quinta-feira, agosto 30, 2007

Intermitente

O mundo é enorme sem toda a culpa que eu carrego por não ser a menininha leve e sem preconceitos que curte ver o desenho da Lua no mar e não se abala com tanto amor e nem com o medo e o cansaço que viver causa.

O mundo é cheio de opções sem você, mas todas elas me cheiram azedas e murchas demais.

(...) que você poderia simplesmente abaixar meu som ou mudar de canal, como um programa chato qualquer que passa na sua tv.

Estar sozinha não muda nada, conheço bem esse estado e, de verdade, sei lidar até melhor com ele. O que me entristece, é ter visto em você o fim de uma história contada sempre com a mesma intensidade individual.

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Foi tudo muito rápido entre a emoção do vôo e o batuque definitivo, e destoante da entrega pura, no chão.
Foi tempo suficiente para eu olhar o mundo sem a intenção da perfeição e sem o peso do próximo minuto. Viver nunca durou tanto.

Quis falar com alguém, mas quem?

Mas nunca mais receberia prêmios: ver você tão menino fazendo brincadeiras bobas, ver você dormindo.

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O problema é que não soube substituir o meu deslumbre por acomodação, eu não sei me conformar com a chatice do mundo. Mas o que exatamente seria uma vida extraordinária?

Nas poucas vezes em que senti algo realmente extraordinário, ou eu estava brincando de não ser eu, ou estava fazendo algo errado, ou estava vivendo algo que acabaria rápido e que jamais seria contaminado pelo tédio.

Viver extraordinariamente é isso então? É estar fora da nossa própria vida? É viver pouco várias coisas? É viver muito poucas coisas? É ser um personagem de um roteiro que a gente muda toda hora?

A lógica sempre ataca nossos instintos e transforma desejos em elaboradas impossibilidades. Queria apenas ir ser selvagem como diz aquele poema do Fernando Pessoa, ir ser selvagem apenas(...)

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Mas a verdade é que eu odeio o equilíbrio. Porra, se eu tô puta, eu tô puta!
Se eu tô com ciúme, não vou sorrir amarelo e mostrar controle porque preciso parecer forte e bem resolvida.

Eu não tô a fim de contar até 100, eu quero espancar a porta do elevador se ele demorar mais dois segundos,

quero morder o puto do meu namorado que apenas sorri seguro enquanto eu me desfaço em desesperos porque amar dói pra caralho...

Grande merda de vida, você muda a estação do rádio para não reparar que a menina de dez anos parada ao lado do seu carro, já tem malícia, mas não tem sapatos. Você dá mais um gole no frisante para não reparar que a moça da mesa ao lado gostou do seu namorado, e ele, como qualquer imperfeito ser humano normal, gostou dela ter gostado.

Você disfarça, a vida toda você disfarça.

Para não parecer fraco, para não parecer louco, para não aparecer demais e poder ser alvo de crítica, para ter com quem comer pizza no domingo, para ter com quem trepar na sexta à noite, para ter quem te pague a roupa nova e te faça sentir um bosta e para quem te pede socorro, você disfarça cegueira.

Você passa a vida cego para poder viver.

Você aceitou tudo, você trocou as incertezas da sua alma pelas incertezas da moça da novela, porque ver os problemas em outros seres irreais é muito mais fácil e leve, além do que, novela dá sono e você não morre de insônia antes de dormir (porque antes de dormir é a hora perfeita para sentir o soco no estômago).

Você aceita a vida, porque é o que a gente acaba fazendo para não se matar ou não matar todos os imbecis que escutam você reclamar horas sem fim das incertezas do mundo e respondem sem maiores profundidades: relaaaaaaaaaaaaaxa!

Eu não vou relaxaaaaaaaaaaaaaaaaaar.

A única verdade que me cala um pouco e, vez ou outra, me transforma em alguém estupidamente normal é que virar um louco selvagem que fala o que pensa, sem amigos e sem namorados, só é legal se você tiver alguém pra contar o quanto você é foda no final do dia.

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Você sabia melhor do que ninguém que a felicidade me esmagava e eu ficava ainda mais carente quando ganhava carinho. Por isso você era em doses homeopáticas a pessoa mais carinhosa do mundo e também o ser mais frio do planeta. Muito em pouco, o máximo no mínimo, quase nunca pra sempre, nunca mais todos os dias.

www.tatibernardi.com.br

terça-feira, agosto 28, 2007

Real...

Basta que eu veja nitidamente com os olhos ou com os ouvidos, ou com outro sentido qualquer, para que eu sinta que aquilo é real.
Pode ser mesmo que eu sinta duas coisas inconjugáveis ao mesmo tempo. Não importa.

Mas tudo é absurdo. E o sonho ainda é o que o é menos.

Por que exponho eu de vez em quando processos contraditórios e inconciliáveis de sonhos e aprender a sonhar?
Porque, tanto me habituei a sentir o sonhado tão nitidamente como o visto
que perdi a distinção humana, falsa creio,
entre a verdade e a mentira.

Aquilo que se perdeu,
aquilo que se deveria ter querido,
aquilo que se obteve e satisfez por erro,
o que amamos e perdemos e,
depois de perder, vimos,
amando por tê-lo pedido,
que o não havíamos amado;
o que julgávamos que pensávamos quando sentíamos;
o que era uma memória e criamos que era uma emoção....

Nunca desembarcamos de nós.
Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos.

Nada realizamos.
A vida atira-nos como uma pedra e nós vamos dizendo no ar
"Aqui me vou mexendo".

A vida é o que fazemos dela.
As viagens são os viajantes.

O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Fernando Pessoa- Livro do Desassossego

Amor, Arte...

Não o amor, mas os arredores é que vale a pena...

No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho.
No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma idéia nossa.
As relações entre uma alma e a outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem,
são matéria de estranha complexidade.

A fadiga de ser amado, de ser amado deveras! A fadiga de semos o objeto do fardo das emoções alheias.

De tédio, como se me não bastasse a monotonia inconsistente da vida,
para agora se lhe sobrepor a monotonia obrigatória de um sentimento definido.

O amor farta ou desilude. (...) Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio.

A arte é a comunicação aos outros da nossa identidade íntima com eles.

O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte.
Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida a ação,
a ação, a que se reduziu, não a satisfaz;
com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se forma a obra de arte.
Assim, há dois tipos de artista:
o que exprime o que não tem,
e o que exprime o que sobrou do que teve.

A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos.

Fernando Pessoa- Livro do Desassossego

Mentiras...

Menti? Não, compreendi.
Que a mentira, salvo a que é infantil e espontânea, e nasce da vontade de estar a sonhar,
é tão somente a noção da existência real dos outros e da necessidade de conformar essa existência a nossa, que se não pode conformar com ela.
(...) Assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros,
o que com a verdade, própria e intransmissível, se nunca poderia fazer.

Fernando Pessoa

Hiperexcitação

O homem não deve poder ver a sua própria cara.
Isso é o que há de mais horrível. (...)
Só nas águas dos rios e lagos ele podia fitar seu rosto.
E a postura, mesmo, que tinha de tomar, era simbólica.
Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver.
O criador do espelho envenenou a alma humana.

Se me pedissem que explicasse o que é este meu estado de alma,
eu responderia mudamente apontando para um epelho, para um cabida e para uma caneta com tinta.

Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados.
O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos,
por que se conquista o internato num manicômio:
a incapacidade de pensar, a amoralidade, a hiperexcitação.

Fernando Pessoa- Livro do Desassossego

Naufrágios do nosso entender...

Vemo-nos e não nos vemos. Ouvimo-nos e cada um escuta apenas uma voz que está dentro de si.
As palavras dos outros são erros do nosso ouvir, naufrágios do nosso entender.
Com que confiança cremos no nosso sentido das palavras dos outros?

A imensa série de pessoas e de coisas que forma o mundo é para mim uma galeria intérmina de quadros, cujo interior não me interessa.
Não me interessa, porque a alma é monótona é sempre a mesma em toda a gente;
diferentes apenas as suas manifestações pessoais,
e o melhor dela é o que transborda para o sonho, para os modos, para os gestos,
e assim entra para o quadro que me prende.

Reconstruo, completando...
E isso me servirá de desculpa junto deles,
de ter escutado tão fixamente a escutar-lhes o que não diziam e não quereriam dizer.

Toda a boa conversa deve ser um monólogo de dois...
Devemos, no fim, não poder ter a certeza se conversamos realmente com alguém ou se imaginamos totalmente a conversa.

