terça-feira, maio 29, 2007

Greve

Universidade pública - o mito do elitismo, artigo de Carlos Henrique de Brito Cruz

Ali se afirma que 'a canalização de grande parte do orçamento da educação para o financiamento das instituições federais de ensino superior reduz o montante de recursos disponível para os demais estágios da educação'.


Por fim, o documento condena a Universidade pública por servir 'aos 10% mais ricos'.

Nos dois casos se procura debitar à Universidade pública o ônus da desigualdade educacional.

É severamente míope o argumento apresentado nesses documentos, ao supor que a função social da Universidade seja somente beneficiar aqueles que a freqüentam.

Os motivos que têm levado as sociedades, desde o ano 1000, a criar boa educação superior em Universidades nada têm que ver com a riqueza ou pobreza dos alunos que as freqüentam.

Têm, sim, que ver com a necessidade, essencial para o desenvolvimento das nações, de qualificar pessoas com os níveis mais elevados de educação.

Pessoas capazes de trabalhar com o conhecimento humano, que dão lugar a novas descobertas e usam as já feitas para criar bem-estar e desenvolvimento.

A Universidade não serve 'aos 10% mais ricos' - serve ao Brasil.

Até hoje não houve nação que alcançasse o status de 'desenvolvida' sem contar com lideranças intelectuais assim formadas.

Para que boas Universidades possam formar as lideranças intelectuais é preciso que garantam um ambiente aberto e acolhedor da diversidade - é assim que os jovens podem aprender mais e melhor e desenvolver ao máximo suas capacidades intelectuais.

Em nenhum país é o ensino superior privado com fins lucrativos que atende, com qualidade, um número relevante de estudantes.

São as boas Universidades públicas, como as do Estado de SP, e várias outras que existem no Brasil, que fazem isso. O governo federal parece achar que boa educação superior custa muito caro. Esperemos que não pretenda levar-nos a experimentar o superior custo da ignorância.

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Universidade em ritmo de barbárie, artigo de Nelly Carvalho

Quando assumiu o poder, a elite vinda das Universidades paulistas, todos pensamos que chegara a hora da redenção do ensino universitário público, mas frustrados, vimos que as aposentadorias esvaziaram as cátedras, os salários foram congelados e criou-se esse equívoco, o professor substituto, a solução que é um problema: a interinidade alia-se ao despreparo e à inexperiência para aligeirar o ensino e apressar o ritmo da barbárie.

No fim da festa, no baile da Ilha Fiscal do último ministério, aprovaram-se tantos cursos de nível superior, quanto pudesse caber no papel. Qualidade era coisa sem importância, que não valia a pena exigir. Resultado: criou-se um curso superior em cada esquina, sem que se aliasse a isso conhecimento e oportunidade de empregos.

Além do mais - sinal dos tempos globalizados - grupos universitários internacionais descobriram e já disputam o mercado brasileiro de pós-graduação e até de graduação, querendo que esses cursos possam ser comercializados livremente.

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A motivação política da expansão do ensino superior privado: causas e conseqüências
Franklin Leopoldo e Silva - professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

A entrada da iniciativa privada no ensino superior deu-se primeiramente por meio de uma ampliação das atividades que os empresários da educação já exerciam na esfera do ensino básico. Assim, a mesma mentalidade organizacional que fez expandir e consolidar as empresas de ensino de primeiro e segundo graus passou a reger as iniciativas privadas no ensino universitário, até porque se tratava dos mesmos grupos.


Os parâmetros de eficiência e lucratividade excluíam qualquer ideário pedagógico mais consistente, o que foi substituído pelo senso de oportunidade comercial na organização e venda de serviços segundo o critério da demanda.

Como este rebaixamento redundava num aumento visível do número de graduados em nível superior, isto também vinha ao encontro das expectativas do governo, na medida que constituía uma maneira de alimentar com ilusões e falsas esperanças os anseios de ascensão da classe média.

Assim, a situação que se configura como "elitista" tem raízes profundas fora da universidade, já que os colégios públicos não oferecem condições para que seus alunos possam competir em condições de igualdade.

