigioso que, pelo fato da linguagem, o ser falante tem pelo que é um meio.

O que é gozo?
Aqui ele se reduz a ser apenas uma instância negativa.
O gozo é aquilo que não serve para nada.

Aí eu aponto a reserva que implica o campo do direito-ao-gozo.
O direito não é o dever. Nada força ninguém a gozar, senão o superego.
O superego é o imperativo do gozo- Goza!

O gozo- gozo do corpo do Outro- resta, ele, uma questão, porque a resposta que ele pode constituir não é necessária.
Isto vai mesmo mais longe. Não é nem mesmo uma resposta suficiente, porque o amor demanda o amor. Ele não deixa de demandá-lo.
Ele o demanda... mais... mais... ainda.
Mais, ainda, é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda do amor.

Como o sublinha admiravelmente essa forma de kantiano que era Sade, só se pode gozar de uma parte do corpo do Outro.
É por isso que somos reduzidos a um estreitamentozinho assim, a tomarmos um antebraço, ou não importa o quê- puxa!

Gozar tem esta propriedade fundamental de ser em suma o corpo de um que goza de uma parte do corpo do Outro.
Mas esta parte também goza- aquilo agrada ao Outro mais, ou menos, mas é fato que ele não pode ficar indiferente.

O que dá alguma chance ao que avanço, isto é, que, desse gozo, a mulher nada sabe, é que há tempos que lhes suplicamos, que lhes suplicamos de joelho que tentem nos dizer, pois bem, nem uma palavra!
Nunca se pôde tirar nada.
Então a gente o chama como pode, esse gozo, vaginal, fala-se do pólo posterior do bico do útero e outras babaquices, é o caso de dizer.
Se simplesmente ela o experimentava, ela não sabia nada dele, o que permitia lançar muitas dúvidas para o lado da famosa frigidez.

- Eu lhe peço que você recuse o que lhe ofereço porque não é isso. –

Não é isso- aí está o grito por onde se distingue o gozo obtido do gozo esperado.
É onde se especifica o que se pode dizer na linguagem.
A negação tem toda a aparência de vir daí. Nada mais, porém.

....................................................................


Que haja algo que funda o ser, certamente que é o corpo.

Muito bem, são traços apenas.
O ser do corpo certamente que é sexuado, mas é secundário, como se diz.
E como a experiência demonstra, não é desses traços que depende o gozo do corpo, no que ele simboliza o Outro.

Gozar de um corpo, quando ele está sem as roupas,
deixa intata a questão do que faz o Um,
quer dizer, a da identificação.
O mesmo acontece com tudo o que diz respeito ao amor.
O hábito ama o monge, porque é por isso que eles são apenas um.
Dito de outro modo, o que há sob o hábito, e que chamamos de corpo, talvez seja apenas esse resto que chamo de objeto a.
O que faz agüentar-se a imagem, é um resto.

Com efeito, a lógica, a coerência inscrita no fato de existir a linguagem e de que ela está fora dos corpos que por ela são agitados, em suma,
o Outro que se encarna, se assim se pode dizer, como ser sexuado, exige esse uma a uma.

Vocês não vêem que o essencial no mito feminino de Don Juan é que ele as tem uma a uma?

Das mulheres, a partir do momento em que há os nomes, pode-se fazer uma lista, e contá-las.
Se há mille e ter é mesmo porque podemos tomá-las uma a uma, o que é essencial.
E é uma coisa completamente diferente do Um da fusão universal.

Um, posto antes do termo e com uso de artigo indeterminado.
Ele já supõe que o significante pode ser coletivizado, que se pode fazer uma coleção, falar dele como de algo que se totaliza.

Esse Há Um não é simples, é o caso de dizer.
Na psicanálise, mais exatamente no discurso de Freud, isto se anuncia pelo Eros que, de grão em grão, é suposto tender a fazer só um dessa multidão imensa.
Mas, como é claro que mesmo todos vocês, tanto que vocês estão aqui, multidão seguramente, não só não fazem um, mas não têm a menor chance de chegar a isto- como se demonstra demais, e todos os dias, ainda que fosse só em comungar na minha fala-
é mesmo preciso que Freud faça surgir um outro fator para fazer obstáculo a esse Eros universal, na forma do Tanatos, a redução à poeira.

Pois é claro que o Outro não se adiciona ao Um.
O Outro apenas se diferencia.

Se há algo pelo que ele participa do Um, não é por adicioná-lo a si.
Pois o Outro- como já disse, mas não há garantia de que vocês tenham ouvido-
é o Um-a-menos.

....................................................................

A análise demonstra que o amor, em sua essência, é narcísico, e denuncia que a substância do pretenso objetal- papo furado- é de fato o que, no desejo, é resto, isto é, sua causa, e esteio de sua insatisfação, se não de sua impossibilidade.

O que eu digo do amor é certamente que não se pode falar dele.
Fala-me de amor- cançãozinha!
Eu falei da letra, da carta de amor, da declaração de amor, o que não é a mesma coisa que a fala de amor.

Não é outra coisa que eu digo quando digo que o amor é o signo de que trocamos de discurso.

O começo da sabedoria deveria ser começar a perceber que é nisso que o velho pai Freud rompeu os caminhos.
Foi daí que parti, pois isto, a mim mesmo, me tocou um pouquinho. Aliás, poderia tocar qualquer um, não é?,
ao perceber que o amor, se é verdade que ele tem relação com o Um, não faz ninguém sair de si mesmo.
Se é isto, só isto, nada mais do que isto, que Freud disse ao introduzir a função do amor narcísico, todo mundo sente, sentiu,
que o problema é de como é que pode haver um amor por um outro.

Falar de amor, com efeito, não se faz outra coisa no discurso analítico.
O que em discurso analítico nos traz- e é esta talvez, no fim de tudo, a razão de sua emergência num certo ponto do discurso científico- é que falar de amor é, em si mesmo, um gozo.

Penso em vocês. Isto não quer dizer que penso vocês.
Alguém aqui talvez se lembre do que falei sobre uma língua na qual se diria- amo em vocês, no que ela se modelaria, melhor do que outras, sobre o caráter indireto desse ataque que se chama o amor.

Lacan- O Seminário- Mais, Ainda.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Sem sujeito...

A esse processo metonímico chama-se desejo.
Por estar ao nível do significante, o desejo é sempre da ordem do recalcado, ou seja, é um processo inconsciente.
Ele jamais se presentifica, por definição, em objetos concretos: é intransitivo.
O desejo de algo, transitivo, chama-se demanda.

