quinta-feira, maio 31, 2007

Pare...

Eu não sei dizer
o que quer dizer
o que vou dizer
eu amo você
mas não sei o que
isso quer dizer
eu não sei por que
eu teimo em dizer
que amo você
se eu não sei dizer
o que quer dizer
o que vou dizer
se eu digo pare
você não repare
no que possa parecer
se eu digo siga
o que quer que eu diga
você não vai entender
mas se eu digo venha
você traz a lenha
pro meu fogo acender

Zeca Baleiro-Lenha

quarta-feira, maio 30, 2007

Mentir sozinho eu sou capaz...

Na era moderna, contudo, com o surgimento das organizações industriais de grande escala e com o desenvolvimento da cultura de massa, os indivíduos foram sempre mais absorvidos numa totalidade social que não faz concessões à idéia tradicional de individualidade. Os indivíduos se tornam sempre mais dependentes das forças sociais e econômicas que estão fora de seu controle. Os produtos da indústria cultural contribuem para esta integração ao legitimar a ordem existente e ao fornecer ídolos populares que possibilitam às massas experenciar vicariamente os resíduos de individualidade que na prática lhes é negado. A sociedade moderna se tornou uma enorme e muito bem lubrificada máquina onde os indívduos não são mais que partes funcionais.

Não é absolutamente claro que todos, ou mesmo a maioria, os indivíduos das sociedades industriais modernas estejam nitidamente integrados na ordem social, que suas faculdades intelectuais estejam tão profundamente embotadas a tal ponto que eles não sejam mais capazes de ter um pensamento crítico e independente.

É provável que imagens estereotipadas e padrões repetitivos dos produtos culturais contribuam, até certo ponto, para a socialização dos indivíduos e para a formação de sua identidade. Mas é também provável que os indivíduos nunca são totalmente moldados por esses e por outros processos de socialização, e que eles são capazes de manter ao menos certa distância, tanto intelectual quanto emocionalmente, das formas simbólicas que são construídas deles, para eles e ao seu redor.

Ideologia e Cultura Moderna- Jonh B. Thompson.

terça-feira, maio 29, 2007

Greve

Universidade pública - o mito do elitismo, artigo de Carlos Henrique de Brito Cruz

Ali se afirma que 'a canalização de grande parte do orçamento da educação para o financiamento das instituições federais de ensino superior reduz o montante de recursos disponível para os demais estágios da educação'.


Por fim, o documento condena a Universidade pública por servir 'aos 10% mais ricos'.

Nos dois casos se procura debitar à Universidade pública o ônus da desigualdade educacional.

É severamente míope o argumento apresentado nesses documentos, ao supor que a função social da Universidade seja somente beneficiar aqueles que a freqüentam.

Os motivos que têm levado as sociedades, desde o ano 1000, a criar boa educação superior em Universidades nada têm que ver com a riqueza ou pobreza dos alunos que as freqüentam.

Têm, sim, que ver com a necessidade, essencial para o desenvolvimento das nações, de qualificar pessoas com os níveis mais elevados de educação.

Pessoas capazes de trabalhar com o conhecimento humano, que dão lugar a novas descobertas e usam as já feitas para criar bem-estar e desenvolvimento.

A Universidade não serve 'aos 10% mais ricos' - serve ao Brasil.

Até hoje não houve nação que alcançasse o status de 'desenvolvida' sem contar com lideranças intelectuais assim formadas.

Para que boas Universidades possam formar as lideranças intelectuais é preciso que garantam um ambiente aberto e acolhedor da diversidade - é assim que os jovens podem aprender mais e melhor e desenvolver ao máximo suas capacidades intelectuais.

Em nenhum país é o ensino superior privado com fins lucrativos que atende, com qualidade, um número relevante de estudantes.

São as boas Universidades públicas, como as do Estado de SP, e várias outras que existem no Brasil, que fazem isso. O governo federal parece achar que boa educação superior custa muito caro. Esperemos que não pretenda levar-nos a experimentar o superior custo da ignorância.

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Universidade em ritmo de barbárie, artigo de Nelly Carvalho

Quando assumiu o poder, a elite vinda das Universidades paulistas, todos pensamos que chegara a hora da redenção do ensino universitário público, mas frustrados, vimos que as aposentadorias esvaziaram as cátedras, os salários foram congelados e criou-se esse equívoco, o professor substituto, a solução que é um problema: a interinidade alia-se ao despreparo e à inexperiência para aligeirar o ensino e apressar o ritmo da barbárie.

No fim da festa, no baile da Ilha Fiscal do último ministério, aprovaram-se tantos cursos de nível superior, quanto pudesse caber no papel. Qualidade era coisa sem importância, que não valia a pena exigir. Resultado: criou-se um curso superior em cada esquina, sem que se aliasse a isso conhecimento e oportunidade de empregos.

Além do mais - sinal dos tempos globalizados - grupos universitários internacionais descobriram e já disputam o mercado brasileiro de pós-graduação e até de graduação, querendo que esses cursos possam ser comercializados livremente.

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A motivação política da expansão do ensino superior privado: causas e conseqüências
Franklin Leopoldo e Silva - professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

A entrada da iniciativa privada no ensino superior deu-se primeiramente por meio de uma ampliação das atividades que os empresários da educação já exerciam na esfera do ensino básico. Assim, a mesma mentalidade organizacional que fez expandir e consolidar as empresas de ensino de primeiro e segundo graus passou a reger as iniciativas privadas no ensino universitário, até porque se tratava dos mesmos grupos.


Os parâmetros de eficiência e lucratividade excluíam qualquer ideário pedagógico mais consistente, o que foi substituído pelo senso de oportunidade comercial na organização e venda de serviços segundo o critério da demanda.

Como este rebaixamento redundava num aumento visível do número de graduados em nível superior, isto também vinha ao encontro das expectativas do governo, na medida que constituía uma maneira de alimentar com ilusões e falsas esperanças os anseios de ascensão da classe média.

Assim, a situação que se configura como "elitista" tem raízes profundas fora da universidade, já que os colégios públicos não oferecem condições para que seus alunos possam competir em condições de igualdade.

A idéia de que a universidade pública destina-se aos carentes é equivocada ou demagógica. Ela destina-se a todos aqueles que cumprem os requisitos de ingresso.

Ocorre que as universidades públicas mais conceituadas têm uma história caracterizada pela manutenção de um elevado padrão de ensino e de exigências, o que já está presente, pelo menos em parte, nos exames de ingresso. Essas exigências estão largamente distanciadas do preparo que o aluno do colégio público recebe.

Juntando-se a isto o número cada vez mais elevado de postulantes, o resultado é o afunilamento que, na prática, se traduz nas diferenças sócio-econômicas.

A universidade não resolve por si mesma e imediatamente as carências sociais, embora possa contribuir, na esfera que lhe é própria, para o encaminhamento de soluções. Está inscrita na própria idéia de autonomia universitária uma relação mediada com a sociedade.

No plano das relações institucionais esta instância tende a ser o Estado e, na prática, os governos. Deste modo correr-se-ia o risco de inserir a universidade no ritmo das conjunturas políticas que se sucedem, o que equivaleria a um profundo desequilíbrio do trabalho universitário, o qual deve ser orientado por um núcleo permanente em que resida o ideário mais amplo e mais originário pelo qual a instituição se deveria pautar.

