terça-feira, agosto 28, 2007

O Que é Real- II

Imaginar uma prática que permita a alguém, por enunciar a verdade, pelo próprio fato de dizer verdadeiro, transfigurar-se.

Dizer verdadeiro da insuficiência dos esquemas identitários, das certezas que tinha.

Dizer o fato de ter sido "tomado" por algo, de estar "apaixonado", agir para viabilizar paixões à medida que o outro permita, isto é, levando o outro em conta.

"Eu gostaria de deixar ver meus pensamentos,
em vez de traduzi-los pela linguagem. (...)
Acima de tudo, eu gostaria de te fazer compreender que tudo que me acontecer de dizer, eu o penso, e não apenas penso, mas amo. (...)
O essencial é dizer o que se pensa, pensar o que se diz;
fazer com que a linguagem esteja de acordo com a conduta." (FOUCAULT)

Não basta dizer que algo é verdade.
É preciso fazer compreender que efetivamente experimento como verdadeiras as coisas que digo.
E não somente que as experimento e considero verdadeiras, mas que as amo, sou ligado a elas e minha vida é comandada por elas.

Para garantir a franqueza de um discurso, é preciso que seja sensível à presença daquele que fala naquilo que diz,
e a verdade do que ele diz precisa ser selada pela maneira como vive.

"Dizer verdadeiro" é não falar a partir de um centro,
de um "eu" que se percebe inteiro por estar referido a um olhar unificador.

É falar sem saber bem o que se está dizendo,
deixar que o falar nos atravesse, se manifeste em nós, estranho a nós, vindo de alhures,
não reivindicar a autoria dessa fala e não querer controlar seus efeitos.

O que se propõe é sacudir o jogo de verdade de uma paixão transferencial,
"abri-lo" para permitir o surgimento de outros jogos.

Estratégia de liberdade.
Porque estar apaixonado também é prender-se,
por um momento, num jogo de verdade,
e se as condições de possibilidade para sustentá-lo deixam de estar presentes,
o que se propõe não é substituí-lo por outro jogo, "mais verdadeiro".

O que se quer é multiplicar os jogos possíveis de verdade,
multiplicando possibilidades de satisfação;

quando um jogo de verdade não permite satisfação,
não permite escoamento,
que se abram caminhos que levem a outros jogos,
"realidades de um novo tipo" (FREUD).