Desejo que não é desejo transitivo, de algo concreto,
mas desejo de continuar desejando, de seguir lamelando,
encontrando e desencontrando, encontrando o desencontro e desencontrando a unitária definição.

A linguagem é pura exterioridade, o campo da outridade, do Outro.
O que isso quer dizer?
Que o desejo é o desejo do Outro: o campo do desejo remete sempre ao campo da linguagem, à alteridade, ao significante mais além.
Nesse sentido, o inconsciente não é um lugar no cérebro, não se localiza embaixo da pele, mas no nível das palavras.

Nós os qualificamos de objeto perdido.
Mas esse objeto, em suma, nunca foi perdido, apesar de tratar-se essencialmente de reencontrá-lo.
Entretanto não é o objeto perdido que buscamos, mas suas 'coordenadas de prazer'.

"É nesse estado de ansiar por ele e de esperá-lo que será buscada, em nome do príncipio do prazer, a tensão ótima abaixo da qual não há mais nem percepção nem esforço" (Lacan, 1986).

O neurótico espera sempre que um Outro venha resolver a sua questão.
O Outro é buscado pelo neurótico como encarnado, como tendo cara, corpo e vontade.

Ninguém ocupa o lugar do Outro, já que o Outro é a linguagem.
Acontece que o neurótico constitui um Outro encarnado,
para quem ele entrega seus atos e atribui a culpa pelo que lhe acontece de mal ou pelo que não lhe acontece de bom.

Essa posição que o analista ocupa frente ao neurótico não é o do médico que cura, mas do calado que escuta.
Para que ele escuta?
Para entender o que lhe pede o neurótico, ou seja, construir quem é esse Outro encarnado procurado pelo falante.

Fazer constituir o Outro-do-neurótico, ou seja, dar-lhe consistência, dar contornos, trazê-lo a tona, é a tarefa da análise.
A pergunta é: O que o Outro deseja de mim?

Em outras palavras, a análise apresenta um trabalho inicial no nível do significante, mas, uma vez reduzida a ansiosa procura dos significantes que o neurótico escolhe para representá-lo, é preciso passar à fase de extração (ou redução) do gozo investido no fantasma.

O neurótico sofre como se sua dor lhe fosse imposta pelo destino, por um Outro.
Seu sofrimento é sem sujeito.

O fantasma é a resposta ao desejo do Outro, é o modo inconsciente pelo qual respondeu a tudo o que o angustiava como vindo do Outro.

Na histeria, o falante identifica-se com a falha ou a falta do Outro.
Manter a falta no Outro-encarnado, colocando-se como o próprio signo indicador dessa falta, livra o histérico de enfrentar a própria falta e, portanto, encarar a dimensão do desejo.

Na obsessão, mantem-se a figura encarnada de um Outro completo, exigente, jamais satisfeito, exigindo que as coisas sejam sempre reelaboradas com mais dedicação, permite que o obsessivo eseja sempre ocupado em atender o chamado desse Outro desagradável, não se ocupando de sua própria falta.
O obsessivo põe-se assim, a todo instante, a matar o desejo do outro.

..

O eu se forma a partir da imagem do outro, processo que ocorre antes que a criança se veja como uma unidade.
Essa unificação do eu vem justamente a partir da imagem do outro.
Esse processo é chamado por Lacan de estádio do espelho.
A imagem unificada dá-se antecipada à própria capacidade motora da criança.
Esta adquire uma imagem ideal, à qual nunca estará unida.
O eu liga-se, em Lacan, a esse processo narcísico do imaginário humano, em que se dá um desconhecimento: o eu não reconhece o que está em si, senão olhando para fora, para o outro.
Essa imagem narcísica constitui em Lacan uma das condições do aparecimento do desejo.

A palavra em Lacan recebe o caráter primordial do significante.
E significante não tem dicionário.
O significado é efeito do significante.
O real é o que falta simbolizar.
O mundo simbólico não é um mundo, é uma rede de significanres que tromba com o real, que não dá garantias.

Freud apresenta um organismo feito não para satisfazer a necessidade, mas para aluciná-la- é o nível do prazer.

A linguagem não deve ser considerada como uma superestrutura que viria a se depositar sobre o ser, sobre o real, mas é ela que o modela e o determina.

O real, o não simbolizado, que tem efeitos no simbolizado, é o novo na repetição significante, é o que salta, de surpresa, é a diferença na repetição dentro da cadeia significante, o novo na realidade que anuncia a prova do sujeito.

Por que repete aquele que repete?
Lacan fala em singar do sujeito "o qual puxa sempre o seu trem por um caminho de onde não pode sair".

O sujeito não é inteiriço, nucleado, centrado, ele é dividido pelo significante.
O sujeito é um advento.
O sujeito não é aquele que pensa.
O sujeito surge quando o falante aceita entrar no jogo da associação livre, a dizer inclusive o que considere 'besteira'.

Nos viramos com o furo como podemos.
A realidade psíquica, revestida pelos fantasmas, é nosso modo corporal de contornar e tratar, sem sucesso, o real.

Não se trata de formar pessoas que se conheçam mas de formar pessoas que saibam que jamais se conhecerão.

Brecha na Comunicação: Habermas, o Outro, Lacan.
José Luiz Aidar Prado.

sábado, janeiro 24, 2009

Vejo-me ver-me...

A dimensão do inconsciente deve ser evocada num registro que não é nada de irreal, nem de desreal, mas de não-realizado.
Tropeço, desfalecimento, rachadura.
Numa frase pronunciada, escrita, alguma coisa se estatela.
Ali, alguma coisa se realiza- algo que aparece como intencional, certamente, mas de uma estranha temporalidade.
Ora, esse achado, uma vez que ele se reapresenta, é um reachado, e mais ainda, sempre está prestes a escapar de novo, instaurando a dimensão de perda.

........................................................................................

O que o sujeito mais teme é nos enganar, nos colocar numa pista falsa ou, mais simplesmente, que nós nos enganemos, pois, antes de mais nada, é bem claro, vendo nossa cara, que nós somos pessoas que podemos nos enganar como todo mundo.

Com efeito, como não haveria a verdade da mentira? - essa verdade que se torna perfeitamente possível,
contrariamente ao pretenso paradoxo, que eu afirme- Minto.

........................................................................................

O sitema de realidade, por mais que se desenvolva, deixa prisioneira das redes do princípio do prazer uma parte essencial do que é, no entanto, e muito bem, da ordem do real.

........................................................................................

A repetição demanda o novo.
Ela se volta para o lúdico que faz, desse novo, sua dimensão.
Tudo que, na repetição, varia, modula, é apenas alienação de seu sentido.
O adulto, se não a criança mais desenvolvida, exige em suas atividades, no jogo, a novidade.
Mas este deslizamento vela aquilo que é o verdadeiro segredo do lúdico, isto é, a diversidade mais radical que constitui a repetição em si mesma.

