segunda-feira, outubro 27, 2008

As Causas Morais da Loucura

Com Pinel, o manicômio se torna parte essencial do tratamento, não sera mais apenas o asilo onde se enclausura ou se abriga o louco, será um "instrumento de cura", conforme o definiu Esquirol.

Na leitura do Traité de Pinel, fica nítido que a etiologia passional ou "moral", lesão mental e manicômio são, inevitavelmente, complementares.

No plano estritamente teórico, o Traité marca um tempo novo na psicopatologia. Ele trouxe duas inovações importantes: a classificação nosográfica da alienação e a revalorização das paixões como fatores da loucura.

A alienação não e a perda abstrata da razão nem do lado da inteligência, nem do lado do querer e da sua capacidade de deliberar; mas é apenas alienação, apenas contradição na razão que ainda existe (...) (Hegel, 1830).

Visto que a doença agora é desordem, um estado de desiquilíbrio, a intervenção terapêutica deverá restituir o equilíbrio, rompido pela doença. Ela visa a devolver o alienado à ordem da racionalidade e dos afetos, de modo a fazê-lo reentrar na vida social ordenada e racional.

Há uma visão elitizada, até poética da loucura, que alguns tentam hoje defender e segundo a qual a loucura seria uma forma de liberdade ou de independência em relação aos padrões sociais- e até às leis da lógica. É uma concepção demasiado gratuita, que não passaria pela mente de qualquer clínico ocupado com os dramas do manicômio. (p. 85)

As aberrações imaginativas são alucinações, visões religiosas, delírios paranóicos e até impulsos de "grande criatividade", como uma surpreendente imaginação poética:

A imaginação, faculdade do intelecto que, mesmo para o homem sensato, é difícil de manter nos justos limites, desencadeia nas relações sociais (...) cenas loucas, ridículas e deploráveis. E não pode, então, ser fonte de ilusões, desvios, extravagâncias na alienação mental? Ela mistura e confunde sensações incompletas, que chegam à lembrança. (Pinel, 1809, II, 126).

Na introdução do livro, Pinel deixa claro que, de um modo geral, a causa da loucura é a "imoralidade", entendida como excesso ou exagero. Daí a terapia ser chamada tratamento moral de "afeições morais" ou "paixões morais". A loucura é excesso e desvio, a ser corrigido pela mudança de constumes, mudança de hábidos.

As paixões em geral são modificações desconhecidas da sensibilidade física e moral, que se podem distinguir por traços particulares que se manifestam por sinais externos. Embora algumas paixões possam parecer opostas entre si, como cólera, terror, ternura doce, ou alegria imprevista, são todas caracterizadas por espamos dos músculos faciais e se manifestam exteriormente com expressões típicas. (Pinel, 1809, I, 30).

Uma relação dinâmica entre a sobrecarga afetiva ou passional e a perda da razão é apenas entrevista, não como nexo causal que ligasse paixão descontrolada e loucura e sim como mais uma "evidência", básica, de que a alienação deve ser tratada pela mudança de costumes, por um tratamento moral.

A reeducação visada pelo "tratamento moral", pelo que essas considerações insinuam, deve enquadrar o comportamento desviante dentro dos padrões éticos.

Loucura, para Pinel: deveria incluir todos os evidentes erros de imaginação e de julgamento que os homens cometem, tudo o que irrita ou provoca desejos fantásticos.

O Tratamento Moral

A loucura seria frequentemente um produto das paixões e o tratamento moral implicaria em situação especial, na qual o paciente, livre de influências agravantes do convívio social, seria encaminhado para uma recuperação de sua plena racionalidade.

Enquanto reordenador e corretor de desvios, o médio adquire, no tratamento moral, dois aspectos novos. Ele agora é um pedagogo e uma autoridade moral.

O internamento de um louco deve tender a dar novas direção às suas idéias e aos seus afetos e a impedir qualquer desordem, qualquer distúrbio do qual ele possa ser a causa, e para impedir o mal que ele pode fazer a si mesmo e aos outros, se for deixado em liberdade. Assegurando-lhe novas impressões, livrando-o de seus hábitos e mudando seu modo de vida, chega-se àquilo que se destina o isolamento. - Esquirol.

Já na primeira metade do século XIX, o modelo institucional de Pinel e Esquirol se deteriora não só pelos abusos de um tratamento moral desvirtuado: quanto menos o manicômio se demonstrava um recurso terapêutico, mais aparecia como instrumento de segregação social , como uma instituição de custódia do louco.

O tratamento moral, talvez, não vos conduzirá à cura do doente: mas sempre lhe dará uma disposição favorável à ação de outros remédios; pode torná-lo mais calmo, mais dócil, mais razoável; vos trará ordem e quietude no manicômio, ou seja, aquela atmosfera moral que é, para uma mente enferma, o que é o ar puro para um corpo doente. (Livi, 1862).

Há uma inegável violência nas práticas. Um inegável autoritarismo.

O Século dos Manicômios- Isaias Pessoti.