Fernando Pessoa

Tornar real (?)

Tudo o que existe existe talvez porque outra coisa existe.
Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo.

Tudo em nós é acidente e malícia.

Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar.

Toda literatura consiste num esforço para tornar a vida real.
Como todos sabem, ainda quando agem sem saber, a vida é absolutamente irreal na sua realidade direta;
os campos, as cidades, as idéias, são coisas absolutamente fictícias, filhas da nossa complexa sensação de nós mesmos.
São intransmissíveis todas as impressões salvo se as tornamos literárias.
As crianças são muito literárias porqe dizer como sentem e não como deve sentir quem sente segundo outra pessoa.

Fernando Pessoa- O Livro do Desassossego

Não há nada de real na vida que não o seja porque descreveu-se bem.

Agir é repousar.

Criei-me eco e abismo pensando.
Vivo de impressões que não me pertencem, perdulário de renúncias, outro no modo como sou eu.

O entusiasmo é uma grosseria.
Exteriorizar impresões é mais persuadirmo-nos de que as temos do que termo-las.

Quando escrevo, visito-me solenemente.
Esculpi a minha vida como uma estátua de matéria alheia ao meu ser.

Mover-se é viver. Dizer-se é sobreviver.
Não há nada de real na vida que não o seja porque descreveu-se bem.
Os campos são mais verdes no dizer-se que no seu verdor.

Somos que não somos, e a vida é pronta e triste.

No fundo, acredite, o que somos de mais doloroso é o que não somos realmente,
e nossas maiores tragédias passam-se na nossa idéia de nós.

Tenho uma indigestão na alma.

Pensar é destruir.
O próprio processo do pensamento indica para o mesmo pensamento,
porque pensar é decompor.

O prazer da fama futura é presente- a fama é que é futura.

Fernando Pessoa- O Livro do Desassossego

O Que é Real- III

"a condição de toda objetividade é a existência de um ponto de referência, constante e idêntico, ao qual a representação pode ser reportada e que permite eliminar tudo o que ela tem de variável, partindo do subjetivo(...)
se os únicos pontos de referência dados são eles mesmos variáveis, se são continuamente diversos em relação a si mesmos, toda medida comum está ausente e não temos nenhum meio de distinguir em nossas impressões o que depende do exterior e o que vem de nós" " (Durkheim)

Simmel sublinha aquilo com que os sociólogos pouco se preocuparam: a natureza, a fraqueza ou intensidade dos vínculos, a qualidade das interações, apontando que ela é função da duração: é a duração que permite medir sua qualidade.

"Cool significa a capacidade de fugir, de escapar dos sentimentos, de viver em um mundo fácil, que questiona e recusa os vínculos possessivos" (Bauman)

Os engajamentos duráveis,
que constroem vínculos,
em que a individualidade é valorizada pela exigência,
foram substituídos por encontros breves, banais e intercambiáveis,
encontros em que as relações começam tão rápido quanto terminam.
Observava então Mauss: "Toda espécie de expressão oral dos sentimentos [...] é em essência não um fenômeno exclusivamente psicológico, ou fisiológico,
mas fenômenos sociais, marcados eminentemente pelo signo da não espontaneidade e da mais perfeita obrigação".

Insistiu, assim, que "fazemos, portanto, mais do que manifestar nossos sentimentos, nós os manifestamos aos outros, pois é preciso manifestá-los. Manifestamos a nós mesmos exprimindo-os aos outros e em virtude dos outros"

A ininteligibilidade provocada pelas sensações contínuas teria ao mesmo tempo afastado a expressão dos sentimentos em relação aos outros e a si mesmo, a capacidade de vivenciar sentimentos?

O Que é Real- II

Imaginar uma prática que permita a alguém, por enunciar a verdade, pelo próprio fato de dizer verdadeiro, transfigurar-se.

Dizer verdadeiro da insuficiência dos esquemas identitários, das certezas que tinha.

Dizer o fato de ter sido "tomado" por algo, de estar "apaixonado", agir para viabilizar paixões à medida que o outro permita, isto é, levando o outro em conta.

"Eu gostaria de deixar ver meus pensamentos,
em vez de traduzi-los pela linguagem. (...)
Acima de tudo, eu gostaria de te fazer compreender que tudo que me acontecer de dizer, eu o penso, e não apenas penso, mas amo. (...)
O essencial é dizer o que se pensa, pensar o que se diz;
fazer com que a linguagem esteja de acordo com a conduta." (FOUCAULT)

Não basta dizer que algo é verdade.
É preciso fazer compreender que efetivamente experimento como verdadeiras as coisas que digo.
E não somente que as experimento e considero verdadeiras, mas que as amo, sou ligado a elas e minha vida é comandada por elas.

Para garantir a franqueza de um discurso, é preciso que seja sensível à presença daquele que fala naquilo que diz,
e a verdade do que ele diz precisa ser selada pela maneira como vive.

"Dizer verdadeiro" é não falar a partir de um centro,
de um "eu" que se percebe inteiro por estar referido a um olhar unificador.

É falar sem saber bem o que se está dizendo,
deixar que o falar nos atravesse, se manifeste em nós, estranho a nós, vindo de alhures,
não reivindicar a autoria dessa fala e não querer controlar seus efeitos.

O que se propõe é sacudir o jogo de verdade de uma paixão transferencial,
"abri-lo" para permitir o surgimento de outros jogos.

Estratégia de liberdade.
Porque estar apaixonado também é prender-se,
por um momento, num jogo de verdade,
e se as condições de possibilidade para sustentá-lo deixam de estar presentes,
o que se propõe não é substituí-lo por outro jogo, "mais verdadeiro".

O que se quer é multiplicar os jogos possíveis de verdade,
multiplicando possibilidades de satisfação;

quando um jogo de verdade não permite satisfação,
não permite escoamento,
que se abram caminhos que levem a outros jogos,
"realidades de um novo tipo" (FREUD).

O Que é Real? I

como desalojar o indivíduo da unidade em que ele se representa?

face a essa instabilidade da verdade,
a essa ausência de garantia do encontro,
a essa falta de representação discernível para o acontecimento singular,

não causa surpresa que o sujeito vacile,
recue e por fim renuncie ao desejo.

E se não houver, pergunta-se ele, nada a reconhecer além do que se deixa representar?
E se o lapso nada contiver da verdade,
se ele nada mais for do que um engano, um desvio acidental, um erro grosseiro?

É bem possível — por que não dizer? —
que não haja lugar para irrupção do sentido inesperado,
visto que só se comunicam significações.

E se não existir na realidade desejo algum, mas tão-somente demandas?
E se, finalmente, não houver na verdade nenhum real?

Pois se é sabido que o encontro com o real, mesmo se acaso se der,
não tem duração definida,
que sentido faz propor para si mesmo algo que não é sequer representável,
destituído de qualquer permanência?

Adorno, em sua Minima Moralia:

"são indivíduos que, em nome da coesão coletiva,
desculpam humanitariamente qualquer infâmia
e repelem inflexivelmente toda emoção não convencional como sentimental"

Libertos da inquietude que outrora afligia,
esses funcionários do laço social se dedicam à tarefa de proclamar,
em coro, que só vale a representação coesa dos agrupamentos.

De fato não há nenhum real, afirmarão eles: há somente realidade.
O desejo é fruto de um mero sentimentalismo histérico;
é melhor se contentar com as demandas, com o que se deixa comunicar.

Quanto ao encontro amoroso, isso não passa de um devaneio obscuro de poetas, o que conta mesmo é o desempenho da sexualidade.

E já que nada se apresenta, não existem tampouco sujeitos.
Há somente indivíduos, comportamentos e condutas.

Em breve: só é digno de valor o que se deixa socialmente representar!

O nome da paixão conformista,
que assim se estabelece,
é a canalhice, a paixão da própria renúncia ao desejo:
esperteza, em nome de um realismo calculado

De todo modo, sejam quais forem seus representantes,
não há como negar que a atitude canalha nos libera da inquietude que,
conforme vimos, vem marcar o encontro do sujeito com a verdade.

Sua função de evitar, a qualquer preço, a experiência dispersiva do encontro,
fixando o sujeito na estabilidade da representação,
garante-lhe uma reputação social perene.

Por isso, ela se exprime tão comodamente no jargão,
cujo domínio não somente nos exime de dizer o que pensamos,
como também nos isenta de pensar nas conseqüências do que dizemos.

Pois a realidade, enquanto domínio das representações coesas,
é de fato o que mais resiste, por estrutura, a todo efeito de dispersão.

