terça-feira, agosto 28, 2007

Real...

Basta que eu veja nitidamente com os olhos ou com os ouvidos, ou com outro sentido qualquer, para que eu sinta que aquilo é real.
Pode ser mesmo que eu sinta duas coisas inconjugáveis ao mesmo tempo. Não importa.

Mas tudo é absurdo. E o sonho ainda é o que o é menos.

Por que exponho eu de vez em quando processos contraditórios e inconciliáveis de sonhos e aprender a sonhar?
Porque, tanto me habituei a sentir o sonhado tão nitidamente como o visto
que perdi a distinção humana, falsa creio,
entre a verdade e a mentira.

Aquilo que se perdeu,
aquilo que se deveria ter querido,
aquilo que se obteve e satisfez por erro,
o que amamos e perdemos e,
depois de perder, vimos,
amando por tê-lo pedido,
que o não havíamos amado;
o que julgávamos que pensávamos quando sentíamos;
o que era uma memória e criamos que era uma emoção....

Nunca desembarcamos de nós.
Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos.

Nada realizamos.
A vida atira-nos como uma pedra e nós vamos dizendo no ar
"Aqui me vou mexendo".

A vida é o que fazemos dela.
As viagens são os viajantes.

O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Fernando Pessoa- Livro do Desassossego