sábado, agosto 22, 2009

Perdas...

Vincular o dito acontecimento a outros acontecimentos antigos, que o inscreva em uma história e o considere o substituto atual de um acontecimento passado não realizado, ou até inexistente, insituável no tempo. É justamente a história que confere a um acontecimento atual seu estatuto de ato portador de um sentido.

Seja o mais antigo no passado, seja o mais esperado no futuro, o acontecimento ideal constitui o ato não realizado de que todos nossos atos involuntários são substitutos.
Nossos atos involuntários têm um sentido, portanto, produzido por sua substituição por um ideal não realizado.

No lugar de um objeto real, o eu instala um objeto fantasiado, como se, para deter o ímpeto da pulsão sexual, o eu constatasse a pulsão enganando-a com a ilusão de um objeto fantasiado.
Mas como o eu consegue realizar esse truque?
Pois bem, para transformar o objeto real num objeto fantasiado, ele precisa, primeiro, incorporar dentro de si o objeto real até transformá-lo em fantasia.

Agora que o ser amado está dentro de nós, nós o tratamos com um amor ainda mais poderoso do que aquele que lhe voltávamos quando ele era real.
Pra que isso? Porque, tomando uma parte de mim, eu gosto dele como de mim mesmo.
Amar o outro é sempre amar a si próprio.

Assim, a pessoa real passa a não mais existir para nós senão sob a forma de uma fantasia, mesmo que continuemos a reconhecer nela uma existência autônoma no mundo.
Por conseguinte, quando amamos, sempre amamos um ser misto feito ao mesmo tempo do estofo da fantasia e da pessoa real que existe do lado de fora.
Um duplo fantasiado.
O amado real se converte em objeto fantasiado.

Deixemos bem claro que o eu é um objeto fantasiado por sua natureza ilusória, e um objeto sexual pelo prazer que suscita ao satisfazer parcialmente a pulsão.
De fato, o amor narcísico do eu por ele mesmo, enquanto objeto sexual, está na base da formação de todas as nossas fantasias.
Por isso, podemos concluir que em toda fantasia, mais exatamente em cada personagem fantasístico, o clínico deve identificar a presença do eu.

As pulsões de vida tendem a investir tudo libidinalmente a garantir a coesão das diferentes partes do mundo vivo.
Em contrapartida, as pulsões de morte visam o desprendimento da libido dos objetos, seu desligamento, e o retorno inelutável do ser vivo à tensão zero, ao estado inorgânico.

Tanto a pulsão de vida quanto a pulsão de morte visam restabelecer um estado anterior no tempo.
Seja a pulsão de vida que, ligando os seres e as coisas, aumenta a tensão,
seja a pulsão de morte, que aspira à calma e ao retorno a zero,
ambas tendem a reproduzir e a repetir uma situação passada.

Aqueles que nos falam, nossos pacientes, com freqüência tem tendência a repetir seus fracassos e sofrimentos, com uma força mais poderosa, às vezes,
do que a que nos leva a reencontrar os acontecimentos agradáveis do passado.

Em suma, o novo conceito introduzido por Freud com a segunda teoria das pulsões foi o da compulsão à repetição no tempo.
A exigência de repetir o passado doloroso é mais forte do que a busca do prazer no acontecimento futuro.
A compulsão a repetir é uma pulsão primária e fundamental, a pulsão das pulsões; já não se trata de um princípio que orienta, mas de uma tendência que exige voltar atrás para reencontrar aquilo que já aconteceu.
O desejo ativo do passado, mesmo que o passado tenha sido ruim para o eu, explica-se por essa compulsão a retornar aquilo que não foi concluído, com vontade de completá-lo.
Havíamos demonstrado que nossos atos involuntários eram substitutos de uma ação ideal e não consumada.
Por isso, uma compulsão à repetição seria o desejo de retornar ao passado e rematar, sem entraves e sem desvios, a ação que ficara em suspenso, como se as pulsões inconscientes nunca se resignassem a ser condenadas ao recalcamento.

O Prazer de Ler Freud- Juan David Nasio.

Nome à norma.

Abalar o nosso conceito sexual convencional é uma tarefa difícil. Raramente nos concentramos durante muito tempo no enigma da heterossexualidade- nossa atenção volta-se rapidamente para o problema da homossexualidade.
A heterossexualidade resiste bravamente a ser um problema como vários outros modos peculiares de sentir, agir, falar e pensar.

Falamos sobre a história das mulheres, mas com muito menos freqüência sobre a dos homens.
Porque a história dos homens não tem levantado as mesmas questões que a das mulheres.

A não ser que pressionados por vozes fortes e insistentes,
não damos nome à norma, ao normal e ao processo social de normalização,
muito menos os consideramos desconcertantes, objetos de estudo.
A análise do anormal, do diferente e do outro, das culturas da minoria, aparentemente tem despertado um interesse muito maior.


A Invenção da Heterossexualidade- Katz.