Woody Allen vem outra vez ilustrar nosso argumento, naquilo que se poderia chamar de uma adequação besta do sujeito à realidade.
É o que se nota, por exemplo, na trajetória da personagem Robin, de seu filme Celebridades.
De especialista solitária em poesia do século XIV, ela alcança o tão almejado sucesso abandonando sua pesquisa apaixonada para se tornar uma fútil entrevistadora de televisão.
A função que doravante lhe garante reconhecimento social é a de fazer perguntas a quem não tem absolutamente nada a dizer.
"Tornei-me o tipo que sempre detestei e estou gostando disso", confessa ela à sua melhor amiga.
Nada melhor demonstra o desespero de Woody Allen diante deste fenômeno de adesão coletiva à realidade, comenta Jorge Coli,
do que o clamoroso help escrito com fumaça, no início e no final do filme, que em poucos segundos se dispersa no céu.

A razão é que todo discurso exige, da parte do sujeito, que ele fale em nome de algum laço coletivo para se fazer entender,
anestesiando-se com relação aos cortes que poderiam dissolvê-lo.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Reminiscências...

Se me permitem uma generalização - inevitável numa exposição tão breve -,
podemos sintetizar os conhecimentos até agora adquiridos na seguinte fórmula:
os histéricos sofrem de reminiscências.

No século XIII, um dos velhos reis plantagenetas,
que fez transportar para Westminster os restos mortais de sua querida esposa e rainha Eleanor,
erigiu cruzes góticas nos pontos em que havia pousado o esquife.
Charing Cross é o último desses monumentos destinados a perpetuar a memória do cortejo fúnebre.
Em outro ponto da cidade, não muito distante da London Bridge,
verão uma coluna moderna e muito alta, chamada simplesmente The Monument,
cujo fim é lembrar o grande incêndio que em 1666 irrompeu ali perto e destruiu boa parte da cidade.

Tanto quanto se justifique a comparação,
esses monumentos são também símbolos mnêmicos como os sintomas histéricos.

os histéricos e neuróticos: não só recordam acontecimentos dolorosos que se deram há muito tempo, como ainda se prendem a eles emocionalmente; não se desembaraçam do passado e alheiam-se por isso da realidade e do presente.

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Como não podia modificar à vontade o estado psíquico dos doentes, procurei agir mantendo-os em estado normal.
Parecia isto a princípio empresa insensata e sem probabilidade de êxito.
Tratava-se de fazer o doente contar aquilo que ninguém, nem ele mesmo, sabia.
Como esperar consegui-lo?

Não o abandonei, contudo, sem tirar, das observações feitas, conclusões decisivas. Vi confirmado, assim, que as recordações esquecidas não se haviam perdido.
Jaziam em poder do doente e prontas a ressurgir em associação com os fatos ainda sabidos, mas alguma força as detinha...

Tratava-se em todos os casos do aparecimento de um desejo violento mas em contraste com os demais desejos do indivíduo e incompatível comas aspirações morais e estéticas da própria personalidade.
Produzia-se um rápido conflito e o desfecho desta luta interna era sucumbir à repressão a idéia que aparecia na consciência trazendo em si o desejo inconciliável, sendo a mesma expulsa da consciência e esquecida,
juntamente com as respectivas lembranças.

Imaginem que nesta sala e neste auditório,
cujo silêncio e cuja atenção eu não saberia louvar suficientemente,
se acha no entanto um indivíduo comportando-se de modo inconveniente,
perturbando-nos com risotas, conversas e batidas de pé,
desviando-me a atenção de minha incumbência.
Declaro não poder continuar assim a exposição;
diante disso alguns homens vigorosos dentre os presentes se levantam,
e após ligeira luta põem o indivíduo fora da porta.
Ele está agora "reprimido" e posso continuar minha exposição.

Para que, porém, se não repita o incômodo se o elemento perturbador tentar penetrar novamente na sala, os cavalheiros que me satisfizeram a vontade levam as respectivas cadeiras para perto da porta e, consumada a repressão, se postam como "resistências". (...)

Ele já não está aqui conosco;
ficamos livres de sua presença, dos motejos, dos apartes,
mas a expulsão foi por assim dizer inútil,
pois lá de fora ele dá um espetáculo insuportável,
e com berros e murros na porta nos perturba a conferência mais do que antes.

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No emprego desta técnica o que ainda nos perturba é que com freqüência o doente se detém, afirmando não saber dizer mais nada, que nada mais lhe vem à idéia.

Uma observação atenta mostra, contudo, que as idéias livres nunca deixam de aparecer.

Para evitá-la põe-se previamente o doente a par do que pode ocorrer,
pedindo-lhe renuncie a qualquer crítica;
sem nenhuma seleção deverá expor tudo que lhe vier ao pensamento,
mesmo que lhe pareça errôneo, despropositado ou absurdo e,
especialmente, se lhe for desagradável a vinda dessas idéias à mente.

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Hão de notar que nós, os homens, com as elevadas aspirações de nossa cultura e sob a pressão das íntimas repressões,
achamos a realidade de todo insatisfatória e por isso mantemos uma vida de fantasia onde nos comprazemos em compensar as deficiências da realidade,
engendrando realizações de desejos.

Nestas fantasias há muito da própria natureza constitucional da personalidade e muito dos sentimentos reprimidos.
O homem enérgico e vencedor é aquele que pelo próprio esforço consegue transformar em realidade seus castelos no ar.
Quando esse resultado não é atingido,
seja por oposição do mundo exterior, seja por fraqueza do indivíduo,
este se desprende da realidade, recolhendo-se aonde pode gozar,
isto é, ao seu mundo de fantasia,
cujo conteúdo, no caso de moléstia, se transforma em sintoma.

O tratamento psicanalítico coloca-se assim como o melhor substituto da repressão fracassada, justamente em prol das aspirações mais altas e valiosas da civilização.

A literatura alemã conhece um vilarejo chamado Schilda, de cujos habitantes se contam todas as espertezas possíveis.
Dizem que possuíam eles um cavalo com cuja força e trabalho estavam satisfeitíssimos.
Uma só coisa lamentavam: consumia aveia demais e esta era cara.
Resolveram tirá-lo pouco a pouco desse mau costume, diminuindo a ração de alguns grãos diariamente, até acostumá-lo à abstinência completa.
Durante certo tempo tudo correu magnificamente;
o cavalo já estava comendo apenas um grãozinho e no dia seguinte devia finalmente trabalhar sem alimento algum.
No outro dia amanheceu morto o pérfido animal;
e os cidadãos de Schilda não sabiam explicar por quê.

Freud- 5 lições de Psicanálise

quinta-feira, agosto 23, 2007

"Paixões Indomáveis"

O pensar é um ato experimental executado com pequenas quantidades de energia, do mesmo modo como um general muda pequenas figuras num mapa antes de colocar em movimento suas tropas.

O superego é também o veículo do ideal do ego, pelo qual o ego se avalia, que o estimula, e cuja exigência por uma perfeição sempre maior ele se esforça por cumprir.

O temor ao superego normalmente jamais deve cessar pois, sob a forma de ansiedade moral, é indispensável nas relações sociais, e somente em casos muito raros pode um indivíduo tornar-se independente da sociedade humana.

O superego de uma criança é, com efeito, contruído segundo o modelo não de seus pais, mas do superego de seus pais; os conteúdos que ele encerra são os mesmos, e torna-se veículo da tradição e de todos os julgamentos de valores que dessa forma se transmitam de geração em geração.
Facilmente podem se imaginar que, quando levamos em conta o superego, estamos dando um passo importante para nossa compreensão do comportamento social da humanidade e talvez estejamos dando até mesmo instruções práticas referentes à educação.

Parece provável que o que se conhece da visão materialista da humanidade peque por desprezar esse fator. (...)
A humanidade nunca vive inteiramente no presente.
O passado e a tradição das pessoas vive nas ideologias do superego é só lentamente cede às influência do presente, no sentido de mudanças novas, e, operando através do superego exerce um poderoso papel na vida dos homens, independente de sua situação econômica.

Identificação e escolha objetal são, em grande parte, independentes uma da outra, no entanto, é possível identificar-se com alguém que, por exemplo, foi tomado como objeto sexual e modificar-se segundo esse modelo. Diz-se que a influência sobre o ego motivada pelo objeto sexual ocorre com particular frequencia nas mulheres e é característico da feminilidade.

