sexta-feira, setembro 11, 2009

Glamour (?)

O tema do amor, da paixão e as relações afetivo-sexuais daí advindas estão presentes não só nas músicas - não importa o estilo ou a época - mas nos filmes, na literatura, na poesia, nas novelas, na arte de um modo geral.
Esse tema também está presente nas rodas de conversas geralmente em forma de confissões pessoais ou através de uma disposição sempre curiosa de saber sobre a vida amorosa-afetiva-sexual das outras pessoas.
Parece que estamos sempre em constante monitoramento, principalmente nesses tempos de transitoriedade das relações.
Desse modo, não há como negar o quanto, ao mesmo tempo em que o amor pode ser considerado da ordem do privado, ele também está na ordem do público.

De que forma o amor se tornou um importante motor para a glamourização de nossas vidas, ou seja, de que maneira ele se constituiu num poderoso sentimento que dá brilho, graça, energia à nossa existência, impulsionando-nos a dar o nosso melhor para o ser que amamos, fazendo com que nos sintamos seres tão especiais por conta disso?

Jurandir Freire Costa comenta que vivemos em uma sociedade que nos incita a pensar que “sem amor estamos amputados de nossa melhor parte. ... Nada substitui a felicidade erótica; nada traz o alento do amor-paixão romântico correspondido”.

Por outro lado, este autor chama atenção para o fato de termos, na contemporaneidade, uma descomunal máquina de reparar amores infelizes.
É cada vez maior o número de “especialistas” nesse tema, advindos das mais diversas áreas do conhecimento, tais como médicos, sexólogos, psicanalistas, cognitivistas, behavioristas, religiosos, cartomantes, astrólogos, gurus e muitos outros.
Temos também uma série de livros de auto-ajuda que intencionam fazer as pessoas mais felizes em suas vidas amorosas.
No entanto, é interessante observar o quanto o gerenciamento da vida afetiva e suas inúmeras vivências estão pautadas por relações de poder, alimentando assim desigualdades entre homens e mulheres.

Vera Lucia Pereira Alves (2005), em sua tese de doutorado sobre livros de auto-ajuda que ensinam a como conseguir e manter um relacionamento amoroso, mostra o quanto esse tipo de material produz uma pedagogia voltada especialmente para as mulheres, exigindo delas a árdua tarefa de se responsabilizarem pela manutenção da relação. Essa entrega implica constantemente em procedimentos que visam manter “a chama do amor” sempre acessa (necessidade de agradar o amado, por exemplo). Em muitas revistas e livros recentes ou não, é possível observar uma série de conselhos destinados às mulheres, reforçando a idéia de que elas são possuidoras de uma capacidade natural que as coloca na posição de cuidadoras em potencial (da casa, dos filhos, do marido, dos pais, dos amigos, etc).

Para muitos, o amor é regido pela lógica da racionalidade. Jurandir Freire Costa lembra que a imagem do amor transgressor e livre de amarras é mais uma peça do ideário romântico destinada a ocultar a evidência de que os amantes, socialmente falando, são, na maioria, sensatos, obedientes, conformistas e conservadores. Sentimo-nos atraídos sexual e afetivamente por certas pessoas, mas raras vezes essa atração contraria os gostos ou preconceitos de classe, “raça”, religião ou posição econômico-social que limitam o rol dos que “merecem ser amados”. ...O amor é seletivo como qualquer outra emoção presente em códigos de interação e vinculação interpessoais.

Por outro lado, autores como Bauman (1995) pontuam a ambivalência do amor, colocando-o como incerto e inseguro. Talvez seja interessante pensar o quanto as relações amorosas são instáveis, ao contrário das inúmeras tentativas que fazemos de domá-las, confinando-as a um ideal de estabilidade – tanto do sentimento amoroso quanto da relação que se estabelece a partir daí.

Talvez a pergunta mais interessante para nossa reflexão não esteja pautada na busca insana sobre as origens do amor ou da paixão,
mas na problematização das formas pelas quais amamos, ou ainda como administramos nossos desejos afetivo-sexuais e quais as estratégias e pressões sociais que se estabelecem para que transformemos nossos sentimentos em materialidade relacional, através do casamento, da conjugalidade e de todos os outros compromissos daí advindos.


Jane Felipe- Do amor (ou de como glamourizar a vida): apontamentos em torno de uma
educação para a sexualidade.