........................................................................................

Os fenomenólogos puderam articular com precisão, e da maneira mais confundidora, que é inteiramente claro que vejo fora,
que a percepção não está em mim, que ela está sobre os objetos que apreende.

E, no entanto, percebo o mundo numa percepção que parece depender da imanência do vejo-me ver-me.

O privilégio do sujeito parece estabelecer-se aqui por essa relação reflexiva bipolar que faz com que, uma vez que percebo, minhas representações me pertencem.
Como negar que nada do mundo me aparece senão em minhas representações?


........................................................................................

No que estou sob o olhar, escreve Sartre, não vejo mais o olho que me olha, e se vejo esse olho, é então esse olhar que desaparece.

O olhar se vê- precisamente esse olhar de que fala Sartre, esse olhar que me surpreende, e me reduz a alguma vergonha, pois é esse sentimento que ele esboça como o mais acentuado.
Esse olhar que encontro de modo algum é o olhar visto, mas um olhar imaginado por mim no campo do Outro.

........................................................................................

Apelar para uma parte sã do sujeito, que estaria lá no real, apta a julgar com o analista o que se passa na transferência, que é ela que fecha a porta, ou a janela, como quiserem- e que a bela com quem queremos falar está lá detrás, que só pede para reabri-los.
Não farei mais do que indicar aqui a reversão que comporta esse esquema em relação ao modelo que se tem dentro da cabeça.
Digo em algum lugar que, o inconsciente é o discurso do Outro.
Ora, o discurso do Outro, que se trata de realizar, o do inconsciente, ele não está do lado de lá do fechamento, ele está do lado de fora.

........................................................................................

Mas confessem que se há domínio em que, no discurso, a tapeação tem em algum lugar a chance de ter sucesso, é certamente no amor que encontramos seu modelo.
Que maneira melhor de se garantir, sobre o ponto em que nos enganamos, do que persuadir o outro da verdade do que lhe adiantamos!
Ao persuadir o outro de que ele tem o que nos pode completar, nós nos garantimos de poder continuar a desconhecer precisamente aquilo que nos falta.

........................................................................................

O que é que pode, no final das contas, levar o paciente a recorrer ao analista para lhe pedir algo que ele chama de saúde, quando seu sintoma- a teoria nos diz isto- é feito para lhe trazer certas satisfações?

........................................................................................

O desejo se situa na dependência da demanda- a qual, por se articular em significantes, deixa um resto metonímio que corre debaixo dela, elemento que não é indeterminado, que é uma condição ao mesmo tempo absoluta e impegável, elemento necessariamente em impasse, insatisfeito, impossível desconhecido, elemento que se chama desejo.

........................................................................................

O desejo do homem é o desejo do Outro.

........................................................................................

É claro que aqueles com quem temos que tratar, os pacientes, não se satisfazem, como se diz, com o que são.
E, no entanto, sabemos que tudo o que eles são, tudo o que eles vivem, mesmo seus sintomas, depende da satisfação.
Eles satisfazem algo que vai sem dúvida ao encontro daquilo com o que eles poderiam satisfazer-se, ou, talvez melhor, eles dão satisfação a alguma coisa.
Eles não se contentam com o seu estado, mas, estando nesse estado tão pouco contentador, eles se contentam assi mesmo.
Toda a questão é justamente saber o que é esse se que está aí contentado.

Nós sabemos que as formas de arranjo que existem entre o que funciona bem e o que funciona mal constituem uma série contínua.
O que temos diante de nós, em análise, é um sistema onde tudo se arranja, e que atinge o seu tipo próprio de satisfação.
Se nós nos metemos com isto, é na medida em que pensamos que há outras vias, mais curtas, por exemplo.


........................................................................................

Este método nos levaria aqui à questão sobre o possível, e o impossível não é forçosamente o contrário do possível, ou, bem ainda,
porque o oposto do possível é seguramente o real,
seremos levados a definir o real como impossível.

Em Freud, é desta forma que aparece o real, a saber, o obstáculo ao princípio do prazer.
O real é o choque, é o fato de que isso não se arranja imediatamente, como quer a mão que se estende para os objetos exteriores.

........................................................................................

Mesmo que vocês ingurgitem a boca- essa boca que se abre no registro da pulsão- não é pelo alimento que ela se satisfaz, é como se diz, pelo prazer da boca.
O objeto da pulsão, como é preciso concebê-lo, para que possa dizer que, na pulsão, qualquer que ela seja, ele é indiferente?

O sujeito se aperceberá de que seu desejo é apenas vão contorno da pesca, do fisgamento do gozo do outro.

A fantasia é a sustentação do desejo, não é o objeto que é a sustentação do desejo.
O sujeito se sustenta como desejante em relação a um conjunto significante cada vez bem mais complexo.
Isto se vê bem na forma de enredo que esse conjunto toma, onde o sujeito, mais ou menos reconhecível, está em algum lugar, esquizado, dividido, habitualmente duplo, em sua relação a esse objeto que o mais freqüentemente não mostra mais seu verdadeiro rosto.

........................................................................................

O que se olha é aquilo que não se pode ver.

........................................................................................

Que haja um real, isto não é absolutamente duvidoso.
Que o sujeito só tenha relação construtiva com esse real na dependência estreita do princípio do prazer, do princípio do prazer não acossado pela pulsão, aí está- veremos da próxima vez- o ponto de emergência do objeto do amor.

Toda questão é saber como esse objeto de amor pode vir a preencher um papel análogo ao objeto do desejo- sobre que equívocos repousa a possibilidade para o objeto de se tornar objeto de desejo.

........................................................................................

Pelo efeito da fala, o sujeito se realiza sempre no Outro, mas ele aí já não persegue mais que uma metade de si mesmo.
Ele só achará seu desejo sempre mais dividido, pulverizado, na destacável metonímia da fala.
O efeito da linguagem está o tempo todo misturado com o fato, que é o fundo da experiência analítica, de que o sujeito só é sujeito por ser assujeitamento ao campo do Outro.

É por isso que ele precisa sair disso, tirar-se disso, no fim ele saberá que o Outro real tem, tanto quanto ele, que se safar disso.
É mesmo aí que se impõe a necessidade de boa fé, fundada na certeza de que a mesma implicação da dificuldade em relação às vias do desejo existe também no outro.

........................................................................................

Antes de marcar suas conseqüências, queria simplesmente fazê-los notar o caráter clássico dessa concepção de amor, querer seu bem para si.