O sentimento de inferioridade possuí fortes raízes eróticas.
Uma pessoa sente-se inferior se verifica que não é amada.

Há pessoas em cujas vidas se repetem indefinidamente as mesmas reações não corrigidas, em prejuízo delas próprias,
assim como há pessoas que parecem perseguidas por um destino implacável,
embora uma investigação mais atenta nos mostre que tais pessoas, sem se perceberem, causam a si mesmo esse destino.
Em tais casos atribuímos um caráter 'demoníaco' à compulsão à repetição.

A relação do ego para com o id poderia ser comparada com a de um cavaleiro para com seu cavalo. O cavalo provê a energia de locomoção, enquanto o cavaleiro tem o privilégio de decidir o objetivo e de guiar o movimento do poderoso animal. Mas muito frequentemente surge entre o ego e o id a situação, não propriamente ideal, de o cavaleiro só poder guiar o cavalo por onde este quiser ir.

Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise

Pequenos Indícios

As palavras, originalmente, eram mágicas e até os dias atuais conservaram muito do seu antigo poder mágico.
Por meio de palavras, uma pessoa pode tornar outra jubilosamente feliz, ou levá-la ao desespero. (...)
Palavras suscitam afetos e são, de modo geral, o meio de mútua influência entre as pessoas.

É inerente à natureza humana ter uma tendência a consideram como falsa uma coisa desagradável e, ademais, encontrar argumentos contra ela.

Se o senhor é um homem jovem, não será a partir de pequenos indícios que concluirá haver conquistado os favores de uma jovem?
Esperaria uma expressa declaração de amor, ou um abraço apaixonado?
Ou não seria suficiente um olhar, que outras pessoas mal perceberiam, um logeiro prolongamento, por um segundo, da pressão da sua mão?
E se fosse um detetive empenhado em localizar um assassino, esperaria encontrar uma fotografia no local do crime com o endereço escrito?(...)
Assim sendo, não substimemos os pequenos indícios.

Toda classe de manipulações com nossas roupas, com objetos ao nosso alcance, com partes do nosso corpo, executados aparentementemente sem finalidade e incluem, ademais, a omissão dessa manipulação.

Há grande número de ações efetuadas de forma puramente automática, com bem pouca atenção, não obstante com total segurança.(...)
Um exímio pianista toca as teclas certas, sem pensar. Pode naturalmente cometer um erro ocasional, porém, se o tocar automárico aumentasse a chance de errar, o risco seria máximo para um virtuoso.

Na maioria de nossas invetigações podemos substituir 'sentido' por 'intenção' ou 'propósito'.

Se tenho um caminho aberto diante de mim, esse fato automaticamente decide que eu o tomaria?

É como se não visse claramente o rosto do ladrão e então disesse: " O isolamento e a escuridão roubaram meus pertences".

Buscamos não apenas descrever e classificar os fenômenos, mas entendê-los como sinais de uma ação recíproca de forças na mente, como manifestação de intenções com finalidade, trabalhando concorrentemente ou em oposição recíproca.
Interessa-nos uma função dinâmica dos fenômenos.

Conferências Introdutórias sobre Psicanálise- Parapraxias.

Palavras Mágicas

Alguém que pode estar sofrendo de flutuações em seu estado de ânimo que ele não podecontrolar,
ou de um sentimento de desalento pelo qual sua energia se sente paralisada porque pensa ser incapaz de fazer algo adequadamente,
ou de um constrangimento entre estranhos. (...)
Seus pensamentos poderão seguir seu próprio curso e se recusarem a ser dirigidos pela vontade do paciente.

Persegue problemas que lhe são inteiramente indiferentes, mas dos quais não pode livrar-se.
Tarefas bem ridículas lhe são também impostas, tais como contar as janelas das frentes das casas. (...)
Desiste de frequentar festas, bailes, teatros, concertos, devido a forte dores de cabeça ou outras sensações dolorosas em ocasiões que são as mais inconvenientes,
que constitui um fato lamentável que não possa tolerar quaisquer agitações, que afinal de conta são inevitáveis na vida. (...)
Ou seus sentimentos sensuais ligam-nos a pessoas que desprezam e das quais gostariam de livrar-se;
ou esses mesmos sentimentos impõe exigências a eles cuja realização eles próprios acham repulsivas.

A palavra é um instrumento poderoso, afinal de contas é o meio pelo qual transmitimos nossos sentimentos a outros; nosso método de influenciar outra pessoa. As palavras podem causar um bem indizível e causar terríveis feridas.
Sem dúvida 'no começo veio a ação' e a palavra veio depois; em certas circunstâncias ela significou um progresso da civilização quando os atos foram amaciados em palavras.
Mas originalmente a palavra foi magia- um ato mágico; e conservou muito de seu antigo poder.

Cada um está cônscio que existem certas coisas em si que não estaria absolutamente disposto a contar a outras pessoas ou que consideraria inteiramente fora de cogitação revelar.

Na confissão conta-se o que sabe, na análise há mais a se dizer.
O que fazemos é recordar que um sentimento tão forte e persistente deve, afinal de contas, estar baseado em algo real, que talvez possa ser possível descobrir.

No ID não há conflitos; as contradições e antíteses persistem nele lado a lado indiferentemente, sendo frequentemente ajustados pela formação de conciliações.
O ego é uma organização caracterizada por uma tendência marcante no sentido da unificação, da síntese.

Todas as nossas instituições sociais são estruturadas para pessoas com um ego unido e normal, que se pode classificar de bom ou mau, que ou cumpre sua função ou é inteiramente eliminado por uma influência esmagadora.
Daí a alternativa jurídica: responsável ou irresponsável. Deve-se admitir que há dificuldade em adaptar as exigências sociais a sua condição psicológica.

Freud- a questão da análise leiga.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Vestibular

Até o final da década de 60, o vestibular era realizado para que se testasse a capacidade do candidato em acompanhar o seu curso de escolha.
Para isso, determinava-se uma nota mínima que deveria ser alcançada.
Mas já naquela época as instituições públicas não tinham vagas para todos, o que determinou a existência da categoria "excedente".
Este era o indivíduo que havia alcançado a nota mínima mas que não entrava na universidade porque não havia espaço. Tinha capacidade, mas não tinha vaga. Assim...

O comércio dos cursinhos pré-vestibular, aliado a uma série de investimentos familiares, contribui para a elitização do ensino superior.

Certas carreiras têm seu público formado essencialmente por estudantes oriundos de escolas públicas, enquanto em outros ocorre situação inversa, sugerindo a intensificação da seletividade social na escolha das carreiras.

Surgem pequenos gênios, fórmulas mágicas, o 1º colocado que (incrível!) namora e vai ao cinema, o que estuda e nunca passa, o que nunca estuda e passa.

Outro problema é o modelo de dissertação que se forneceu aos alunos no ensino médio ao longo de sua formação. Trata-se de um modelo muito repetitivo e que não foca no principal: a posição do candidato sobre o assunto.
Ao contrário, é comum as aulas de redação incentivarem os alunos a não se posicionarem, esquecendo que uma dissertação é a defesa de um ponto de vista, em um texto que deve transmitir uma imagem de autoria confiável, de maneira que o leitor se sinta motivado a interagir com as idéias expostas.

A prática da sala de aula de apresentar informações sem reflexão leva o aluno a penar no ato de escrever. A aula-show que faz rir, mas não faz pensar, volta-se mais tarde contra o próprio aluno.

Muitos saem do ensino médio sem consciência prática de que para escrever e para falar usamos registros de linguagem diferentes. Como resultado, escrevem textos que seriam mais bem entendidos se fossem lidos em voz alta.

O sucesso no vestibular acaba sendo visto como fonte de auto-estima e orgulho para candidatos e familiares. O acesso a universidade hoje em dia pode ser visto como uma forma de "heroísmo".

Mas mesmo o ingresso no ensino superior pode se revelar uma grande ilusão devido ao processo de desvalorização e inutilidade dos diplomas. Bem, restará a sensação do dever cumprido e da consciência tranqüila.

trechos de artigos sobre vestibular

terça-feira, agosto 21, 2007

Vestibular

Desde cedo, pais e escolas sabem que a escola deve preparar para os vestibulares. Os vestibulares, assim, determinam os padrões de conhecimento e inteligência a serem cultivados. Mas não existe nada mais contrário à educação que os padrões de conhecimento e inteligência que os vestibulares estabelecem.

O escritor Mário Prata escreveu uma crônica sobre as meninas jogadoras de vôlei. (...)Sua crônica fora usada, na íntegra, num exame vestibular.