Boa parcela das acusações de arcaísmo, corporativismo e ineficiência feitas à universidade pública visa, na verdade, ao distanciamento que ela, em grande parte, ainda mantém do mercado. E por não estar limitada pelas injunções do mercado é que a universidade pública pode cumprir o seu papel histórico e social de produção e disseminação do conhecimento, e também manter com a cultura uma relação intrínseca que se manifesta numa possibilidade de reflexão que foge aos moldes do compromisso imediatamente definido pelas pressões de demanda e de consumo.

A dedicação exclusiva ao ensino e à pesquisa que, como já mencionamos, é fator preponderante no aprimoramento das atividades nas melhores universidades públicas, não foi pensada pelos seus idealizadores como uma medida técnico-administrativa, visando a maior eficiência do trabalho universitário.

O fato de a pesquisa básica ter se desenvolvido graças a esse fator mostra a vinculação intrínseca deste regime de trabalho com uma idéia de universidade que se pauta pela recusa de entender o ensino e a pesquisa como serviço e mercadoria. A produtividade acadêmica, em nível didático ou da pesquisa, não se vincula a produtos ou à venda de serviços. E foi precisamente graças a este distanciamento que a universidade pôde contribuir para a solução de problemas nos mais variados aspectos da organização social: porque tais soluções surgiram a partir da liberdade de pesquisa e de uma visão de maior alcance das relações entre a ciência e o desenvolvimento tecnológico.

São as mediações que resguardam a universidade pública da subordinação imediata ao mercado e os fatores que permitem a qualidade de sua contribuição à sociedade. É a independência nos processos de investigação e de debate que garante o desenvolvimento da produção, da transmissão e da aplicação do saber.

A autonomia da universidade, requisito para a realização da idéia de universalidade, não significa que a instituição abstrai o contexto social no qual se insere. A independência, como distanciamento crítico, possibilita, ao contrário, que este contexto possa ser pensado como um pólo de relação que não se confunde com qualquer conjunto de interesses particulares, sejam eles mercadológicos, empresariais ou políticos.

A quem serve a pesquisa básica? Do ponto de vista de interesses imediatos, a ninguém. Do ponto de vista de sua inserção num projeto histórico-político emancipatório de dimensões amplas, serve a todos, serve à nação.

Por desprezarem esta mediação e esta diferença, muitos vêem na pesquisa básica e na dedicação exclusiva um ônus pesado e inútil. Parte dos que pensam assim o fazem por ignorância; outros, entretanto, representam interesses político-econômicos que seriam mais bem atendidos por um projeto contrário ao desenvolvimento social e à emancipação.

E, lamentavelmente, entre estes últimos encontram-se aqueles que estão em posição de interferir nos destinos da universidade pública.
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segunda-feira, maio 28, 2007

Sobremesa

Eu consegui, por hoje deu tudo certo.
Fui inteligente e carinhosa durante o cinema.
Depois fui engraçada e um pouco mais carinhosa durante o jantar.
Na minha casa eu segui conseguindo, conseguindo ser alguém com quem se quer passar um feriado em Buenos Aires.
Mas tenho certa pena do dia de hoje, tenho certa pena de como esse dia corretinho, linear e brilhante pode ser corroído pelas chuvas, calores e sujeiras.
E acabar como algo disforme, fosco e fraco.
Está acabando a história, mas ainda dá tempo de não amar mais um pouquinho.

Mando uma mensagem para ele,
que a essa altura dorme abraçado a uma menina que já encheu o saco,
achando que encontrou a mulher da vida.
Mando uma mensagem para ele,
que a essa altura dorme demais como sempre e já deve ter me esquecido,
mesmo lembrando de mim em todos os intervalos de coisa melhor pra pensar.
Ainda assim, ainda que eu esteja cercada de tantas coisas tão corretas quanto a cama ser algo para deitar,

eu me pergunto: por que o mundo é tão estranho?
Por que o telefone não toca?
Porque eu estou aqui, mais uma vez, deitada na minha cama,
achando tudo tão triste e solitário e estranho?
Viver é louco demais.
Mas ninguém fala isso, ninguém fala.
E eu me sinto tão absurdamente sozinha.
Sozinha e hipócrita, porque eu também não vou ligar pra ninguém e falar que o mundo é louco demais.
Nós vamos mais uma vez nos olhar querendo transar até amanhã,
mas vamos apenas assistir à novela e tentar adivinhar as falas.
Nós vamos mais uma vez querer atravessar as ruas de mãos dadas,
mas vamos brincar de dar ombradas um no outro.
Eu prefiro morrer sua amiga do que quebrar algum elo misterioso e te perder para sempre.
Te perder como sempre.
Não demora muito para eu começar a competir com você.

E querer ser melhor que você.
E querer isso justamente para que você nunca deixe de me admirar.
Mas eu, mais uma vez, sem ter medida de nada, vou te sufocar com meu saquinho furado.
Meu saquinho onde todo e qualquer amor ainda é pouco.
Porque meu vazio é imenso.
Acordar ainda dói um pouco,

não por nada,
apenas porque simplesmente dói lembrar que continuamos sem saber ao certo o que significa tudo isso.
Mas a cortininha de vidro que separa meu quarto minúsculo da minúscula sala
me traz aquela magia fugaz que engana o espítito um pouco e traz a paz da futilidade.

www.tatibernardi.com.br

Eternidades da Semana

A essa altura, afundados demais, o fato deixou de ser um fato para se tornar apenas sua difusa repercussão.

De nada adiantava o vago esforço constrangido que faziam: a trama lhes escapava diariamente.

Na verdade também estavam calmos porque "não conduzir", "não inventar", "não errar" lhes era, muito mais que um hánito, um ponto de honra assumido tacitamente.

Não poderia permanecer muito tempo assim, pois tocar no fundo também significa ter água acima da cabeça. Eram assim os seus momentos concretos.

Calados quanto ao entrevisto por cada um, discordando quanto à hora mais conveniente de jantar, um servindo de sacrifício para o outro, amor é sacrifício.

Os Obedientes- Clarice Lispector.

sexta-feira, maio 25, 2007

Semana de Psicologia- Teorias e Práticas.

A psicologia tem ou não tem algum poder de transformação social?

Até que ponto as práticas psicológicas não são apenas práticas remediativas,
que minimizam os efeitos produzidos pela sociedade nos "desadaptados", "desajustados",
sendo as terapias e intervenções em escolas, hospitais, etc, apenas ações "tapa-buraco"?

Por exemplo, promover a inclusão no mundo do trabalho não é algo que merece ser visto como cruel,
mas também não remete à nenhuma transformações das relações sociais que produzem a exclusão.

Não é só de boas intenções, de identificação, de carinho pelo ser humano que se faz um bom psicólogo.
Qual é enfim o vácuo existente entre a teoria, os tão bonitos discuros,
e a prática, a verdadeira aplicação?

Pensar de modo pragmático, se funcionar, é o que vale,
faz com que pesquisas corram cada vez mais na busca de uma pílula que amenize todos os sintomas de estresse, ansiedade, angústia e depressão
que os reais problemas- os de cunho geralmente social- produziram, como se os problemas estivessem nas conseqüencias, e não nos reais motivos.

Se existe fome, mas existe comida suficiente no mundo,
podemos afirmar que o mundo como é formado é voltado para as pessoas que vivem nele?
A produção de comida é feita para o mercado, não para as pessoas.
É só ir até um supermercado e ver como as mercadorias são atraentes, coloridas, chamativas, alegres, sensuais, enquanto somos nós que estamos sendo cada vez mais coisificados.
Não é o supermercado que existe para atender as necessidades do consumidor.
É o consumidor que existe para atender as necessidades do supermercado.
...