........................................................................................

Ora o que é um significante? Eu matraqueio há muito tempo para vocês, um significante é aquilo que representa um sujeito, para quem?- não para outro sujeito, mas para outro significante. Para ilustrar, sumponham que vocês descobrissem num deserto uma pedra coberta de hieróglifos. Vocês não duvidam nem por um instante que tenha havido um sujeito por trás para inscrevê-los. Mas acreditar que cada significante se dirige a vocês, é um erro- a prova está em que vocês podem nada entender daquilo.

O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer.
E eu disse- é do lado desse vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente à pulsão.

........................................................................................

A sexualidade se instaura no campo do sujeito por uma via que é a da falta.
Pelo fato de que o sujeito depende do significante e de que o significante está primeiro no campo do Outro.

........................................................................................

A criança, nesse famoso discurso que podemos registrar num gravador, não fala para si, como dizem.
Sem dúvida, ela não se dirige a outro, se utilizarmos aqui a repartição teórica que se nos deduz da função do eu e do tu.
Uma falta é, pelo sujeito, encontrada no Outro, na intimação mesma que lhe faz o Outro por seu discurso.
Nos intervalos do discurso do Outro, surge na experiência da criança, o seguinte, que é radicalmente destacável- ele me diz isso, mas é o que ele quer?

Nesse intervalo cortando os significantes, que faz parte da estrutura mesma do significante, está a morada do que, em outros registros de meu desenvolvimento, chamei de metonímia.
É de lá que se inclina, é lá que desliza, é lá que foge como furão, o que chamamos desejo.
O desejo do Outro é apreendido pelo sujeito naquilo que não cola, nas faltas do discurso do Outro e todos os por-quês?
Da criança testemunham menos de uma avidez da razão das coisas do que constituem uma colocação em prova do adulto, um por que será que você me diz isso?

Sempre re-sucitado de seu fundo, que é o enigma do desejo do adulto.

........................................................................................

Mas o que pode significar não querer desejar? Não querer desejar é querer não desejar.

Se é só no nível do desejo do Outro que o homem pode reconhecer seu desejo, e enquanto desejo do Outro, não está aí algo que lhe deve parecer fazer obstáculo a seu desmaio, que é um ponto em que seu desejo jamais pode reconhecer-se?
E o que não é nem levantado nem a ser levantado, pois a experiência analítica nos mostra que é de ver funcionar toda uma cadeia no nível do desejo do Outro que o desejo do sujeito se constitui.

........................................................................................

O ponto de vista do ideal do eu é o de onde o sujeito se verá, como se diz- como visto pelo outro- o que lhe permitirá suportar-se numa situação dual para eles satisfatória do ponto de vista do amor.
Enquanto miragem especular, o amor tem essência de tapeação.
Ele se situa no campo instituído no nível da referência do prazer, desse único significante necessário para introduzir uma perspectiva centrada no ponto ideal, I maiúsculo, colocado em algum lugar do Outro, de onde o Outro me vê, na forma em que me agrada ser visto.

Mas o que é que o sujeito pede?
Aí está toda a questão, pois o sujeito bem sabe que, quaisquer que sejam seus apetites, quaisquer que sejam suas necessidades, nenhum encontrará satisfação ali, senão, no máximo, a de organizar seu menu.


........................................................................................

Lacan- O Seminário- Os Quatro Conceitos Fundamentais de Psicanálise.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Saúde!

A questão é esta: como foi que nossa experiência cotidiana se empobreceu a ponto de passarmos nosso tempo nos preparando para 15 dias por ano de pseudo-aventuras de férias obrigatórias?
Como aconteceu de o "luxo" deixar de ser uma forma suntuosa de gastar a vida e se tornar uma forma de poupá-la em vista de eventuais escapadelas no fim do ano ou nos feriados?

...

Digo que a pergunta se apresenta "mais uma vez" porque a questão é hoje trivial e, ao mesmo tempo, persecutória.
É melhor ficarmos acordados até tarde pelo prazer da companhia ou voltar logo para casa e para a cama, já que, de manhã cedo, será a hora da esteira e da bicicleta?
Vamos transar no domingo à noite ou será que a segunda é um dia muito pesado?

...

"Hoje não, amanhã tenho que levantar cedo."
"Antes do jantar não, vai estragar meu penteado."
A Ilha de Caras não é o castelo dos libertinos, mas apenas um estúdio fotográfico: mais cedo ou mais tarde, os excluídos da festa descobrem que não houve festa nenhuma, só poses.

...

Obedecemos a uma proliferação de regras que são ditadas pelos progressos da prevenção.
Ninguém imagina que comer banha, fumar, tomar pinga, transar sem camisinha e combinar, sei lá, nitratos com Viagra seja uma boa idéia.
De fato, não é.
Mas, por trás dessa obviedade, esconde-se um estranho momento na história da moralidade.

Durante muitos séculos, constatamos que a carne era fraca e que o espírito tinha sérias dificuldades em conter seus ímpetos.
Ultimamente, encontramos uma solução elegante: delegamos à carne a tarefa de controlar a carne.
A experiência dos prazeres deveria ser contida porque é anti-higiênica, biologicamente nociva, ruim para o corpo.

...

Uma piada que ouvi nestes dias resume a situação. Um fiel pergunta levando os olhos ao céu: "Senhor, quero entender, por favor: há ou não há vida após a morte? Há ou não há vida eterna?".
Depois de ele muito insistir, eis que, enfim, as nuvens se abrem, aparece um raio de luz e uma voz profunda responde: "Meu filho, essa coisa de vida eterna é muito complicada. Mas posso garantir que, se fizer exercício regularmente, parar de fumar e se alimentar direito, você viverá três ou quatro anos a mais. Por que você não se concentra nisso, que é muito mais simples do que a questão da vida eterna?".”

...

Contardo Calligaris
www.contardocalligaris.blogspot.com

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Divirta-se!

O trabalho que é completamente separado do elemento lúdico torna-se insípido e monotóno, uma tendência que é consumada pela quantificação completa do trabalho industrial.
O prazer, quando igualmente isolado do conteúdo "sério" da vida, torna-se bobo, sem sentido, reduz-se completamente ao "entretenimento" e, em última instância, é apenas um mero meio de reproduzir a capacidade de trabalho do indivíduo.

Quanto mais as pessoas são gradualmente transformadas em coisas, mais investem as coisas com uma aura humana.
Ao mesmo tempo, a libidinização das bugigangas é inteiramente narcísica, na medida em que alimenta o controle da natureza pelo ego: esses aparelhos proporcionam ao sujeito lembranças de sentimentos primitivos de onipotência.