A idéia de que a universidade pública destina-se aos carentes é equivocada ou demagógica. Ela destina-se a todos aqueles que cumprem os requisitos de ingresso.

Ocorre que as universidades públicas mais conceituadas têm uma história caracterizada pela manutenção de um elevado padrão de ensino e de exigências, o que já está presente, pelo menos em parte, nos exames de ingresso. Essas exigências estão largamente distanciadas do preparo que o aluno do colégio público recebe.

Juntando-se a isto o número cada vez mais elevado de postulantes, o resultado é o afunilamento que, na prática, se traduz nas diferenças sócio-econômicas.

A universidade não resolve por si mesma e imediatamente as carências sociais, embora possa contribuir, na esfera que lhe é própria, para o encaminhamento de soluções. Está inscrita na própria idéia de autonomia universitária uma relação mediada com a sociedade.

No plano das relações institucionais esta instância tende a ser o Estado e, na prática, os governos. Deste modo correr-se-ia o risco de inserir a universidade no ritmo das conjunturas políticas que se sucedem, o que equivaleria a um profundo desequilíbrio do trabalho universitário, o qual deve ser orientado por um núcleo permanente em que resida o ideário mais amplo e mais originário pelo qual a instituição se deveria pautar.

Boa parcela das acusações de arcaísmo, corporativismo e ineficiência feitas à universidade pública visa, na verdade, ao distanciamento que ela, em grande parte, ainda mantém do mercado. E por não estar limitada pelas injunções do mercado é que a universidade pública pode cumprir o seu papel histórico e social de produção e disseminação do conhecimento, e também manter com a cultura uma relação intrínseca que se manifesta numa possibilidade de reflexão que foge aos moldes do compromisso imediatamente definido pelas pressões de demanda e de consumo.

A dedicação exclusiva ao ensino e à pesquisa que, como já mencionamos, é fator preponderante no aprimoramento das atividades nas melhores universidades públicas, não foi pensada pelos seus idealizadores como uma medida técnico-administrativa, visando a maior eficiência do trabalho universitário.

O fato de a pesquisa básica ter se desenvolvido graças a esse fator mostra a vinculação intrínseca deste regime de trabalho com uma idéia de universidade que se pauta pela recusa de entender o ensino e a pesquisa como serviço e mercadoria. A produtividade acadêmica, em nível didático ou da pesquisa, não se vincula a produtos ou à venda de serviços. E foi precisamente graças a este distanciamento que a universidade pôde contribuir para a solução de problemas nos mais variados aspectos da organização social: porque tais soluções surgiram a partir da liberdade de pesquisa e de uma visão de maior alcance das relações entre a ciência e o desenvolvimento tecnológico.

São as mediações que resguardam a universidade pública da subordinação imediata ao mercado e os fatores que permitem a qualidade de sua contribuição à sociedade. É a independência nos processos de investigação e de debate que garante o desenvolvimento da produção, da transmissão e da aplicação do saber.

A autonomia da universidade, requisito para a realização da idéia de universalidade, não significa que a instituição abstrai o contexto social no qual se insere. A independência, como distanciamento crítico, possibilita, ao contrário, que este contexto possa ser pensado como um pólo de relação que não se confunde com qualquer conjunto de interesses particulares, sejam eles mercadológicos, empresariais ou políticos.

A quem serve a pesquisa básica? Do ponto de vista de interesses imediatos, a ninguém. Do ponto de vista de sua inserção num projeto histórico-político emancipatório de dimensões amplas, serve a todos, serve à nação.

Por desprezarem esta mediação e esta diferença, muitos vêem na pesquisa básica e na dedicação exclusiva um ônus pesado e inútil. Parte dos que pensam assim o fazem por ignorância; outros, entretanto, representam interesses político-econômicos que seriam mais bem atendidos por um projeto contrário ao desenvolvimento social e à emancipação.

E, lamentavelmente, entre estes últimos encontram-se aqueles que estão em posição de interferir nos destinos da universidade pública.
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