Pensar não é somente calcular.
A impressão que a gente tem é que a técnica é a coisa mais prática que existe,
mas não,
se formos ver o que é a prática,
a prática inclui a realização do que existe potencialmente,
e não só a execução previsível e seqüencial de certos mecanismos, que é a técnica.

Não adianta continuarmos lendo livros que nos dão técnicas de felicidade,
técnicas de como beijar melhor, técnicas dos orgasmos múltiplos,
técnicas de se dar bem com todos que convive.

Quantas vezes em nosso dia-a-dia basta apertar um botão para que mil coisas aconteçam sem que tenhamos quase nenhuma noção do processo que as faz acontecer,
então quando estamos diante de alguma experiência humana,
é "automático" perguntar-se:
e agora, "onde eu aperto o botão?"

...

Descongelar-se, desengessar-se do tempo,
de ser "como as circunstâncias assim me fizeram",
é óbvio que somos determinados,
mas é inevitável que você se produza em algum sentido,
e é esse potencial que está sendo condicionado à idéia de que as coisas são como elas são,
de que o que existe é o que é o mundo de verdade,
que as coisas são naturalmente do modo como estamos vendo
e que é um absurdo pensar o contrário,
pensar que não, que é o mundo que tem que ser transformado,
e não aqueles que não se "ajustam" à realidade que é tão "natural".

Como a psicologia superaria o abismo entre teoria e prática?
Construir relações,
enxergarmos as pessoas não como algo que você precisa descobrir "como funciona",
partindo da idéia de que ela é como ela é e que as coisas como são são naturais,
que o que precisamos é encontrar o adequamento mais eficaz.

Se as pessoas começassem a procurar o que são as pessoas nas pessoas
e não em supostos manuais de instruções e teorias com técnicas de passo-a-passo sobre como consertar, saber lidar ou fazer alguém ou alguma relação funcionar,
a psicologia já poderia começar a responder afirmativamente à pergunta sobre se é possível alguma forma de transformação social.

Palestra do Professor Ari Fernando Maia.

quinta-feira, maio 24, 2007

No action...

(Four guys are walking down the street. They take turns talking)

If the world that we are forced to accept is false and nothing is true, then everything is possible.
The comfort will never be comfortable for those who seek what is not on the market.
A systematic questioning of the idea of happiness.
We’ll cut the vocal chords of every empowered speaker.


We’ll yank the social symbols through the looking glass

We’ll devalue society’s currency.
To confront the familiar.
Society is a fraud so complete and venal that it demands to be destroyed beyond the power of memory to recall its existence.
Where there is fire, we will carry gasoline.
To interrupt the continuum of everyday experience and all the normal expectations that go with it.
To live as if something actually depended on one’s actions.
To rupture the spell of the ideology of the commodified consumer society so that our repressed desires of a more authentic nature can come forward.
To demonstrate the contrast between what life presently is and what it could be.
To immerse ourselves in the oblivion of actions and know we’re making it happen.
An affirmation of freedom so reckless and unqualified, that it amounts to a total denial of every kind of restraint and limitation.
***


(The same four guys see an old man up on a telephone pole.)


Hey, old man, what you doin’ up there?
Well, I’m not sure.
You need any help getting down, sir?
No, don’t think so.
Stupid bastard.
No worse than us.

We're all theory and no action.
He’s all action and no theory.


Waking Life

O medo que as pessoas têm

E forte, cego e tenso fez saber

Que ainda era muito e muito pouco.

Faço nosso o meu segredo mais sincero

E desafio o instinto dissonante.

A insegurança não me ataca quando erro

E o teu momento passa a ser o meu instante.

E o teu medo de ter medo de ter medo

Não faz da minha força confusão...


Renato Russo

terça-feira, maio 22, 2007

Desconfortável

Se tudo existe é porque sou.
Mas por que esse mal estar?
É porque não estou vivendo do único modo que existe para cada um de se viver e nem sei qual é.
Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há.
Mas alguma coisa está errada e dá mal estar.
No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo.
Abro o jogo.
Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
O que há então? Só sei que não quero a impostura.
Recuso-me.
Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado.

Clarice Lispector

A razão é doentia.

E a razão cultua a identidade, a duração, a realidade, o ser e vemos com preconceito tudo o que não parta do "eu".
Cria-se o conceito de eu.
Cria-se o conceito de causa.

Somos tontos ainda de acreditar em qualquer coisa que seja expressa em palavras.

A "paz da alma" é um empecilho ao crescimento. Evoluímos através do conflito.

Que crime é dizer "o indivíduo deveria ser de tal maneira". O indivíduo é fruto da fatalidade.
Dizer-lhe: muda sua natureza, é pedir para inibirem-se e negarem a si mesmos!

A razão é doentia.

Quem disse que nós somos responsáveis pela nossa vontade?
Procuramos em nossa "consciência" "motivos" para os nossos atos.

Encontramos uma razão para as coisas depois que elas acontecem ou seja, a razão não é a causa, é a consequencia.
As coisas não são produzidas por uma razão, a razão é produzida pelas coisas!

Queremos uma razão para nos sentirmos bem ou mal mas não é a razão que explica a sensação, é a sensação que embasa a invenção da explicação racional.

Não é a memória que causa o fato, é o fato que causa a memória.

A razão reduz o desconhecido ao conhecido.
Alivia, tranquiliza, conforta, dá sentimento de poder e controle.

Nieztsche- Crepúsculo dos Ídolos.

segunda-feira, maio 21, 2007

Que dá dentro da gente e que não devia



O que será
Chico Buarque/1976

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita
O que será que será

Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite
O que será que me dá

Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

Ele sabe esperar em silêncio (?)

Todo mundo vai embora.

Em algum momento, em vários deles ou definitivamente, as pessoas sempre vão embora.
Talvez essa seja a pior coisa do mundo.

Ele vai embora, sempre, quando eu preciso de quinze minutos de silêncio complementar à minha entrega.
Que se dane o depois, eu sou agora, ou pelo menos era.

Sempre a mesma cara de tédio e de busca pelo resto que não se repete ou não se prolonga.

Ele sempre vai embora do meu mundo quando eu só queria que ele descansasse um pouco de ser ele o tempo todo...

Vivo com essa sensação de abandono, de falta, de pouco, de metade.

Eu não sei deixar ninguém partir, eu não sei escolher, excluir, deletar.
São as pessoas que resolvem me deixar, melhor assim, adoro não ser responsável por absolutamente nada, odeio o peso que uma despedida eterna causa em mim.

O outro foi embora a primeira vez porque estava bêbado demais,
foi embora a segunda porque ficou tarde,
foi embora a terceira porque teve medo de ficar pra sempre,
foi embora durante alguns longos anos porque todo o resto do mundo precisava dele e eu era apenas uma das demandas.

A gente sempre se despede lembrando da música do Chico que diz “o amor não tem pressa, ele sabe esperar em silêncio”.

Antes dele teve ainda um outro que sempre ia embora na espera de que existisse algo melhor do que eu, mas não ia definitivamente porque não é todo dia que aparece alguém melhor do que eu. Um dia apareceu, ela até que é bonita e tal, não parece tão confusa e intensa e talvez mediocridade seja tudo de que uma pessoa precise para ser feliz.

Mas a última vez que ele foi embora, antes me deu um abraço de quem nunca saiu do mesmo lugar.

