Ninguém, no entanto, alimenta a ilusão de que a natureza já foi vencida, e poucos se atrevem a ter esperanças de que um dia ela se submeta inteiramente ao homem. Há os elementos, que parecem escarnecer de qualquer controle humano; a terra, que treme, se escancara e sepulta toda a vida humana e suas obras; a água, que inunda e afoga tudo num torvelinho; as tempestades, que arrastam tudo o que se lhes antepõe; as doenças, que só recentemente identificamos como sendo ataques oriundos de outros organismos, e, finalmente, o penoso enigma da morte, contra o qual remédio algum foi encontrado e provavelmente nunca será.
É com essas forças que a natureza se ergue contra nós, majestosa, cruel e inexorável; uma vez mais nos traz à mente nossa fraqueza e desamparo, de que pensávamos ter fugido através do trabalho de civilização.
Trata-se de uma tarefa múltipla. A auto-estima do homem, seriamente ameaçada, exige consolação; a vida e o universo devem ser despidos de seus terrores; ademais, sua curiosidade, movida, é verdade, pelo mais forte interesse prático, pede uma resposta.
Do mesmo modo, um homem transforma as forças da natureza não simplesmente em pessoas com quem pode associar-se como com seus iguais – pois isso não faria justiça à impressão esmagadora que essas forças causam nele –, mas lhes concede o caráter de um pai.
Transforma-as em deuses.
Foi assim que se criou um cabedal de idéias, nascido da necessidade que tem o homem de tornar tolerável seu desamparo, e construído com o material das lembranças do desamparo de sua própria infância e da infância da raça humana.
A própria morte não é uma extinção, não constitui um retorno ao inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo de existência que se acha no caminho da evolução para algo mais elevado.
Ao final, todo o bem é recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade, sob esta forma de vida, pelo menos em existências posteriores que se iniciam após a morte. Assim, todos os terrores, sofrimentos e asperezas da vida estão destinados a se desfazer.
Nesse processo, não há interrupção; quanto maior é o número de homens a quem os tesouros do conhecimento se tornam acessíveis, mais difundido é o afastamento da crença religiosa, a princípio somente de seus ornamentos obsoletos e objetáveis, mas, depois, também de seus postulados fundamentais.
Já uma vez antes, uma tentativa desse tipo, a de substituir a religião pela razão, foi feita oficialmente e em grande estilo. Decerto se lembra da Revolução Francesa e de Robespierre?
O crente está ligado aos ensinamentos da religião por certos vínculos afetivos.
Diante da dificuldade de se descobrir qualquer coisa sobre a realidade – na verdade, da dúvida de saber se nos será possível realmente descobri-la –, não devemos desprezar o fato de que também as necessidades humanas são uma realidade e, na verdade, uma realidade importante, uma realidade que nos interessa especialmente de perto.
Sigmund Freud