No que diz respeito ao prazer, de acordo com a abordagem bifásica, ele é principalmente restrito à parte da tarde e aos feriados, como se houvesse um entendimento a priori entre as revelações celestiais e o sistema de calendário atual.

Por outro lado, o colunista conhece os sentimentos de culpa freqüentemente induzidos pelo prazer.
Eles podem ser amenizados fazendo que o leitor entenda que alguns prazeres são permissíveis porquanto uma "liberação" esteja envolvida, ou seja- conforme a psicologia popular já aprendeu-
ele se tornaria uma pessoa neurótica se não se permitisse algumas gratificações e, sobretudo, porque há muitos prazeres que satisfazem imediata e diretamente algum propósito economicamente vantajoso.
Uma vez que esse conceito de prazer submetido ao dever é contraditório em si mesmo, manifestam-se novas extravagâncias que lançam luz sobre a coluna como um todo.

Encontra-se, sobretudo, o conselho monotamente reiterado: "seja feliz".
Obviamente, esse conselho visa encorajar o leitor a superar o que, na psicologia popular, é conhecido como "inibição". Mesmo aquilo que é espontâneo e involuntário é transformando em uma parte da arbitrariedade e do controle.

O sujeito é forçado a se divertir de modo a se ajustar, ou, pelo menos, de modo a transmitir aos outros a imagem de alguém ajustado, pois apenas as pessoas ajustadas são aceitas como normais e podem ter sucesso.

Esse aspecto de externalização universal aproxima-se do que Wolfenstein e Leites chamaram de "moralidade da diversão"(fun morality): "Você tem de se divertir" (goste ou não).

Exigências instituais são liberadas de seu aspecto ameaçador porque são tratadas como deveres a ser cumpridos.
Ao mesmo tempo, entretanto, estende-se a censuta.
A própria sexualidade é dessexualizada ao se tornar "divertida"- uma espécie de higiene. Ela perde não apenas seu impacto ameaçador e estranho ao ego, mas também sua intensidade, seu "sabor".

Pode-se suspeitar que o colunista e seus leitores saibam, no fundo, que os prazeres que lhe são ordenados não são mais prazeres, mas sim deveres racionalizados como tais, e que essa racionalização contém mais verdade do que o desejo supostamente inconsciente.
Em outras palavras, cada vez mais as atividades do tempo livre, que oficialmente servem ao propósito da diversão ou do relaxamento, são capturadas pelo interesse racional e realizadas não mais porque alguém de fato gosta delas, mas porque são uma exigência de abrir caminhos ou manter o status.


Mesmo quando o leitor está autorizado a afastar-se da rotina de sua vida, é preciso assegura-se que tal insurreição acabe levando-o a alguma repetição da mesma rotina da qual ele quer fugir.

Independente do fato de que, segundo certos aspectos, o indivíduo pode ser considerado "mais livre" hoje do que em épocas anteriores, a "captura" do indivíduo por inumeráveis canais de organização certamente aumentou.
Ilustração suficiente disso é que a dicotomia tradicional entre trabalho e lazer tende a tornar-se cada vez mais reduzida, e que as "ativididades de lazer" socialmente controladas cada vez mais tomam conta do tempo livre do indivíduo.

As Estrelas Descem À Terra
A Coluna de Astrologia do Los Angeles Times
Um Estudo Sobre Superstição Secundária.
Theodor W. Adorno

sábado, janeiro 17, 2009

Indústria Cultural

Assim, a indústria cultural, os meios de comunicaçao de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno de industrialização. É esta, através das alterações que produz no modo de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria (a cultural) e de cultura (a de massa), implantando numa e noutra os mesmos princípios em rigor na produção econômica em geral: o uso crescente da máquina e a submissão do ritmo humano ao ritmo da máquina; a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. Estes são alguns dos traços marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir uma cultura de maça. Dois desses traços merecem uma atenção especil: a reificação (ou a transformação em coisa: a coisificação) e a alienação.
Para essa sociedade, o padrão maior de avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto; tudo é julgado como coisa, portanto tudo se transforma em coisa- inclusive o homem. E esse homem reificado só pode ser um homem alienado: alienado de seu trabalho, que é trocado por um valor em moeda inferior às forças por ele gastas; alienado do produto de seu trabalho, que ele mesmo não pode comprar, pois seu trabalho não é remunerado à altur do que ele mesmo produz; alienado, enfim, em relação a tudo, alienado de sues projetos, da vida do país, de sua própria vida, uma vez que não dispõe de tempo livre, nem de instrumentos teóricos capazes de permitir-lhe a crítica de si mesmo e da sociedade.

Nesse quadro também a cultura, feita em série, industrialmente para o grande número, passa a ser vista não como instrumento de livre expressão, crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome qualquer outra coisa. E produto feito de acordo com as normas gerais em vigor: produto padronizado, como um espécie de kit pta montar, um tipo de pré-concepção feito para atender necessidades e gostos médios de um público que não tem tempo de questionar o que consome.

--

Assim, e partindo do pressuposto (aceito a título de argumentação) de que a cultura de massa aliena, forçando o indivíduo a perder ou não formar uma imagem de si mesmo diante da sociedade, uma das primeiras funções por ela exercida seria a narcotizante, obtida através da ênfase ao divertimento em seus produtos. Procurando a diversão, a indústria cultural estaria massacrando realidades intoleráveis e fornecendo ocasiões de fuga da realidade. Por outro lado, com seus produtos a indústria cultural pratica o reforço das normas sociais, repetidas até a exaustão e sem discussão. Em consquência, uma outra função: a de promover o conformismo social.

--

É esa uma tese de direita ou de esquerda? É de direita, sem dúvida, na medida em que para a direita sempre interessou o controle do prazer em benefício da produtividade capaz de gerar lucros e mais lucros. Está aí toda uma ideologia de defesa do trabalho a confirmá-lo. Pretende-se sempre fazer crer que o trabalho dignifica, que o trabalho é o veículo da ascensão, que o trabalho é salvação- quando, no quadro social em que vivemos (de divisão das atividades e distribuição desigual de renda, para dizer o mínimo), é patente que ele não é nada disso. Nesse quadro pintado pela direita, o prazer- sob sua forma diminuída: a diversão- só é admitido esporadicamente (feriado, férias) e mesmo assim apenas como elemento reforçador do trabalho (na medida em que recompõe as forças do trabalhador, permitindo a continuidade da exploração destas) e nunca como seu oposto.
Mas é também uma tese de esquerda, sem dúvida nenhuma. Em seu delicioso clássico O Direito à Preguiça, Paul Laforgue já observava como os trabalhadores europeus do século XIX, equivocadamente liderados por seu partido de esquerda, viviam a reivindicar o direito ao trabalho (cujo único efeito seria o esmagamento contínuo deles mesmos) ao invés de exigir um outro sistema em que tivessem os mesmos lazeres dos patrões- em que todos pudesse, diríamos hoje, entregar-se aos prazeres. E mesmo neste século, uma esquerda um tanto limitada continua fazendo do trabalho a sua bandeira, quase igual à hasteada pela direita.