Fazia tempo que alguém não ficava tão calado enquanto eu apenas existo,
fazia tempo que alguém não ficava tão perdido só porque me encontrou,
fazia tempo que eu não me olhava no espelho e sorria,
sabendo que sim, sim, sim, sou bonita ora bolas! Sou interessante!
Da onde eu tinha tirado o contrário nos últimos meses?

Todo mundo chega na sua vida.
Em algum momento, em vários deles ou definitivamente, as pessoas sempre chegam.
Talvez essa seja a melhor coisa do mundo.

... no final a gente acaba mesmo numa esquina qualquer, lembrando de alguém que um dia chegou e depois foi embora, perplexo.

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Semana de Psicologia- Sexualidade e Deficiência.


Ao pensar-se em sexo, sexualidade, logo se associa a algo mais genital. As idéias que temos sobre sexo, socialmente construídas, aparecem muitas vezes em formas de regra e padrões que delimitam questões como masturbação, sexualidade infantil, ficar, virgindade, prostituição.

A sexualidade, antes de tudo, é um atributo e um direito humano. Todo mundo ama, nem que seja um objeto, um ídolo, amar é inerente a nós.

O conceito de deficiência, que inicialmente é algo que implica em limites de desenvolvimento, também é construído por um julgamento social. Por exemplo, quem não tem um dedo, é deficiente físico?

Já é difícil alcançarmos os padrões, quando uma orelha de abano pode ser considerada uma deficiência que precisa ser corrigida por uma cirurgia plástica, se formos considerar o fato do julgamento social. Imagina para aqueles que portam uma deficiência como síndrome de down ou tretraplegia, essas limitações sociais são ainda mais difíceis.

Não é uma questão apenas da pessoa com deficiência, mas também da família. Quando, por exemplo, o filho nasce com alguma deficiência há todo um luto quanto a um filho perfeito a ser trabalhado. Ou então quando você se apaixona por alguém, namora, se casa, mas essa pessoa sofre um acidente, muitas coisas na vida, no jeito da pessoa irão mudar de forma que você pode não ver mais nela aquela que você escolheu, aquela por quem você se apaixonou, mas existe uma cobrança muito forte, você não pode "abandoná-lo" já que agora "ele está desse jeito, coitado".

As idéias iniciais de inserção consistiam em modificar o comportamento dos deficientes de maneira que eles se adaptassem à sociedade. Mas agora se reconhece a importância da modificação da sociedade para que haja uma adaptação, que seja trabalhada a questão do "normal", isso não só no que diz respeito à deficiências físicas, mas na questão de pobres, negros, homossexuais.

Pensamos: "não vou ficar olhando, não vou reparar, se não vai parecer que eu estou discriminando."

Sobre a sexualidade, muitas vezes em conversas corriqueiras, ou não falamos, ou falamos em forma de piada.

Muitas vezes o deficiente, na síndrome de down por exemplo, é visto como tarado, que agarra e lambe a todos, com a sexualidade exarcebada, os hormônios a flor da pele, descontrolados, etc. Mas não há nada na trissomia do cromossomo 21 que altere o comportamento sexual da pessoa. Existem mudanças como provável infertilidade, testículos e pênis menores, tendência à obesidade, mas o fato de se comportarem "inadequadamente" se relaciona mais expressarem sua sexualidade de maneira visível do que com a ocorrência de comportamentos "aberrantes".

Há toda uma infantilização do excepcional, são vistos como eterna crianças, são muito cuidados, muito vigiados. Não tomam banho sozinhos, não usam o banheiro sozinhos, estão sempre sendo observados, em casa, nas relações sociais, pelo medo de que machuquem alguém ou sejam machucados.

Não os vemos fazendo cocô no meio do pátio, na sala de aula, porque isso foi aprendido. Já a masturbação, não. O fato que chama atenção é que muitas vezes ela ocorre em lugares públicos, e não escondidinho, debaixo do cobertor, no banheiro, como acontece com as pessoas nessa mesma fase de descoberta. A questão da falta de privacidade influi muito.

Imaginam que conversar sobre sexualidade acabaria provocando-a, despertando-a. Sexualidade não se desperta, a gente nasce com ela, e quanto menos informação, mais fantasia. Como uma das meninas que, ao usar massinha para fazer uma vagina, colocou várias bolinhas. Quando foi perguntada sobre o que eram as bolinhas disse: "São os óvulos." Ou então a garota que escuta que o pênis é um pau, e imagina que seja como um cabo de vassoura.

Defende-se a esterelização, alegando que eles não têm condições de educar um filho, ou então que as meninas "transam com todos", "não sabem diferenciar paquera de assédio", sofrem abusos, etc.
Uma das meninas que foi esterelizada, nem sobre a esterelizãção foi informada e disse: "não posso transar nunca mais porque sou costurada agora".

Muitas vezes se enfatiza "Deficiente escreve um livro", e se vai do coitadinho ao super-herói, mesmo que ele seja um péssimo escritor. Não é o direito de escrever o livro que leva as pessoas a falarem sobre o livro, mas a piedade.

As crianças, quando respondem o que querem ser quando crescer declaram ambições como "astronauta", "jogador de futebol". Para o deficiente, não há nem mesmo a idéia de que se, "quando crescer", poderá pegar um ônibus sozinho.

Com pessoas que sofrem acidente e ficam na cadeira de rodas, há muitos manuais de como recuperar a ereção, de técnicas para se chegar ao orgasmo, mas não se fala muito na questão de como é estar numa posição em que para falar com as pessoas é necessário olhar para cima, associado à falta de autonomia, à dependência, precisa-se parar de trabalhar e de realizar muitas tarefas, o homem se sente menos homem, a mulher não consegue imaginar-se como alguém sedutora novamente.
As coisas não são mais como era antes, a sexualidade é algo a ser reaprendido.

Palestra de Ana Cláudia B. Maia.

sexta-feira, maio 18, 2007

Persuasão

Se eu fosse sem dizer palavra será que você escutaria
o silêncio me dizendo que a culpa não foi sua
É que eu nasci com o pé na estrada com a cabeça lá na lua
Tenho feito meu caminho

volta e meia fico só,
reconheço meus defeitos
e o efeito dominó,
Mas se eu ficasse ao seu lado de nada adiantaria
Quando menos se espera

O que seria já era?
o que seria de nós
Se não fosse a ilusão
Que nos trouxe até aqui?
Cama de casal

Luz bem baixinha pra ver
Gemidos de dor e alegria
Sair de si por três minutos
Supermercado, escolher iogurte
Fazer compras juntos
Brigar por besteiras
Que o teu silêncio me agride

E não me agrada ser
Um calendário do ano passado
Prá dizer que teu crime me cansa
E não compensa entrar na dança
Depois que a música parou
Duas pessoas são duas verdades

E, na verdade, são dois mundos...
tuas palavras como um espelho

ofereci abrigo, um lugar para ficar
ela me olhou como se soubesse desde o início
que eu também não era dali
e quando sorriu ficou ainda mais bonita
tinha a força de quem sabe
que a hora certa vai chegar.

Humberto Gessinger.

Instruções

Se queres sentir a felicidade de amar,
Esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
(...)

As almas são incomunicáveis.
Deixe o teu corpo entender-se com outro corpo,
porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Manuel Bandeira.

segunda-feira, maio 14, 2007

Cultura da Interface

Em vez de teclar comandos obscuros, o usuário podia simplesmente apontar para alguma coisa e expandir seus conteúdos, ou arrasta-la através da tela. Em vez de dizer ao computador para executar uma tarefa específica- “abra esse arquivo”- os usuários pareciam fazê-lo eles próprios. A imediatez táctil da ilusão dava a impressão de que agora a informação estava mais próxima, mais à mão, em vez de mais afastada.