Para um escritor, ter uma crônica transcrita, na íntegra, num exame vestibular, equivale a uma consagração. Mário Prata estava felicíssimo.
Exceto por um detalhe: os examinadores, para transformar sua crônica em objeto de exame, prepararam uma série de questões sobre ela, cada uma com várias alternativas de resposta. Mário Prata resolveu, então, brincar de vestibulando. Tentou responder às questões. Não acertou uma!

Por que nós, professores universitários, não passaríamos no vestibular? Por termos memória fraca? Não. Por termos memória inteligente. Burras não são as memórias que esquecem, mas as memórias que nada esquecem... A memória inteligente esquece o que não faz sentido. A memória viaja leve. Não leva bagagem desnecessária.

Por que nós, professores universitários, não passaríamos no vestibular? Por termos memória fraca? Não. Por termos memória inteligente. Burras não são as memórias que esquecem, mas as memórias que nada esquecem... A memória inteligente esquece o que não faz sentido. A memória viaja leve. Não leva bagagem desnecessária.
Pense na memória como um escorredor de macarrão. Um escorredor de macarrão é uma bacia cheia de furos. A gente põe o macarrão na água fervente para amolecer. Amolecido o macarrão, é preciso livrar-se da água. Jogam-se, então, macarrão e água no escorredor de macarrão. A água escorre pelos buracos, e o macarrão fica. A memória é assim: ela se livra do que não tem serventia por meio do esquecimento. E o que é que tem serventia? Duas coisas, apenas. Primeiro, coisas que são úteis, conhecimentos-ferramentas, conhecimentos que nos ajudam a entender e a fazer coisas.
Minha amiga Vilma Clóris de Carvalho, educadora extraordinária, professora de neuroanatomia, revelou-me que seus piores alunos eram aqueles que tinham obtido as notas mais altas no vestibular. "Eu explico a complexidade do funcionamento do aparelho nervoso, mostro-lhes o caráter provisório das hipóteses de que dispomos, falo sobre uma, falo sobre outra... E aí há sempre um desses gênios que tiraram as notas mais altas que sai com a pergunta: 'Mas, professora, qual é a resposta certa?'"
De tanto serem treinados para dar as respostas certas, acabam por perder a capacidade de fazer perguntas, a essência do pensamento inteligente. O preparo para os vestibulares, assim, é um processo estupidificador, um mecanismo pernicioso para a inteligência. Acrescente-se a isso o fato de que, devido à fúria da competição, os candidatos, no seu preparo, são forçados a abandonar tudo aquilo que tem a ver com a "caixa dos brinquedos", o que provoca um embrutecimento da sua sensibilidade.

Rubem Alves- Artigos Sobre Vestibular

domingo, agosto 19, 2007

sentidos...

uncertainty excites me
baby
who knows what's going to happen?
lottery or car crash
or join a cult

probably maybe possibly love

mon petit vulcan
you're eruptions and disasters
I keep calm
admiring your lava
I keep calm

possibly maybe probably love

electric shocks?
I love them!
with you dozen a day
but after a while I wonder
where's that love you promised me?

possibly maybe probably love


Eu fui levada a ser auto-suficiente e feliz e para nunca reclamar.
Possibly Maybe é uma canção pela qual eu posso andar de montanha-russa e me lançar nela vocalmente.

it's real early morning
no-one is awake
I'm back at my cliff
still throwing things off


Ela acorda antes dele e sai de mansinho e joga coisas de um penhasco para que ela possa voltar para a cama e dizer 'bom dia querido'. Talvez haja um lado de você que não consiga se adaptar a uma relação.
Você tem que fazer um esforço conscientemente e a natureza não o está ajudando mais.
Então você acorda de manhã cedo e sorrateiramente sai e faz algo horrível e destrutível, quebra tudo o que você acha, assiste a um filme ruim, lê um pouco de William Burroughs, algo realmente nojento e volta para casa e diz 'oi querido, como você está?'.
Foi inspirada pela situação que vi muitos de meus amigos passando. Eu realmente gosto de ler revistas sobre ciência, sabe, e quando as pessoas se apaixonam, elas produzem esse tipo de droga nos seus corpos para que fiquem dependentes uma da outra fisicamente.
A natureza faz as coisas para que a droga dure por três anos, então se eles estiverem juntos, estão assim naturalmente. A natureza se assegura de que as pessoas tenham três anos para decidirem se querem ficar juntas ou não; esses três anos são um tempo de tentativa.
Então eles acordam e é um "oops, o que estou fazendo aqui?".
Então são forçados a descobrir se amam ou não aquela pessoa, se foi amor de verdade, ou se tudo foi uma armadilha.
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Então ela se reserva, mas ainda acha que estava certa, que as pessoas deveriam funcionar mais com a intuição do que com seus cérebros. Então ela coleta todas essas mariposas e as manda para fora da janela, e elas voam pelo mundo, e elas entram nas casas das pessoas que pretendem ou tentam ser inteligentes e as impede de ser inteligentes ao voar em suas caras e fazendo (Björk move o dedo indicador para trás e para frente e aumenta sua voz, assustando um senhor de idade que estava sentado por perto) "Na-na! Na-na, na-na, na-na, naaa!" Então as pessoas ficam confusas, mas finalmente dizem 'Oh, está bem', e começam a funcionar com sua intuição novamente.

sexta-feira, agosto 17, 2007

"Visita"

Faz Depressa

Aqui se chama Faz Depressa
porque depressa se desfaz a casa feita
num relâmpago em chão incerto, deslizante.
Tudo aqui se faz depressa. Até o amor. Até o fumo.
Até, mais depressa, a morte. Ainda mesmo se não se apressa,
a morte é sempre uma promessa
de decisão geral expressa.

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Urbaniza-se? Remove-se?

800 mil favelados ou já passa de um milhão?
Enquanto se contam, ama-se em barraco e a céu aberto
Novos seres se encomendam ou nascem à revelia

Os que mudam, os que somem, os que são mortos a tiro são logos substituídos.
Onde haja terreno vago, onde ainda não se ergueu um caixotão de cimento
esguio (mas vai-se erguer)

Que fazer com tanta gente brotando do chão, formigas de formigueiro infinito?
Ensinar-lhes paciência, conformidade, renúncia?
Cadastrá-los e fichá-los para fins eleitorais?
Prometer-lhes a sonhada, mirífica, róseo-futura distribuição (oh!) de renda?
Deixar tudo como está para ver como é que fica

Um som de samba interrompe tão séria cogitações (...)
Gente que nem a gente desejante, suspirante, ofegante, lancinante.
O mandamento da vida explode em riso e ferida.


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Lembrete

Se procurar bem, você acaba encontrando
não a explicação (duvidosa) da vida,
mas a poesia (inexplicável) da vida.

Jamais poema algum se desprenderia da ambição de poema.

Mas a vida não é o avesso da vida.
É o avesso absoluto se tentamos codificá-la.

Perder, aprendi, também é melodioso.

A pouca ciência da vida não esclarece os fatos inexistenes, muito mais poderosos que a história do homem em fascículos.

Não serei mais eu, nenhum fervor ou mágoa me percorrendo.

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Eu, Etiqueta.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu corpo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens, letras falantes, gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência, constume, hábito, premência, indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada.

Não sou- vê lá- anúncio contratado. Eu é que mimosamene pago para anunciar,
para vender em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência, tão viva, independente,
que moda ou subordo algum a compromete.

Da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros objetos estáticos, tarifados.
Meu nome novo é coisa. Eu sou coisa, coisamente.

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O Seu Santo Nome

Não facilite a palavra amor. Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com seu enganalado som.
Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra que é toda sigilo e nudez,
perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.

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As Sem-Razões do Amor


Não há falta na ausência. Porque ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.

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Amor e Seus Contratos

Tanto nas juras mais vivas como nos beijos mais longos
em que perduram salivas de outras paixões ainda ativas...
Por mais que no teu falar brilhe a promessa incessante de um afeto a perdurar
Amarga-me o pensamento de serem pactos fingidos.

As nulidades tamanhas que te invalidam o trato
não sei se provêm de manhas ou de visitas mais estranhas
Senão talvez teu retrato gravado em vento ou em sonho.
São todas- digo tristonho- feitas de sonho e de vento.