--

O que fica invalidada é a visão de um mundo transformado numa aldeia global de cuja vida todos participariam ativamente graças à TV. É possível, de fato, que o mundo todo venha a adotar os mesmos valores, a mesma ideologia, graças às chamadas "multinacionais da cultura", que tendem a difundir por toda parte, particularmente pela TV, uma mesma estrutura de pensamento, um mesmo comportamento, gerados num ou em alguns poucos centros de decisão. No caso, e por enquanto, os EUA. Mas dizer, a partir daí que o mundo todo estaria participando desse processo vai uma enorme distância. De uma ideologia inculcada é possível dizer várias coisas, menos que ela se oferece à participação.

----

Análise pelo processo de significação

Todo processo de significação- e este é o processo que está em jogo nos veículos da indústria cultural, como aliás em todas as demais atividades relativas ao ser humano- está baseado na operação de signo. Sendo signo tudo aquilo que representa ou está no lugar de outra coisa (a palavra "cão" representa um cão qualquer, assim como minha foto na carteira de identidade representa a minha pessoa, representa a mim, está em meu lugar), entende-se por "operação de signo" a relação que se estabelece entre um signo propriamente dito (uma palavra, uma foto, um desenho, uma roupa, uma edificação, etc), o referente (aquilo para o que o signo aponta, aquilo que é representado pelo signo) e o interpretante (ou conceito, imaem mental, significado formado na mente da pessoa receptora de um dado signo). Assim, o signo "cão" remete ao leitor uma entidade existente (o referente: o cão) e aciona em sua mente um processo produtor do interpretante (ou significado: a idéia do que é normalmente um cão, acrescida eventualmente das imagens particulares que esse leitor pode ter dos cães e que dependem, estas, de sua experiência pessoal: o conceito de animal mamífero, quadrúpede, doméstico pode estar associado à idéia de agressividade ou ternura, etc.).

Os signos, no entanto, não são todos da mesma espécie. E cada tipo de signo tende a provocar um certo tipo de relacionamento entre ele mesmo e a pessoa que o recebe, nesta provocando também um tipo particular de interpretante ou significado. Uma coisa é tentar transmitir a alguém o significado do que seja um cão através da palavra escrita e outra é tentar a mesma coisa através da fotografia desse cão. A palavra escrita é, de certo modo, "neutra"; ela deixa em aberto um amplo leque de possibilidades, de modo que, além do mínimo de significado específico nela contido (a idéia, por exemplo, de um animal doméstico, amigo ho homem), ela admite uma série de idéias pessoais da pessoa que a recebe. Pode formar-se, nessa pessoa, a imagem de um animal pequeno ou grande, feroz ou cordado, de pêlo curto ou comprido, preto ou branco. Já a fotografia do cão (que passa a ser um certo cão) não é mais tão neutra assim: ela já determina que o cão é grande ou pequeno, agressivo ou calmo, branco ou amarelo.

Surge, assim, a necessidade de distinguir entre os tipos de signos. Charles S. Peirce propõe que os signos possam ser de três tipos: ícone, índice e símbolo:

a) Ícone: é um signo que tem uma analogia com o objeto representado: uma foto, uma escultura.
b) Índice: signo que representa seu objeto por remeter-se diretamente à ele, está ligado à ele de tal modo que, sem ele, não pode existir: poças de água podem ser o índice de chuva recente, assim como nuvens escuras indicam chuva iminente; o cata-vento é um signo que indica a existência de vento assim como uma seta num corredor indica o caminho. Se não houver um caminho a seguir, a seta não tem sentido. O índice não existe se seu receptor não conhecer previamente o objeto representado, se eu já não tiver visto a relação entre nuvem escura e chuva, não poderei interpretar o signo "nuvem escura". Isto leva a ver o ícone como um signo capaz de propor o novo, como um signo que revela, enquanto o índice é um signo repetidor, um signo de manutenção.
c) Símbolo: Signo que representa seu objeto em virtude de uma convenção, de um acordo. Diversamente do ícone, não tem nenhum traço em comum com seu objeto, nem está ligado a ele de algum modo, ele é arbitrário. O exemplo mais comum do símbolo é a palavra, qualquer palavra.
Para ser entendido, o símbolo não exige que seu receptor conheça o objeto a que se refere, como o índice: o símbolo é mesmo, um modo de conhecer coisas novas. Mas também ao contrário do ícone, o conhecimento do símbolo não implica o conhecimento da coisa representada tal como ela é.

Se a consciência icônica pode me levar a descobertas absolutamente novas, a indicial só pode me revelar aquilo que já foi revelado pelo menos a outros, diminuindo o valor da revelação: a seta me mostra o caminho, mas esse caminho já foi conhecido, estabelecido por outros antes de mim.

--

Chegamos agora o momento do relacionamento entre essas preposições da semiótica e os produtos da indústria cultural. Aqui, então, vai ser possível dizer que o problema com a indústria cultural não é tanto o que ela diz ou não; não é tanto o fato de ser ela deste ou daquele modo, estruturalmente; nem o fato de ter surgido neste ou naquele sistema político-social- mas, sim, no modo como diz. É que a indústria cultural- na TV, no rádio, na imprensa, na música (particularmente a dita popular), nos fascículos, mas também nas escolas e nas universidades- é o paraíso do signo indicial, da consciência indicial.

Como assim? Talvez a anedota de Joseph Ransdell possa traçar o quadro gerl da situação: "Por favor, chefe, onde e quando esse trem vai parar?"
"Esse trem não pára nunca. Você está no Expresso Indicial. Mas não é um barato viajar e ver todas essas coisas?
Dê uma olhada, rápido, ainda há tempo pra ver a Torre Inclinada de Pisa, ali entre aqueles dois prédios.
Não é- puxa, já passou- não é excitante?"


É isso. Toda a indústria cultural vem operando com signos indiciais e, assim, provocando a formação e o desenvolvimento de consciências indiciais. A tônica consiste apenas em mostrar, indicar, constatar. Não há revelação, apenas constatação, e ainda assim uma constatação superficial- o que funciona como mola para a alienação. O que interessa não é sentir, intuir ou argumentar, propriedades da consciência icônica e simbólica: apenas operar.