Pela primeira vez a máquina era imaginada não como um apêndice do nosso corpo, mas como um ambiente, um espaço a ser explorado.

A informação que chega à tela da nossa TV é inflexível, consumimos o que as redes de televisão nos mandam consumir. O único mecanismo de feedback que temos é o controle remoto, a filtragem que podemos fazer é a mudança de canal.

As janelas são elementos mais fluídos, mais portáteis. Podemos arrastá-las pela tela, alterar seu tamanho com um só clique do mouse. São projetadas para ser maleáveis, mutáveis. A maioria dos usuários de computador está constantemente mexendo em suas janelas, aumentando, diminuindo, empurrando-as ou pondo-as em foco. Para os céticos do high tech, as janelas são um questão de síndrome de déficit de atenção.

Mas o que há de mais revolucionário é que de fato há conexões entre as várias escalas que um itinerante da Web faz em sua jornada. Esses vários destinos não são fortuitos, mas ligados por vínculos de associação. Alguém que assisti televisão fica saltando entre diferente canais porque está interessado. Quem acessa a web clica em um novo link porque está interessado.

O uso de um processador de textos muda nossa maneira de escrever- não só porque estamos nos valendo de novas ferramentas para dar cabo da tarefa, mas também porque o computador transforma fundamentalmente o modo como concebemos nossas frases, o processo de pensamento que se desenrola paralelamente ao processo de escrever. Os comandos de voltar e o verificador ortográfico- tornam muito mais fácil aviar dez páginas num tempo que teríamos conseguido rabiscar cinco com caneta e papel.


Cultura da Interface- como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar
Steven Johnson

sexta-feira, maio 11, 2007

Uma pessoa só não conta, uma pessoa só não é ninguém...

Ao tentarem “pôr em ordem” seus relacionamentos, as pessoas discutem, criticam-se mutuamente, mostram de maneira lógica as contradições nos argumentos emocionais dos outros, apontam detalhes. Depois ainda se perguntam como o sentimento espontâneo do calor humano desapareceu...

Nos apaixonamos e desapaixonamos, vivemos de drama em drama, sentindo-nos em êxtase quando o romance está no auge do calor e caindo em desespero quando ele começa a esfriar.

Ainda não ocorreu a nós deixarmos de olhar para uma pessoa por quem nos apaixonamos como símbolo de alguma coisa e começarmos a vê-la simplesmente como uma pessoa. A idéia de que o “amos verdadeiro” é uma adoração e idolatria mútua tão irresistível que nos faz sentir que todo o céu e a terra nos são desvelados através desse amor. Queremos que essa adoração arda mesmo quando dividimos um cotidiano não tão espetacular assim, com contas pra pagar, almoço pra preparar, filhos pra criar.

Relacionar-se e valorizar a pessoa como pessoa, não como aquela que carrega sua alma perdida e sua vida não vivida. Nos preocupamos muito em manter viva e vibrante a fantasia e não em entender que dois seres humanos mortais podem amar-se como pessoas comuns e imperfeitas e que podem sim, permitir que as projeções se desvaneçam.

Mas não gostamos de algo que seja “simples” para nós “simples” significa monótono ou obtuso ou estúpido. Se um relacionamento direto, simples e espontâneo está dando certo nós não aceitamos: “é monótono demais”, estamos mais acostumados a valorizar o que é exagerado, desafiador, “altamente excitante”.

Uma das contradições mais notórias é que muitos casais tratam seus amigos com muito mais bondade, consideração, generosidade- e até capacidade de perdoar- do que jamais fizeram um com relação ao outro. Quando as pessoas estão com seus amigos, elas são agradáveis, atenciosas e corteses, mas, quando chegam em casa, muitas vezes dão vazão à raiva, aos ressentimentos, às inseguranças, aos humores e às frustrações.

Quando duas pessoas estão apaixonadas, costuma-se dizer que eles são “mais que apenas amigos”. Mas, com o decorrer do tempo, eles parecem tratar-se como se fosse bem menos que amigos. Muita gente acha que estar “apaixonado” é um relacionamento mais íntimo, mais significativo, do que uma “mera” amizade.

Em sua própria essência, o amor é uma apreciação, um reconhecimento do valor do outro.

Quando percebermos que o relacionamento humano é inseparável da amizade e do compromisso poderemos, finalmente, descobrir- para a nossa surpresa- que o que mais necessitamos não é tanto sermos amados, mas sim, amar.


We- Robert A. Johnson

quinta-feira, maio 10, 2007

Higiene Mental do Comportamento Humano

É indiscutível que o ser humano não constitui máquina regulável e perfeita, que possa desempenhar as funções com rendimento máximo e mínimo de desgaste e prejuízo. Infelizmente ainda não chegou a época em que o indivíduo possa utilizar plenamente as potencialidades, pondo-os a serviço da sociedade, de forma útil e criadora.

Incompetente para solucionar o problema que está agindo como causa de sua irritação, a pessoa irada vê-se finalmente forçada a racionalizar e compensar a irritação, isto é, a transferir a culpabilidade do acontecimento a outras pessoas, inteiramente inocentes do ocorrido. Isso resulta do sentimento de frustração perante a incapacidade do indivíduo para resolver problemas. Dessa maneira, agora são terceiros que vão sofrer os efeitos de sua cólera.

O indivíduo dotado de empatia nunca pensa em si mesmo; age, luta, trabalha, empenha-se porque sente dentro de si próprio as angústias, as misérias que assaltam os infelizes deserdados de sorte. Não organiza campanhas, nem desfralda bandeiras. Trabalha ele mesmo, silenciosa e individualmente, para restaurar a dignidade humana dos farrapos sociais cujo sofrimento compartilha espiritualmente. O sentimento de empatia é indício seguro de ajustamento afetivo e de comportamento equilibrado e sadio.

O id, entidade ancestral e tirânica, não desaparece da personalidade humana por mais educada e civilizada que se torne. Se a personalidade humana se limitasse à existência do obscuro e incivilizado id, seríamos um bando de nômade sem cultura, sem educação, obedecendo apenas aos apelos dos instintos.

A importância da eugenia, a ciência que objetiva elevar o índice da espécie humana a altos pontos de desenvolvimento físico e mental. Há, certamente, a grande esperança no futuro da genética, e talvez seja até possível um dia interferir, definitivamente, alterando o quadro genético e destruindo os genes portadores de moléstias e deformidades.


Isaac Mielnik- guia básico de orientação humana- 1975.

quarta-feira, maio 09, 2007

Baby Picture

Time just dissolves into quick-moving particles that are swirling away. Either I’m moving fast or time is. Never both simultaneously.

It’s such a strange paradox. I mean, while, technically, I’m closer to the end of my life than I’ve ever been, I actually feel more than ever that I have all the time in the world.

When I was younger, there was a desperation, a desire for certainty, like there was an end to the path, and I had to get there.

I know what you mean, because I can remember thinking,

"Oh, someday, like in my mid-thirties maybe, everything’s going to just somehow gel and settle, just end."

It was like there was this plateau, and it was waiting for me, and I was climbing up it, and when I got to the top, all growth and change would stop.

Even exhilaration. But that hasn’t happened like that, thank goodness.

I think that what we don’t take into account when we’re young is our endless curiosity.

That’s what’s so great about being human.

Yeah, yeah. Well do you know that thing Benedict Anderson says about identity?