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O Minuto Depois

Nudez, último véu da alma que ainda assim prossegue absconsa.
A linguagem fértil do corpo não a detecta nem decifra.
Mas além da pele, dos músculos, dos nervos, do sangue, dos ossos
Recusa o íntimo contato(...)
Ai de nós, mendigos famintos: pressentimos só as migalhas (...)
E por isso a volúpia é triste um minuto depois do êxtase.

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Corpo- Carlos Drummond de Andrade

Instáveis...

Já se foi o tempo em que se criticavam os meios de comunicação produtores da cultura massificada, por “imporem” novas necessidades. A comunicação, para as massas, impõe-se, mas só o faz de forma sutil, sedutora, provocante. Ela incide sobre as necessidades reais não satisfeitas plenamente, e oferecem um contrapeso ao monótono, ao insuportável do cotidiano.

O importante nesses contextos é a consideração de que não há necessidades criadas artificialmente. As saídas podem sê-lo, mas as necessidades têm uma vinculação direta om a experiência de vida e com a relação com a sociedade e os mecanismos que bloqueiam as aspirações e desejos.

Acordar cedo, ônibus cheio, trabalho maçante, relações superficiais, chegar em casa, assistir TV, dormir, acordar cedo... A potencialidade emotiva e ativa de relacionamento dilui-se nesse cotidiano. Através de formas como a novela e o esporte, a televisão possibilita uma vida real, uma prática de emoções, de sentimentos, de alegria e de tristezas, de sensações sexuais que a vida real não mostra.

Mesmo no seu espaço de “repouso”, a pessoa mantêm-se agitada, o relógio permanece marcando seus passos e cronometrando a sua vida. Qualquer coisa que rompa com essa lógica e organização parece inútil, “perda de tempo”. A ansiedade a sensação de estar sempre “funcionando” é o que dá a a impressão de “estar vivo”.

O consumo não se dá em forma real, não são consumidos bens mas “puras aparências”. A “tecnocracia dos sentidos” impera na produção do ilusório, do imaginário, como fator de consumo. Assim, pela sua capacidade de provocar efeitos no comprador e nas pessoas a quem o comprador deseja impressionar, as mercadorias assumem, como fetiches plenos, a situação de agentes reais.

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Dominação Sexual, Mercadoria e Castração

O erotismo mostra quase tudo. É nesse “quase” que está o seu maior perigo. No passado, as mulheres mostravam apenas o calcanhar e no trabalho de “descoberta” encerrava-se a relação dual. Hoje, a mulher esconde apenas a vagina.

A mulher nua é menos erótica que a mulher com um minibiquini, já que o erótico não está na roupa, mas no encobrimento, no escondido, no segredo.

O fato de a mulher no modelo industrial e mercadológico de estética sexual deixar encoberto apenas o seu sexo tem, além disso, um segundo significado: ela, de fato, se reduz à vagina. Além desta, já não há mais o que se descobrir.

Não há aí erotismo mas somente prática da sexualidade. O problema desse tipo de proposta, contudo, é de outra natureza: separação entre sexualidade e vida afetiva. Essa dissolução está na base da consciência-mercadoria: sentimentos, emoções e prazeres devem ser autonomizados, virando fatos sem criadores e sem história: fetiches. O imediatismo, a não reflexão sobre a natureza do desfrute, a oralidade, o prazer do aqui e agora.

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Telenovela e a Lógica do Capital

Na telenovela as cenas são curtas (...) e construídas artificialmente para a produção forçada de emoções: há um ritmo de emoções crescentes que tem que ser interrompido no intervalo para anunciantes.

O modelo prescreve o seguinte: as cenas devem ser em geral curtas para não dispersar a atenção do telespectador, que é “muito inconstante”. Cenas longas, de mais de 1 minuto e 30 segundos devem ser fragmentadas e passadas em partes diferentes, intercaladas por outras cenas para garantir a alternância.

Há uma rejeição do prolongamento dialogal. Não se deve provocar auto-reflexão. A dramatização da telenovela não comporta o choque do telespectador. Há uma construção polarizada dos personagens. A dor está lá, mas ao mesmo tempo não está. A ambientação impede a transmissão de efeitos de solidão muito transparentes, não se opera a iluminação claro-escuro, com sombras.

Cada sequência é formada por diversos miniquadros, que se intervalam sem um pathos próprio ou expressivo, mas confluem para o quadro “emocionante” final, geralmente fechado com o som da canção de fundo.

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Ciro Marcondes Filho- A Linguagem da Sedução

quarta-feira, agosto 15, 2007

Negligências...

A psicologia clínica usa o termo "pigmalionismo" para designar
1) a conduta erótica, um pouco estranha, de quem se apaixona por estátuas e as deseja;
2) num sentido mais amplo, a paixão pedagógica e erótica do sujeito que sonha com um objeto de amor e desejo que ele mesmo moldaria.

A psicologia experimental, nas últimas décadas, confirmou e debateu o "efeito Pigmalião":
quando os professores esperam um grande progresso de seus alunos, os alunos progridem duas vezes mais rápido.
O desempenho do aluno é proporcional às expectativas do professor.

Mas a história de Pigmalião não se aplica apenas em casos de extremismo pedagógico e terapêutico.
Qualquer um de nós desejou e deseja transformar o objeto amado.
O amor é prepotente: idealizamos o outro e acreditamos firme que ele ou ela se emendarão.

Mas grandes são as chances de que a vida em comum vire, rapidamente, um inferno.

Se o outro me idealiza, carrego seu ideal como um casaco novo: modifico minha postura para que o pano caia bem no meu corpo.
De uma certa forma, tento me parecer com o ideal que o outro ama em mim.

A inconstância amorosa talvez seja a expressão imediata do desejo de mudar -não de trocar de parceiro, mas de se reinventar. a convicção e a esperança de que a paixão nos transforme.

Infelizmente, mudar é difícil: a sedução exercida pelos novos amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as coisas serão diferentes no ano que começa.
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Quando o amor é o tema principal, o que é narrado são os transtornos iniciais (com mais ou menos meleca sentimental) ou, às vezes, o trágico desfecho. A prática cotidiana do amor é, em geral, apenas objeto de farsas e comédias: risível.

A segunda categoria é a das histórias em que um casal vive uma aventura que, aparentemente, não tem nada a ver com seu amor: procuram juntos desvendar um crime, assaltar um banco, roubar um quadro, ganhar uma guerra ou encontrar o Santo Graal. Ao longo dessas façanhas, eles se amam e têm ou não o tempo de se beijar e de transar.

Com ou sem minha companheira, é raro que eu assalte bancos, roube quadros ou solva enigmas policiais. Mas essas proezas valem como exemplos de um "fazer juntos", que, na prática do amor, é um ideal mais útil do que os meandros dos primeiros encontros, propostos pelos "filmes de amor".

Em suma, concordo com a citação proverbial de Antoine de Saint-Exupéry (o autor de "O Pequeno Príncipe"): "Amar não significa se olhar um ao outro, mas olhar juntos na mesma direção" .
Fica a pergunta: o que é "olhar juntos na mesma direção"? Na falta de fortalezas para expugnar, fazer o quê?

Criar filhos deixou de ser, hoje, a experiência comum dominante na qual prospera o amor de um casal. Há traços da subjetividade moderna que exigem dos casais outras escolhas: a sede de renovação constante (reproduzir e se reproduzir não é mais suficiente para preencher nossa vida) e, sobretudo, a vontade de capitalizar experiência por conta própria (sonhar, por procuração, com a experiência futura dos filhos não nos basta mais). Essa é, portanto, a dificuldade: fora criar filhos, o que é, hoje, para um casal, "olhar na mesma direção"?

Alguns praticam o amor lendo poesia em voz alta, outros estudam juntos, outros exercem a mesma profissão ou adotam ambos uma nova religião, outros ainda se dedicam a práticas sexuais "diferentes".
Tanto faz. O que importa é que, para existir, um casal precisa inventar e compartilhar uma (longa) aventura.

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Byron (o poeta romântico) lembra que, na vida moderna,
o que importa é a intensidade e a variedade de experiências.
A fome de viver e o anseio de aventuras levam alguns a lutar pela independência da Grécia, a pular de skate quando mal sabem andar ou a perder-se nas sarjetas do mundo.
E nos levam a sonhar com o que não ousamos empreender.

Emma Bovary (a heroína do romance de Flaubert) lembra que o amor é o grande operador moderno da mudança.
Descobrimos que podíamos inventar nossa vida quando começamos a casar por amor (e não para preservar a casta, a família e o patrimônio).
Portanto, esperamos do amor que ele nos transforme e nos leve para uma "outra" vida (e toda vida tem uma "outra" vida com a qual sonhar).

