terça-feira, julho 31, 2007

Frieza...

No que diz respeito à consciência coisificada, além disto é preciso examinar também a relação com a técnica, sem restringir-se a pequenos grupos.

Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva como acontece atualmente, gera pessoas tecnológicas, afinadas com a técnica. Isto tem a sua racionalidade boa: em seu plano mais restrito elas serão menos influenciáveis, com as correspondentes conseqüências no plano geral. Por outro lado, na relação atual com a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogênico.
Isto se vincula ao "véu tecnológico".
Os homens inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço dos homens.

Os meios —— e a técnica é um conceito de meios dirigidos à autoconservação da espécie humana — são fetichizados, porque os fins — uma vida humana digna — encontram-se encobertos e desconectados da consciência das pessoas.
Afirmações gerais como estas são até convincentes.
Porém uma tal hipótese ainda é excessivamente abstrata.

Não se sabe com certeza como se verifica a fetichização da técnica na psicologia individual dos indivíduos, onde está o ponto de transição entre uma relação racional com ela e aquela supervalorização. (...)
No caso do tipo com tendências à fetichização da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar. Isto não deve ser entendido num sentido sentimental ou moralizante, mas denotando a carente relação libidinal com Outras pessoas.
Elas são inteiramente frias e precisam negar também em seu íntimo a possibilidade do amor, recusando de antemão nas outras pessoas o seu amor antes que o mesmo se instale.

Em sua configuração atual — e provavelmente há milênios —- a sociedade não repousa em atração, em simpatia, como se supôs ideologicamente desde Aristóteles, mas na persecução dos próprios interesses frente aos interesses dos demais.
Isto se sedimentou do modo mais profundo no caráter das pessoas.
O que contradiz, o impulso grupal da chamada lonely crowd, da massa solitária, na verdade constitui uma reação, um enturmar-se de pessoas frias que não suportam a própria frieza mas nada podem fazer para alterá-la.
Hoje em dia qualquer pessoa, sem exceção, se sente mal-amada, porque cada um é deficiente na capacidade de amar.

Não me entendam mal. Não quero pregar o amor. Penso que sua pregação é vã: ninguém teria inclusive o direito de pregá-lo, porque a deficiência de amor, repito, é uma deficiência de todas as pessoas, sem exceção, nos termos em que existem hoje.
Pregar o amor pressupõe naqueles a quem nos dirigimos uma outra estrutura do caráter, diferente da que pretendemos transformar.
Pois as pessoas que devemos amar são elas próprias incapazes de amar e por isto nem são tão amáveis assim.

O incentivo ao amor ----- provavelmente na forma mais imperativa, de um dever — constitui ele próprio parte de uma ideologia que perpetua a frieza. Ele combina com o que é impositivo, opressor, que atua contrariamente à capacidade de amar.

Por isto o primeiro passo seria ajudar a frieza a adquirir consciência de si própria, das razões pelas quais foi gerada.

Adorno- Educação para Emancipação