No.

Well, he’s talking about like, say, a baby picture. So you pick up this picture, this two-dimensional image, and you say, "That’s me."
Well, to connect this baby in this weird little image with yourself living and breathing in the present, you have to make up a story like, "This was me when I was a year old, and then later I had long hair, and then we moved to Riverdale, and now here I am."
So it takes a story that’s actually a fiction to make you and the baby in the picture identical to create your identity.

***

Waking Life

terça-feira, maio 08, 2007

O Futuro de Uma Ilusão

Ninguém, no entanto, alimenta a ilusão de que a natureza já foi vencida, e poucos se atrevem a ter esperanças de que um dia ela se submeta inteiramente ao homem. Há os elementos, que parecem escarnecer de qualquer controle humano; a terra, que treme, se escancara e sepulta toda a vida humana e suas obras; a água, que inunda e afoga tudo num torvelinho; as tempestades, que arrastam tudo o que se lhes antepõe; as doenças, que só recentemente identificamos como sendo ataques oriundos de outros organismos, e, finalmente, o penoso enigma da morte, contra o qual remédio algum foi encontrado e provavelmente nunca será.

É com essas forças que a natureza se ergue contra nós, majestosa, cruel e inexorável; uma vez mais nos traz à mente nossa fraqueza e desamparo, de que pensávamos ter fugido através do trabalho de civilização.

Trata-se de uma tarefa múltipla. A auto-estima do homem, seriamente ameaçada, exige consolação; a vida e o universo devem ser despidos de seus terrores; ademais, sua curiosidade, movida, é verdade, pelo mais forte interesse prático, pede uma resposta.

Do mesmo modo, um homem transforma as forças da natureza não simplesmente em pessoas com quem pode associar-se como com seus iguais – pois isso não faria justiça à impressão esmagadora que essas forças causam nele –, mas lhes concede o caráter de um pai.

Transforma-as em deuses.

Foi assim que se criou um cabedal de idéias, nascido da necessidade que tem o homem de tornar tolerável seu desamparo, e construído com o material das lembranças do desamparo de sua própria infância e da infância da raça humana.

A própria morte não é uma extinção, não constitui um retorno ao inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo de existência que se acha no caminho da evolução para algo mais elevado.

Ao final, todo o bem é recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade, sob esta forma de vida, pelo menos em existências posteriores que se iniciam após a morte. Assim, todos os terrores, sofrimentos e asperezas da vida estão destinados a se desfazer.


Nesse processo, não há interrupção; quanto maior é o número de homens a quem os tesouros do conhecimento se tornam acessíveis, mais difundido é o afastamento da crença religiosa, a princípio somente de seus ornamentos obsoletos e objetáveis, mas, depois, também de seus postulados fundamentais.

Já uma vez antes, uma tentativa desse tipo, a de substituir a religião pela razão, foi feita oficialmente e em grande estilo. Decerto se lembra da Revolução Francesa e de Robespierre?
O crente está ligado aos ensinamentos da religião por certos vínculos afetivos.

Diante da dificuldade de se descobrir qualquer coisa sobre a realidade – na verdade, da dúvida de saber se nos será possível realmente descobri-la –, não devemos desprezar o fato de que também as necessidades humanas são uma realidade e, na verdade, uma realidade importante, uma realidade que nos interessa especialmente de perto.

Sigmund Freud

Walden II

Estamos completamente livres dessa atmosfera institucional que é inevitável quando todos fazer a mesma coisa à mesma hora. Nossos dias têm uma continuidade, flexibilidade, diversidade, fluxo.

A conferência é um dos meios mais ineficientes de difundir a cultura. Tornou-se obsoleta com a invenção da imprensa. Sobrevive apenas nas universidades e similares, e em algumas outras instituições retrógradas. Por que é que você simplesmente não entrega conferências impressas aos seus estudantes? Porque eles não a leriam. Bela instituição essa que deve resolver o problema com ardis retóricos.

O homem realmente inteligente não quer sentir que seu trabalho está sendo feito por outra pessoa. Ele é suficientemente sensível para ser perturbado por um ligeiro ressentimento que, multiplicado por mil, significa sua queda. Eu nunca me senti feliz por ser servido.

O tédio é mais exaustivo que o trabalho pesado.

Roupas e cobertas são realmente um grande incômodo. Impedem os bebês de se exercitarem forçam-nos a posturas desconfortáveis.
Como o ar é filtrado, lavamos as crianças somente uma vez por semana, e nunca temos que limpar-lhes nariz ou olhos. Não é preciso fazer camas e é fácil inventar infecções. Os compartimento são a prova de som e as crianças podem dormir sem perturbar umas às outras.

Vocês não estão criando um conjunto de organismos desadaptados? Temperatura controlada, sono sem ruído, essas crianças não seriam completamente indefesas num ambiente normal?

É verdade que os aborrecimentos constantes poderiam torná-las mais resistentes, mas o resultado mais freqüente é o esgotamento ou a irritação. Introduzimos aborrecimentos, gradativamente, de acordo com a habilidade da criança em enfrentá-los. Parece-se muito com o processo de vacinação.

O sol do meio-dia é extremamente penoso se você sai de um quarto escuro, mas habitue-se gradualmente e você reduzirá a dor concomitantemente.

Evitamos cuidadosamente qualquer regozijo por triunfo pessoal que signifique insucesso de outra pessoa. Não obtemos prazer do competitivo.

Não precisamos de “séries”. Todos sabem que os talentos e capacidade não se desenvolvem no mesmo nível em crianças diferentes. Um leitor de quarta série pode ser um matemático de sexta série. Aqui, a criança progride à velocidade que queira em qualquer campo.

Em Walden II não há obstáculos econômicos para casar-se, seja qual for a idade dos cônjuges. Às crianças, são dados cuidados iguais, não importando a experiência, a idade, ou o poder aquisitivo dos pais.

Certamente a maior parte das jovens podem ter filhos aos quinze aos dezesseis anos. As pessoas gostam de ridicularizar o “amor juvenil”, dizendo que não é duradouro nem profundo. Claro que não dura! Milhões de forças conspiram contra eles. E não são forças da natureza, mas forças de uma sociedade mal organizada. O rapaz e a moça estão prontos para amar. Nunca mais terão a mesma capacidade de amar.

Que tem de mal o amor, o matrimônio, a paternidade? Nada se resolve com atrasá-los, ao contrário, tudo se complica. Geralmente, os ajustes sexuais normais acaba sendo impossíveis e o elemento esportivo no sexo é provocado- toda pessoa do sexo oposto se converte em objeto de sedução.


O fato mais significativo do nosso tempo é o cresecente enfraquecimento da família. A perda da importância do lar como um meio para perpertuar uma cultura; as extraordinárias consequencias do controle de natalidade e a separação prática entre sexo e paternidade; a aceitação social do divórcio... Dificilmente pode-se sustentar que se trate de um tema tranquilo.

Walden II suprimiu a família, não só como unidade econômica, como também, até certo ponto, como unidade social e psicológica. O que sobreviver dela é uma questão experimental.

Por exemplo, a conveniência de quartos separados para marido e mulher.
- Mas não abrem assim a porta para a promiscuidade?
Ao contrário, perpetuamos a lealdade e o afeto. Dessa forma podemos estar seguros de que todo afeto, quando se mantém, é autêntico e não resultado de um regime policial e, por isso, orgulhamo-nos dele.
Entre outras coisas, encorajamos a simples amizade entre sexos, enquanto o mundo exterior não faz mais que proibi-las. E o que poderia ser uma amizade agradável, transforma-se em algo clandestino. Não praticamos o "amor livre" mas apoiamos o "afeto livre".

