O homem não deve poder ver a sua própria cara.
Isso é o que há de mais horrível. (...)
Só nas águas dos rios e lagos ele podia fitar seu rosto.
E a postura, mesmo, que tinha de tomar, era simbólica.
Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver.
O criador do espelho envenenou a alma humana.
Se me pedissem que explicasse o que é este meu estado de alma,
eu responderia mudamente apontando para um epelho, para um cabida e para uma caneta com tinta.
Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados.
O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos,
por que se conquista o internato num manicômio:
a incapacidade de pensar, a amoralidade, a hiperexcitação.
Fernando Pessoa- Livro do Desassossego