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O desejo só consegue se expressar por sobressaltos. É como se, contra o nosso desejo, tivéssemos erigido um dique inútil: a água irrompe, forte, pelas pequenas falhas, mas sua massa não se transforma em energia para inventar a vida.

Em matéria de desejo, somos todos criancinhas, incapazes de encontrar a coragem de fazer o que desejamos, mas sempre (e apenas) tentados por potes de geléia.

Contardo Calligaris

Para voltar mais Vida

Descansei em ti meu feixe de desencontros e de encontros funestos.
Queria talvez sadicamente massacrar-te
Como nos enganamos fugindo do amor!
O amor dissolve o mesquinho desejo de existir em face do mundo com olhar pervagante e larga ciência das coisas, todas as imposturas da razão e da experiência, para existir em si e por si, à revelia de corpos amantes.

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Método esconde-pinga: não percebes que ele torna excitante a tua busca?É a grande aventura oferecida ao morno cotidiano em que vegetas,
Instante de vibrar, curtir a vida.
Larga, poeta o verso comedido, a paz do teu jardim vocabular, e vai sofrer na fila do feijão.

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Seu claro riso e humana compreensão e universal doçura revelam que
pensar não é triste.

Pensar é exercício de alegria entre veredas de erro, cordilherias de dúvida, oceanos de perplexidade.
Pensar abrange todos os contrastes, como blocos de vida que é preciso polir e facetar para a criação de pura imagem: o ser restituído a si mesmo.
Contingência em busca de transcendência.
As letras não o limitavam no paraíso de sensualidade das palavras que substituem coisas e sentimentos, diluindo o sangue de existir.
Para além das letras restam indicíos mais luminosos, de uma insondável, solene realidade de que muitos tentam aproximar-se com a cegueira de seus pontos de vista e a avidez da insatisfação. (...)

Convívio militante entre solidão de idéias cada vez mais fechadas e ele-aberto aos ventos do mundo, à decifração do lancinante anseio de instituir a paz interior no regaço da paz exterior: anseio de homens desencontrados, tontos, malferidos no horror da vida escrava do azinhavree de moedas viciadas no poder da Terra.
Tão frágil no seu grande corpo que não comanda os rumos da aventura...
Pois é o amor unidade multiplicada, e a vida, quando se recolhe aos livros, é para voltar mais vida.

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Liquidação de Inverno

Olha o ajuntamento na calçada, o bolo humano denso, silencioso, a paralisia coletiva...
Que foi que aconteceu? Crime, suicídio, bomba, ou um novo deus?
Calma, não te assustes. Precisa acostumar-te com a cidade e seus ritos pendulares.
Liquidação.
Liquidação?
(...) Só mulheres, pois só mulheres sabem quando é hora de (formigas) comprar para guardar.
Tudo ficou barato de repente, ou dá a ilusão de ser barato, convida, chama, intima:
Me compra rapidinho enquanto o inverno faz que vai, mas não vai, e está gelado,
o corpo, o quarto, o amor e tudo mais.

Como se tudo durasse um quarto de ano: juramentos, códigos, angústias,
braceletes, sandálias, planos... E dura, e dura mais?
Esquece, esquece.
As liquidações que não liquidam a carga de injustiça e desamor pairante sobre a vida,
seja inverno, verão, outono ou primavera.
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Amar se Aprende Amando- Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, agosto 09, 2007

Perpétua Adaptação

O neoliberalismo nasceu logo depois da segunda Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política, veemente contra o Estado de Bem Estar. (...) Trata-se de um ataque contra qualquer limitação de mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma “ameaça letal à liberdade”.

As idéias neoliberais ganharam terrena com a profunda recessão na crise do modelo econômico do pós-guerra, combinando pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação. O remédio então era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade orçamentária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso, seria necessária uma disciplina orçamentária com a contenção de gastos com o bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de trabalho para quebrar os sindicatos.

A prioridade mais imediata era deter a grande inflação dos anos 70. Nesse aspecto, o êxito foi inegável. A deflação, por sua vez, deveria ser a condição para a recuperação dos lucros. Também nesse sentido o neoliberalismo obteve êxitos reais. (...) Em todos esses itens, deflação, lucros, empregos e salários, podemos dizer que o programa liberal deu certo. Mas, no final das contas, todas essas medidas haviam sido concebidas como meios para alcançar um fim histórico, ou seja, a reanimação do capitalismo avançado mundial, restaurando taxas altas de crescimento estável, como existiam antes da crise.

Cabe perguntar porque a recuperação dos lucros não levou a uma recuperação dos investimentos. Essencialmente, pode-se dizer, porque a desregulamentação financeira, que foi um elemento tão importante do programa, criou condições muito mais propícias para a inversão especulativa do que produtiva. Durante os anos 80 aconteceu uma verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas transações, puramente monetárias, acabaram por diminuir o comércio mundial de mercadorias reais.

Por fim, ironicamente, quando o capitalismo avançado entrou de novo numa profunda recessão, em 1991, a divida pública de quase todos os países ocidentais começou a reassumir dimensões alarmantes, inclusive na Inglaterra e nos Estados Unidos. Nessas condições, pela lógica, era de se esperar uma forte reação contra o neoliberalismo, (...) mas o projeto neoliberal continua a demonstrar uma impressionante vitalidade.

“O Estado de bem-estar, com todas as suas transferências de pagamentos generosos desligados de critérios, de esforços ou de méritos, destrói a moralidade básica do trabalho e o sentido da responsabilidade individual. Há excessiva proteção e burocracia”.

Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou um êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar à sua norma.

Perry Anderson- Balanço do Neoliberalismo

Quem Manipula Quem?

Os elementos componentes de cada esfera do pensamento e da ação são reduzidos a estruturas generalizáveis, abstratas, intercambiáveis, válidas para qualquer contexto. O princípio básico da lógica da mercadoria é sua conversibilidade geral. Ela fala todas as línguas, atende os interesses mais genéricos, serve a todos.

Enquanto a crítica de esquerda preocupava-se em seguir as etapas da construção do pensamento teórico capitalista, construindo a sua ciência, tão racional quanto a do capital, este avançava cada vez mais por horizontes impenetráveis da crítica: a mística, o feitiço, o sonho, a fantasia. O capitalismo trabalhou o imaginário das pessoas, de forma a seduzi-lo com promessas de felicidade, enquanto a esquerda, tristemente antiquada, buscava afirmação teórica e politização.

O discurso místico, das aparências, das ilusões, da formalidade, do “hiperreal”, a lógica do espetáculo, do jogo, da encenação, tudo isso parece- embora absurdamente fantástico- o único discurso efetivo da nossa sociedade e cultura.

A farsa impôs-se definitivamente como regra na política, na economia, na cultura, na arte, na filosofia. O que atribuir ao discurso que ainda opera com pares contraditórios falso/verdadeiro, senão um triste conceito de ingenuidade?

Esquerda e direita, dominantes e dominados, explorados e exploradores parecem mais conceito de uso político imediato, como argumentos de tachação, de estigmatização de adversários do que argumentos propriamente relacionados com algum sentido real.

A lógica do pensamento atual não necessita mais da comprovação, da verificação fiel, da derrubada de argumentos. Este modelo está superado. A lógica atual é absolutamente outra: todo o instrumental “científico” é amplamente utilizado para dar status de verdade às imposições.

Ciro Marcondes Filho- Quem Manipula Quem.

terça-feira, agosto 07, 2007

Absorção...

“A vida em seu conjunto é também dividade entre ócio e trabalho e guerra e paz, e as atividades são classificadas em necessárias e úteis e belas.” (Aristóteles)

A 'primeira ciência', em que se conservam o bem supremo e o prazer supremo, constitui obra do ócio de alguns poucos, cujas necessidades já se encontram suficientemente providas por outra parte.

A unidade representada pela arte, o puro caráter humano das suas pessoas é irreal; constitui o oposto do que ocorre na realidade social efetiva. (...) Em Shakespeare, as pessoas são tão próximas entre si que entre elas não há nada em princípio indizível, inexprimível.

O Renascimento trouxe a idéia da alma como uma parcela do mundo a ser explorado e fruído. A riqueza da “vida interior”, o interesse pelas até há pouco negligenciadas “situações individuais, únicas, vivas” da alma, era parte do programa “viver sua vida profundamente e até o fim”.

