domingo, novembro 25, 2007

Apatia

A proteção pelo susto é uma forma do mimetismo.
Toda diversão, todo abandono tem algo de mimetismo.

Os homens obcecados pela civilização só se apercebem de seus próprios traços miméticos, que se tornaram tabus, em certos gestos e comportamentos que encontram nos outros e que se destacam em seu mundo racionalizado como resíduos isolados e traços rudimentares verdadeiramente vergonhosos.

O que repele por sua estranheza é, na verdade, demasiado familiar.

São os gestos contagiosos dos contatos diretos: tocar, aconchegar-se, aplacar, induzir.

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(...) a violência que se exprime na lamentação.
Ela é sempre exagerada, por mais sincera que seja,
Só a obra realizada é adequada.

Mas sua consequência é a face imóvel e impassível e, por fim, ao término desta era, o rosto de bebé dos homens de aço, dos políticos, padres, directores gerais e gângsteres.

A mera existência do outro é motivo de irritação.
Todos os outros são "muito espaçosos" e devem ser recolocados em seus limites, que são os limites do terror sem limites.

De todos os sentidos, o ato de cheirar - que se deixa atrair sem objetualizar -
é o testemunho mais evidente da ânsia de se perder no outro e com ele se identificar.

Por isso o cheiro, tanto como percepção quanto como percebido (ambos se identificam no ato) , é mais expressivo do que os outros sentidos.

Ao ver, a gente permanece quem a gente é, ao cheirar, a gente se deixa absorver.

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Em certo sentido, perceber é projetar.

A projeção das impressões dos sentidos é um legado de nossa pré-história animal, um mecanismo para fins de proteção e obtenção de comida, o prolongamento da combatividade com que as espécies animais superiores reagiam ao movimento, com prazer ou desprazer e independentemente da intenção do objeto.

A projeção está automatizada nos homens, assim como as outras funções de ataque e proteção, que se tornaram reflexos.

Na sociedade humana, porém, na qual tanto a vida intelectual quanto a vida afetiva se diferenciam com a formação do indivíduo, o indivíduo precisa de um controle crescente da projeção; ele tem que aprender ao mesmo tempo a aprimorá-la e a inibi-la.

Aprendendo a distinguir,entre pensamentos e sentimentos próprios e alheios, surge a distinção do exterior e do interior, a possibilidade de distanciamento e identificação, a consciência de si e a consciência moral.

Entre o verdadeiro objeto e o dado indubitável dos sentidos, entre o interior e o exterior, abre-se um abismo que o sujeito tem de vencer por sua própria conta e risco.
Para refletir a coisa tal como ela é, o sujeito deve devolver-lhe mais do que dela recebe.

O ego idêntico é o produto constante mais tardio da projeção.
Todavia, mesmo como ego objetivado de maneira autónoma, ele só é o que o mundo-objeto é para ele.

A profundidade interna do sujeito não consiste em nada mais senão a delicadeza e a riqueza do mundo da percepção externa.

Quando o entrelaçamento é rompido, o ego se petrifica.

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Seu discernimento consome-se no círculo traçado pela ideia fixa, assim como o
engenho da humanidade se liquida a si mesmo na órbita da civilização técnica.
A paranóia é a sombra do conhecimento.

Hoje em dia, é tão fácil para uma consciência só devassar o absurdo da dominação que ela precisa da consciência doente para se manter viva.

Só os loucos que sofrem de delírio de perseguição toleram a perseguição em que necessariamente resulta a dominação, na medida em que lhes é permitido perseguir os outros.

A experiência é substituída pelo cliché e a imaginação ativa na experiência pela recepção ávida.

Sob pena de uma rápida ruína, os membros de cada camada social devem engolir sua dose de orientações.

Na era do vocabulário básico de trezentas palavras, a capacidade de julgar e, com ela, a distinção do verdadeiro e do falso estão desaparecendo.

Na medida em que o pensamento deixa de representar uma peça do equipamento profissional, sob uma forma altamente especializada em diversos setores da divisão do trabalho, ele se torna suspeito como um objecto de luxo fora de moda: "armchair thinking".

É preciso produzir alguma coisa.

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Adorno e Horkheimer - Dialética do Esclarecimento