Como se dá esse procedimento indicial num dos veículos da indústria cultura, como a TV? Basicamente, através da multiplicação não de informações mas de trechos de informações, apresentadas como que soltas no espaço, sem reais antecedentes (a não ser a eventual repetição anterior de informações análogas à em tela, mas que não são sua causa) e sem conseqüentes.
E essas "informações" não revelam aquilo que lhes está por trás, mas servem exatamente para ocultar o que representam; servem para interpor-se entre o receptor e o fato, não para abreviar o caminho entre ambos.

Somente a criança de pouca idade, ainda não submetida maciçamente à ação da indústria cultural e da sociedade em geral (e mesmo da sociedade anterior à indústria cultural), consegue furtar-se a esse esquema. Ela é capaz de pensar iconicamente, sentindo ou intuindo o significado das coisas sem se preocupar com fornecer-lhe razões lógicas. E ela é também capaz de pensar simbolicamente, ou, pelo menos, de tentá-lo seriamente: é o caso da criança que perguntando "o que é roda?", e recebendo como resposta "uma coisa circular que os carros usam para andar", retruca perguntando "o que é carro?"- e ouvindo que é "uma máquina que anda a gasolina" pergunta "e gasolina, o que é" e assim por diante, de conceito em conceito, até esgotar a paciência do interlocutor.

Logo, porém, essa criança entrará no pelotão dos adultos que, em virtude da "educação" recebida, do conformismo, da lei do menos esforço, do sentimento injustificado de vergonha e de uma série de outros motivos, deixam de perguntar-se e perguntar aos outros sobre os antecedentes e conseqüentes de um conceito- ficando assim prontos para entrar no esquema indicial que serve, mas não só ela, a indústria cultural. Passam a contentar-se com "dados" que saem do nada e levam a parte alguma, e acomodam-se a esse universo vazio de significação em que se trasnformam suas vidas.
Aparentemente, nada mais fáci é útil que entender esses indíces que sao como pegadas humanas sobre a areia. À primeira vista, estas levariam de modo claro e direto à pessoas por elas responsável. Ocorre no entanto, em nossa sociedade, que a única coisa ao final vista são essas pegadas. Fica-se sem saber quem as fez, onde está quem as fez, por que foram feitas, e nem se o sentido da marcha dessa pessoa foi realmente daqui pra lá ou se as pegadas foram feitas com a pessoa caminhando de costas.

--

Nesse momento, seria possível perguntar se a indústria cultural é uma resultante dessa tendência geral da sociedade, reproduzindo-a nos limites do seu campo, ou se é a indústria cultural que produz essa sociedade. É forte a tendência no sentido de dizer que a indústria cultural é manipulada com esse objetivo, e embora possa parecer verdadeiro que a partir de um certo momento isso se verifique, será mais adequado dizer que a própria sociedade vai lentamente gerando seus instrumentos e suas tendências- entre eles, o esquema tecnológico de visão do mundo e sua correspondente, a consciência indicial- sem que haja um gênio do mal, uma vontade maior, maquiavélica, que decide sujeitar toda a humanidade através de um instrumento: a indústria cultural. Acreditar no contrário, nessa entidade malévola, é bem mais fácil e cômodo do que aceitar a idéia de que cada um de nós é responsável pela existência e desenvolvimento dessa consciência indicial.

---

O que é Indústria Cultural- Teixeira Coelho.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Revolução Sexual

Há diversos anos (como ainda hoje), o conceito de que se tinha que zelar ciumentamente pela fidelidade do parceiro era muito difundido e a estatística de crimes passionais nos mostra, à primeira vista, como é imensamente grande a deterioração social nesse campo;
mas aos poucos se afirma mais ou menos nitidamente a convicção de que nenhum homem tem o direito de proibir que o seu parceiro mantenha uma comunhão sexual passageira ou permanente com os outros. Somente tem o direito de retirar-se ou reconquistar seu parceiro ou entao tolera-lo.
Essa concepção nada tem a ver com a ideologia hiper-radical de que absolutamente não se deve ter ciúmes, de que "não importa" que o parceiro entre em relações sexuais com outras pessoas. É natural que se sofra ao se pensar que o parceiro querido abraça outra pessoa.
Esse ciúme natural deve ser distinguido rigorosamente do ciúme de propriedade.

Uma vantagem da ligação sexual permanente satisfatória é que torna denecessária a busca eterna de um parceiro adequado e assim liberta interesses para desempenhos sociais.
Como em qualquer ligação permanente, também na sexual há bastante matéria para conflitos.
Mas não nos interessa aqui as dificuldades gerais de qualquer relação humana, mas as especiais, específicas para a sexual.
A dificuldade fundamental de qualquer relação sexual permanente é o conflito do embotamento (temporário ou definitivo) do desejo sensual, por um lado, e, com o decorrer do tempo, o aumento da ligação amorosa ao parceiro, pelo outro lado.

Em qualquer ligação sexual, aparecem, mais cedo ou mais tarde, raramente ou mais frequentemente, períodos de atração sexual diminuída, até mesmo de indiferença sensual.
Isso é um fato estabelecido empiricamente contra o qual nenhum argumento moral pode ser apresentado.
O interesse sensual não pode ser comandado..
Todo mundo está exposto constantemente a excitações sexuais novas provocadas por outras pessoas que não o parceiro, especialmente com a coletivização do trabalho de hoje.
Essas excitações permanecem de fora no peíodo alto da relação.

As relações sexuais paulatinamente se tornam um hábito ou obrigação.
A diminuição da satisfação com o parceiro e o desejo de outros objetos se somam e se fortalecem mutuamente.
Contra isso não adianta nenhuma determinação, nenhuma técnica amorosa.
Agora começa então o estágio crítico da irritação contra o parceiro, que, de acordo com o temperamento ou educação, chega a manifestar o que é reprimido.
Em todo o caso: o ódio inconsciente contra o parceiro torna-se cada vez mais forte; seu motivo é a frustração da satisfação do desejo por outros, por parte do parceiro;
sim, o fato de que o ódio inconsciente poderá se tornar tanto mais forte quanto mais amável e tolerante for o parceiro é apenas aparentemente um paradoxo.

Não se tem então nenhum motivo para se odiar pessoalmente o parceiro, mas a pessoa sente isso, ou melhor, o próprio amor ao parceiro passa a ser um empecilho.
O ódio fica assim amortecido por um carinho extremo.
Esse carinho originado do ódio e os sentimentos de culpa que proliferam e tal estágio são os componentes específicos da ligação pegajosa na relação permanente e o próprio motivo pelo qual tão frequentemente mesmo os não-casados não se podem separar, menos que nada tenham que dizer ou muito menos que dar um ao outro, e sua relação signifique apenas um martírio mútuo.