Em um mundo de completa igualdade econômica, cada um pode conseguir e manter as afeições que merece. Não se pode comprar amor com presentes ou favores.

A fácil expressão do aborrecimento. É, entre nós, uma forma perfeitamente aceita dizer: "Você já me disse isso antes" ou "Esse é um assunto que eu não acho muito interessante".

Uma eleição nacional é, realmente, uma disputa importante? Importa, realmente, quem ganha? As plataformas das duas partes são cuidadosamente elaboradas e tão semelhantes quanto possível, e quando a eleição acaba, somos exortados a aceitar o resultado como bons esportitas. Apenas alguns eleitores continuam se incomodando muito depois de uma semana ou duas. O resto sabe que não há perigo real. As coisas continuarão como antes.

Votar é um meio de pôr a culpa no povo pela situação. O povo não faz regras, é o bode expiatório.


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... Ou empregamos o nosso conhecimento sobre o comportamento humano para criar um ambiente social onde levaremos vidas produtivas e criativas.
Algo como Walden II não seria um mau começo.

B.F. Skinner

segunda-feira, maio 07, 2007

O Amor é sempre um Ainda Não...

A pornografia é um suceder contínuo de atos sexuais, sem que necessariamente haja uma história. Os protagonistas masculinos não precisam fazer nada, caminham por uma rua e uma mulher gostosa os leva para a cama. No escritório, uma secretária despe-se e, sem uma única palavra, inicia uma felação. Basta um olhar e as mulheres ficam nuas e disponíveis, são imaginadas como seres fabulosamente sensuais, arrastadas por um impulso irresistível de atirar-se sobre o pênis.

Já os romances femininos podem ser assim esquematizados: há uma heroína que se parece com uma mulher comum. Nunca é belíssima. (...) Num certo ponto da história, encontra um homem extraordinário. É alto, forte, seguro de si. Na maior parte do tempo possuí olhos de aço, cinzentos, frios, distantes. A mulher sente-se perturbada porque ele lhe parece, a um só tempo, fascinante e inatingível. (...) Não sabe, porém, se ele a ama de verdade. Muito pelo contrário, está convencida de que não ama, que se trata apenas de simpatia, amizade, ou então uma aventura. (...) Há, portanto, um duplo mal-entendido. Ambos estão apaixonados, mas ambos pensam não ter o amor retribuído. (...)

A pornografia e os romances cor-de-rosa têm algo em comum. São situações inacreditáveis e impossíveis, mas, para os dois sexos, igualmente excitantes e igualmente incompreensíveis ao outro.
Ambos os gêneros representam a satisfação imediata de um desejo, eliminando a realidade embaraçosa.

A mulher quer deixar uma marca permanente. Quer suscitar um desejo, um amor. Saber que esse amor dura, não se acaba, que o homem pensa nela e continuará a pensar por muito anos. Faz então tudo para seduzi-lo e, mal percebendo ter conseguido, dá meia volta, chegando muitas vezes a fugir definitivamente. “Se quer ser amada para sempre, deve se afastar definitivamente, para que ele jamais possa te-la”.

A fase negativa da sedução feminina é o temor de não possuir fascínio suficiente, de não poder causar a emoção profunda, indelével, de que já falamos.

A mulher das fantasias masculinas diz assim: “Se lhe agrado, aqui estou, tome-me. Se quiser ir embora, de mim não terá nem aborrecimentos, nem rancores, nem queixas, nem chantagens, nem lamentações. Não preciso do seu dinheiro, não sou ciumenta. E, também, se quiser voltar, aqui estou eu, às suas ordens.”

O grande sedutor faz com que a mulher se sinta como quando está diante do espelho, admirando-se, descobrindo-se, fantasiando. Faz com que ela caia de joelhos diante da própria beleza e do próprio fascínio.

O fim de uma paixão é expresso pelo homem como puro desinteresse. Na mulher expressa-se como rejeição.

Deve haver bares onde procurar companhia por uma noite, outros onde encontrar a alma gêmea. Como num grande, imenso supermercado. Basta saber o que se quer, vai-se à seção adequada e procura a melhor marca ao preço mais conveniente. Isso é voluntarismo. Determinar, desde o início o que se quer.

Quer ser gay, quer ser casado, quer ser solteiro, quer ter um romance ou uma experiência orgástica, quer ser monógamo ou polígamo? O voluntarismo parte do pressuposto de que as pessoas podem sempre definir claramente o que desejam. Uma vez determinado, é só procurar seu grupo, ler alguns livros apropriados com as técnicas de conquista e esperar pelo resultado.

Mas não podemos conhecer os nossos fins últimos, os objetos finais dos nossos desejos e do nosso amor, fazendo uma soma aritmética do prazer e do desprazer que nos causaram. Fazemos esse balanço para justificar a nós mesmos o nosso apego a uma pessoa, ou para justificar a nossa decisão em deixá-la.

A religião da intimidade e da verdade total é inconcebível sem uma concepção voluntarista da vida. Se todos revelam tudo, até mesmo os pensamentos mais fugazes, devem comunicar também as coisas mais desagradáveis, como o ódio, o desprezo. Isso é possível porque na cultura voluntarista, a irritação, a agressividade, o mau-humor, são considerados distúrbios passíveis de ser eliminados, sintomas perfeitamente corrigíveis. Existe sempre uma técnica capaz de transformar o desprazer em prazer, o ódio em amor, a aversão em atração.

Resta então o outro caminho: aprender a estar continuamente enamorado, obrigar-se a isso, fingir que está. Percebendo que não se amam ou que não se amam o suficiente, os casais aplicarão as técnicas adequadas. Existem milhares de manuais terapêuticos que ensinam a amar de forma madura, profunda ou romântica.

O Erotismo- Francesco Alberoni

sexta-feira, maio 04, 2007

Ansiedade- Quem ama a Solidão não ama a Liberdade

Tudo é real mas se move va-ga-ro-sa-men-te em câmera lenta. Ou pula de um tema a outro, desconexo.

Também fiz meu lar em ninho estranho e também obedeço à insistência da vida.

Estou me sentindo como se já tivesse alcançado secretamente o que eu queria e continuasse sem saber o que eu alcancei.Será que foi essa coisa meio equívoca e esquiva que chamam vagamente de experiência?

Ou melhor: nada se começa. É isso: só quando o homem toma conhecimento através do seu rude olhar é que lhe parece um começo. Ao mesmo tempo- aparento contradição- já comecei muitas vezes. Agora mesmo estou começando.

Quando eu penso, estraguei tudo.
É por isso que evito pensar: só vou mesmo é indo.
E sem perguntas, por que e para quê.
Se eu eu penso, uma coisa não se faz, não aconteço.
Uma coisa que na certa é livre de ir enquanto não for aprisionada pelo pensamento.

Meu cotidiano é muito enfeitado.Estou sendo profundamente feliz.

E a frivolidade se manifesta ao dar importância às espumas da vida. Uma vez uma coisa alcançada, ela não a deseja mais.
Agarrar o momento é uma sincronia dela e do tempo: sem precipitação, mas sem demora.

Quando se sente amor, tem-se um funda ansiedade. É como se eu risse e chorasse ao mesmo tempo.
Sem falar no medo que essa felicidade não dure.
Eu sempre espero alguma coisa nova de mim, eu sou um frisson de espera- algo está sempre vindo de mim ou de fora para mim.