Quanto mais se debilita a crença no além celestial, tanto mais vigorosa é a crença no além da alma. Na idéia do amor se assumiu a idéia pela constância da felicidade terrena, pela benção da independência, pela superação do fim. Os amantes da poesia burguesa amam contra a volubilidade cotidiana, contra as imposições do realismo, contra a morte.

O indivíduo é considerado uma mônada independente e auto-suficiente. Sua relação com o mundo é ou abstrata e imediata, o indivíduo constitui já um mundo em si mesmo (como um eu dotado de conhecimento, sentidos e vontade)- ou abstrata e mediata (é determinada pelas regras da produção de mercadorias do mercado).Em ambos os casos o isolamento do indivíduo enquanto mônada não seria superado.

Mas a idéia do amor exige a superação individual do isolamento da mônada.

Ao mesmo tempo em que na arte o amor seria alçado em tragédia, no cotidiano burguês ameça se converter meramente em obrigação e hábito. O amor contém em si mesmo o princípio individualista da nova sociedade: ele exige exclusividade. (...) Mas essa atribuição da alma aos sentidos exige deles algo que são incapazes de oferecer: eles devem ser subtraídos à diversificação e à mudança e incorporados à unidade e à indivisibilidade da pessoa.

A alma nos torna suaves, complacentes e obedientes aos fatos que, afinal, não têm importância.

A alma é então o decisivo: a vida não realizada e não satisfeita do indivíduo. Na cultura da alma foram absorvidas-sob falsas formas- aquelas forças e necessidades que não puderam mais encontrar seu lugar no cotidiano. O ideal cultural assumiu um anseio por uma vida mais feliz: por qualidades humanas, bondade, alegria, verdade, solidariedade. Mas todas elas são dotadas de uma caracterização afirmativa: a de pertencerem a um mundo superior, mais puro, não cotidiano.

“Cultura: domínio da arte sobre a vida”, eis a definição de Nietzsche.

A Beleza da arte- diferentemente da verdade e da teoria- é compatível com o mau presente: ela pode proporcionar felicidade nesse plano. A teoria verdadeira reconhece a miséria e a ausência de felicidade do que existe. Mesmo onde ela indica o caminho para a transformação, ela não oferece consolo algum que concilie com o presente. A felicidade é um consolo: o consolo do instante belo na seqüência interminável da felicidade O prazer da felicidade é confinado no instante de um episódio. Mas o instante contém em si a amargura de seu desaparecimento.

Esse é o milagre propriamente dito da cultura afirmativa. Os homens podem se sentir felizes inclusive quando efetivamente não o são. O efeito da aparência torna incorreta até mesmo a afirmação da felicidade própria. O indivíduo, remetido a si mesmo, aprende a suportar, e até mesmo a amar, seu isolamento. A cultura afirmativa reproduz e glorifica em sua idéia de personalidade o isolamento e empobrecimento social dos indivíduos.

São essas as idéias que o conceito de personalidade encerra. A harmonia privada no meio da anarquia geral, a atividade prazeroso no meio do trabalho amargo. Ela absorveu em si tudo o que é bom e rejeitou o enobreceu tudo o que é ruim. O importante não é que o homem viva a sua vida: o importante é que ele a vida tão bem quanto possível.

O espaço da realização exterior se tornou muito restrito, o espaço da realização interior, muito grande. O indivíduo aprendeu a cobrar em primeiro lugar de si mesmo todas as exigências. (...) Ele encontra sua felicidade no existente.

A singularização cultural do indivíduo em personalidades fechadas em si mesmos, portadoras de sua realização em si mesmas, afinal corresponde ainda a um método liberal de disciplina que não exige domínio sobre um determinado plano de vida privada.

Marcuse- cultura e sociedade

sexta-feira, agosto 03, 2007

Responsabilidade (?)

O resto das coisas, eu me digo baixinho, você ainda tem todo o resto das coisas.

Para não enlouquecer sem você, eu me agarro àquela lembrança desfocada e amarelada de que existe vida lá fora, e me pego tentando lembrar, com um esforço que quase me faz esquecer você por alguns segundos, o que seriam mesmo essas coisas.

Não quero sujar nosso amor com a minha mania de amar despedaçada e esfarelada.

O mundo fica passando como um filme Super Oito na parede, as pessoas estão felizes demais, mas parece que faz tempo demais e sentido nenhum. Sem você sinto essa felicidade sem som, como se, por maior que fosse um sentimento, ele já nascesse com defeito.

Eu sei que eu posso muitas coisas sem você, e eu sei que, se eu tomar um banho quente e comprar uma roupa nova, talvez eu possa querer uma coisa que seja, só uma, sem você.

Eu tenho medo da força que eu sinto sem você, de como eu tenho muito mais certeza de mim sem você, de como eu posso ser até mais feliz sem você.

Pra não pensar na falta, eu me encho de coisas por aí. Me encho de amigos, bares, charmes, possibilidades, livros, músicas, descobertas solitárias e momentos introspectivos andando ao Sol.

E todo esse resto de coisas deixa ao pouco de ser resto, e passa a ser minha vida, e passa a enterrar você de grão em grão e nada eu posso com a pá que está na minha mão.

Minha vida ficou velha quando te conheci.

Detesto saber que algo me espera, quero acabar logo com aquilo.

Não sei lidar com a responsabilidade da felicidade.

Quero que ele perceba o quanto sou chata, ciumenta, louca e doente.

E que ele enjoe logo da minha cara abatida de intensidade.

Que ele pegue logo bode do meu cansaço em viver tanto, porque vivo muito mesmo quando estou deitada olhando para um ponto fixo.

Era eu, entende? Era eu que me atracava com o lado errado da vida para estar sempre certa.

Com raiva da sua importância porque ela me congela, com raiva do tempo que não dura para sempre quando você me olha sabendo das minhas loucuras e ainda assim me amando.

Pode parecer maluco, mas todas as minhas súplicas para que você desista de mim, é um jeito maluco de pedir que você não desista nunca, pelo amor de Deus.

Eu chorei a nossa imperfeição, eu chorei a saudade enganada da nossa perfeição, eu chorei a nossa necessidade de não se largar, eu chorei a nossa necessidade de se largar, a nossa necessidade de fugir do mundo em nós e a nossa necessidade de fugir de nós procurando o mundo.

Eu chorei de pavor da rotina, de pavor do fim, de pavor de sair da rotina e começar outros fins.

Aliás, eu quero sim. Eu quero que você me diga quando for a hora de parar, de continuar e de não pensar em nada disso.


Mas eu chorei justamente porque descobri que viver na cabeça também é um tipo de coragem, porque eu não protejo a alma de feridas e nem de descanso.

Tudo fica mais doce sem a ansiedade da felicidade, tudo parece um livro de desenhos para colorir, e eu sei lidar melhor com ele. Eu carrego as cores e ninguém manda no meu quadro.

É mais fácil viver longe de você. É mais fácil acordar feia e isso ser só mais uma visão da vida. É mais fácil dormir sem querer alcançar a vida ao lado, porque é preciso morrer um pouco para dormir e eu odeio essa sensação de intensidade absurdamente viva que eu sinto cada vez que miro um pedaço seu, espalhado no seu mundo entreaberto.

Nenhum pensamento meu tem o poder de te machucar, nenhum mundo para onde eu vá tem o poder de te causar desespero.

Você sempre me deixa, mesmo ficando colado comigo.

Quando a gente ama, a gente entrega a alma para alguém que não sabe direito nem o que fazer com a própria.

Eu queria não acordar e lembrar que ainda preciso conquistar você, porque você brinca de ser meu, mas mora do outro lado mundo.

Eu já estava me acostumando com a vida assim, a vida quente e confortável do chão firme e certo.

Eu cansei de ser perdoada, compreendida e aceita. Eu cansei do mundo evoluído, porque eu sou bicho e esse mundo evoluído me humilha demais.

Alguém aí pode admitir por um segundo a inveja, o cansaço, o ciúme, a dor, a porra toda que essa química causa no nosso cérebro quando se espalha sem pedir permissão e joga essa doença toda pra cima da gente, a gente que estava calmamente vivendo nossa vidinha idiota?

Alguém aí pode deixar de segurar na muleta do divertimento, jogar copos longe, cigarros longe, bocas alheias, fugazes e desconhecidas longe, roupas longe, colares e pulseiras longe, poses e armações de sutiãs longe,…?

Você cabe de sobra na minha intensidada, e acaba que a minha neurose fria é o quentinho da sua cama.

Tati bernardi
www.tatibernardi.com.br