A ninguém ocorrerá criticar alguém porque não gosta de usar o mesmo traje ano após ano, ou porque está enjoado de comer sempre o mesmo prato. Somente no campo sexual a exclusividade de posse tornou-se um valor sentimental forte, porque o entrelaçamento dos interesses econômicos e das relações sexuais aumentou o ciúme da reivindicação de posse natural.
Muitas pessoas maduras e comedidas me comunicaram que, depois da superação do conflito, a imaginação de que o parceiro sexual uma ou outra vez tenha entrado em relação com outros perdeu seu terror e de que mais tarde a impossibilidade anterior de imaginar uma "infidelidade" parecia ridícula. Incontáveis exemplos ensinam que fidelidade por consciência, com o tempo, prejudica a relação sexual.
A isso se contrapõem muitos outros exemplos dos quais aparece claramente que a relação fortuita com outro parceiro apenas foi útil à relação sexual que estava justamente em via de se tornar uma relação matrimonial.

A moral sexual, impreganada de interesses de propriedade, tornou coisa evidente que o homem "possui" a mulher, enquanto a mulher por sua vez se "entrega" ao homem. Como, entretanto, possuir é uma honra, e entregar-se, ao contrário, representa rebaixamento, a mulher adquiriu uma atitude negativa com respeito ao ato sexual. E para a maioria dos homens, a posse da mulher se torna mais uma prova da sua masculinidade do que uma experiência amorosa, porque a conquista é mais importante do que o amor, esse temor por parte das mulheres adquire uma razão trágica.

---

Querem enfiar toda a humanidade na sua própria camisa-de-força por serem incapazes de tolerar nos outros a sexualidade natural.
Isso os aborrece e os enche de inveja, porque eles próprios gostariam de viver assim e não conseguem.
Nós não queremos forçar ninguém a abandonar a vida familiar, mas também não queremos permitir a ninguém que obrigue aquele que não a quer a aceitá-la.
Quem pode e quer passar toda a vida como monógamo, que o faça; quem, entretanto, não o pode e talvez se arruíne por causa disso, deve ter a possibilidade de organizar sua vida de outra forma.
No entanto, a organização de uma "nova vida" pressupõe o conhecimento das contradições da antiga.

A reforma sexual procura, há séculos, amenizar a miséria sexual.
A questão da prostituição e das doenças venéreas, a miséria sexual, o aborto e os crimes sexuais, bem como a questão das neuroses, estão sempre no centro do interesse público.
Nenhuma das medidas tomadas teve qualquer efeito sobre a miséria sexual imperante, mas ainda, as propostas para a reforma sexual estão sempre atrasadas em comparação com as modificações reais que ocorrem na relação entre os sexos.

Enquanto a família na era pré-capitaista da propriedade privada e nos primórdios do capitalismo tinha uma raiz imediata na economia familiar, realizou-se com o desenvolvimento das forças de produção uma mudança na função da família.
A sua base econômica imediata perdeu o significado e isso em relação direta crescente da incorporação das mulheres no processo de produção; o que se perdeu em base econômica foi substituído pela sua função política.
Sua tarefa cardinal é sua propriedade como fábrica de ideologias autoritárias e estruturas conservadoras.

Aquilo que da miséria matrimonial nos conflitos conjugais não pode ser sanado diretamente é despejado sobre as crianças.
Isso estabelece novos danos para a sua independência e sua estrutura sexual, mas também cria um novo conflito: o da aversão delas ao casamento em virtude do que viram no casamento dos pais, isto é, o conflito entre a oposição ao casamento e a compulsão econômica posterior de casa.
É na puberdade que se desenrolam as tragédias, justamente quando os jovens conseguiram escapar dos prejuízos da educação sexual infantil e querem libertar-se das algemas da família.

---

O primeiro princípio que provavelmente teria de ser reconhecido aqui é que a vida sexual não é assunto particular; isso não deve ser compreendido no sentido de que então qualquer funcionário público teria o direito de se imiscuir nos segredos da cama de alguém.
Significa que a preocupação pela restauração sexual do homem para o estabelecimento de sua integral capacidade de prazer sexual não pode ficar entregue à iniciativa privada, mas representa uma questão cardinal da totalidade da vida social.

Pressuposição para isso será que não se considere a vida sexual da massa como assunto de segunda ou até de última ordem.
Assim, por exemplo, fabricar-se-ão bons anticoncepcionais da mesma forma e com o mesmo cuiddo que as grandes máquinas.
A propaganda do controle da natalidade não pode ficar somente no papel, mas tem de ser realizada praticamente.

A construção de lares de emergência para a juventude é necessária e realizável. Pressuposição para isso será que se não se encontre nenhuma entidade competente que se coloque contra tal coisa de maneira moralista.
Como conheço bem os jovens, sei que eles alegremente solucionarão praticamente a questão de espaço sem esperar providências de cima.

O esclarecimento das massas, sobre a nocividade do aborto e o perigo das doenças venéreas será desnecessário na mesma idade em que progredir o esclarecimento das massas sobre o valor da sexualidade natural, sadia.

A Revolução Sexual- Reich.

domingo, janeiro 11, 2009

Perhappiness

Volta em Aberto

Ambígua volta
em torno da ambígua ida,
quantas ambigüidades
se pode cometer na vida?
Quem parte leva um jeito
de quem traz a alma torta
Quem bate mais na porta?
Quem parte ou quem torna?

Sujeito Indireto

Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito.
Quem dera eu visse o outro lado,
o lado de lá, o lado meio,
onde o triângulo é quadrado
e o torto parece direito.
Quem dera um ângulo reto.
Já começo a ficar cheio
de não saber quando eu falto,
de ser, mim, indireto sujeito.

---

Pra que sirvo senão para isto,
para ser vinte e pra ser visto,
pra ser versa e pra ser vice,
pra ser a super-superfície
onde o verbo vem ser mais?

---

Ímpar ou Ímpar

Pouco rimo tanto com faz.
Rimo logo ando com quando,
mirando menos com mais.
Rimo, rimas, miras, rimos,
como se todos rimássemos,
como se todos nós ríssemos,
se amar(rimar) fosse fácil.

---

Rumo ao Sumo

Disfarça, tem gente olhando.
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxer.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.

Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso.
A alma, esse conto de fada.

--

Paulo Leminski- Fred Góes e Álvaro Marins- Seleção.