Ela ambiciona viver numa voragem de felicidade. Teimosa sem acreditar na vida.

O motivo básico da minha vida é que em certa hora sou guiada por uma grande fome. Isso me explica. Sou indireta.

Quem ama a solidão não ama a liberdade.

Eu venho de uma longa saudade. Eu, a quem elogiam e adoram. Mas ninguém quer nada comigo. Meu fôlego de sete gatos amedronta os que poderiam vir.

Sinto-me tão impotente ao viver- vida que resume todos os contrários díspares e desafinados numa única e feroz atitude: a raiva.

Eu vou me acumulando, me acumulando, me acumulando.

Não suporto a felicidade aguda e solitária de me sentir feliz.
Falta-me serenidade para receber as boas novas.Quando fico feliz, me torno nervosa e agitada.

Consegui isso através de um desapego em relação ao mundo.
A vida real é apenas simbólica: Ela se refere a alguma outra coisa.

É preciso me amar como involuntariamente sou. Apenas me responsabilizo pelo que há de voluntário em mim, e que é muito pouco.

Tenho porém um medo: é que se eu procurar não acharei.


Clarice Lispector- Um Sopro de Vida (Pulsações)

quinta-feira, maio 03, 2007

Por um fio- Drauzio Varella.

Ao dar a notícia da existência de uma doença ameaçadora, testemunhei as mais desencontradas reações: da revolta expressa à surpresa atônita, ao mutismo e à aceitação passiva, do choro compulsivo ao riso espástico.
No entanto, não era raro o doente voltar no dia seguinte num estado de espírito oposto ao do dia anterior, esperançoso, decidido a lutar contra a ameaça que o assustara tanto. Nessas oportunidades, muitas vezes fiquei com a impressão de que era o paciente que me consolava.

Especialmente difícil é desvendar as expectativas que se estabelecem entre os casais quando um dos cônjuges percebe que o outro pode morrer em pouco tempo. Nessas oportunidades, geralmente afloram dois tipos contraditórios de sentimentos: de um lado, a tristeza antecipada da perda e a saudade das boas lembranças, de outro, insegurança, medo do futuro solitário e mágoas pelas frustrações, ofensas e humilhações sofridas.

Quando a esposa, consternada, diz temer que se prolongue o penar do marido e pede para que o tratamento seja interrompido, pretende evitar que ele sofra ou simplesmente espera que deixe de dar trabalho? Se um filho dedicado faz o mesmo pedido em relação à mãe, é para poupa-la de fato ou porque não consegue suportar o desgosto de vê-la ir embora lentamente?

Para livrar-se da função de acompanhante, a principal justificativa masculina são os compromissos profissionais inadiáveis: gostariam muito de ficar com a esposa ou mãe, enferma, mas durante o dia não podem faltar ao emprego e, à noite, como dormir no sofá incômodo e agüentar a luta do dia seguinte?
Os que não dispõe desse álibi lançam mão de estratégias variadas: é lógico que prefeririam estar junto para ajudar, apenas não o fazem porque são impressionáveis, impacientes, sensíveis à dor da pessoa querida a ponto de caírem em depressão profunda, ou simplesmente desajeitados, inúteis para prestar o menos auxílio.

- Doutor, papai está morrendo, mas não desiste, passa o dia no telefone dando ordens para os gerentes. Nem agora os senhores podem impedir que ele se mate de tanto trabalhar?
- Seu pai insiste que o trabalho é a razão da vida dele. Está lúcido, tem uma vontade de ferro, não vejo razão para aconselha-lo a cruzar os braços e aguardar o fim. E, mesmo que visse, não haveria a menor chance de convence-lo.
- Então fazemos o seguinte: os senhores dão um atestado dizendo que ele está mentalmente incapacitado de trabalhar, e nós o interditamos, para o bem dele.
O doente ainda viveu três meses. Dois dias antes da morte fui vê-lo em casa. Estava de roupão, na poltrona da sala, com uma sonda gástrica pendurada no nariz, muito magro outra vez, rodeado por cinco homens de gravata que, como alunos bem- comportados, anotavam suas ordens em blocos de papel.

Eu lhe disse, então, que estava aparentemente curada; daí em diante, apenas os controles periódicos. Ao ouvir a boa notícia, o marido pegou cauteloso no braço dela, que se manteve alheia ao toque e impassível como se acabasse de saber que garoava em Pequim. Na madrugada seguinte, enquanto o marido e a filha mais nova dormiam, ela prendeu os cabelos, passou batom, vestiu roupa de sair e se atirou do décimo andar.

Na década de 60 as brasileiras tinham em média cinco ou seis filhos. Criança pequena morrer era acontecimento tão freqüente que, ao tirarmos a história, a primeira pergunta era quantos filhos haviam dado à luz e a segunda, quantos deles permaneciam vivos.

Raros os plantões em que não perdíamos duas ou três crianças, às vezes morriam cinco ou seis. Eram tantas que no caminho para casa ficava difícil lembrar do rosto de todas.

O último médico visitado, um professor de faculdade, chegou a aconselha-lo:
- Procure um psiquiatra, os exames não mostram nenhuma etiologia orgânica. Você tem quarenta e dois anos, nunca se casou, mora com a mãe até hoje, é provável que essas dores sejam conseqüência da somatização de problemas psicológicos. O inconsciente sexual se materializa nas mais variadas apresentações patológicas.
Era câncer.

Quando saímos, comentei com meu colega que era conduta medieval deixar uma pessoa atingir aquele estado deplorável, com a metade dos níveis aceitáveis de hemoglobina, pelo simples fato de apresentar uma doença incurável. Ele concordou inteiramente, mas lembrou que no dia seguinte o chefe do serviço reclamaria: “De hoje em diante, toda vez que esse doente passar mal, a família vai despencar em nossa porta. Já pensou se todos fizerem o mesmo? O hospital vira depósito de gente desenganada, não sobra leito para operar mais ninguém.”

Tive vontade de percorrer as faculdades de medicina para dizer aos alunos, no primeiro dia de aula, o que nunca ouvira de meus professores: na medicina, curar é objetivo secundário, se tanto. A finalidade primordial de nossa profissão e aliviar o sofrimento humano.

A angústia causada pela impossibilidade de comprovar por meios racionais se existe vida depois da morte acompanha a humanidade desde seus primórdios. Imaginar que nos transformaremos em pó e que capacidades cognitivas adquiridas com tanto sacrifício se perderão irreversivelmente é a mais dolorosa das especulações existenciais.
Consideramos a vida uma dádiva da natureza, e nosso corpo, uma entidade construída à imagem e semelhança de Deus, exclusivamente para nos trazer felicidade, atender aos nosso caprichos e nos proporcionar prazer.
Essa visão egocentrada de quem “não pediu pra nascer” faz de nós seres exigentes, revoltados, queixosos, permanentemente insatisfeitos com os limites impostos pelo corpo e com as imperfeições inerentes à condição humana.
Seria lógico então, esperar que o aparecimento de uma doença grave, eventualmente letal, desestruturasse a personalidade, levasse ao desespero, destruísse a esperança, inviabilizasse qualquer alegria futura. Mas não é isso que costuma acontecer.
No ambulatório do Hospital do Câncer, quando perguntei a um maranhense iletrado, pai de quinze filhos e rosto marcado pelo sol, se a doença havia lhe trazido alguma coisa de bom ele respondeu:
- O cavalo fica mais esperto quando sente vertigem na beira do abismo.