Aquelas quedas é que começavam a fazer sua vida.
Surgem as justificações, trágicas, justificações forjadas.
Sempre se retinha um pouco. Para o que ela estava se poupando?
Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande,
talvez por não conhecer os próprios limites.
O melhor modo de despistar é dizer a verdade, embora eu não tenha tentado nenhuma vez te despistar.
Pois eu tive que pagar a minha dívida de alegria a um mundo que tantas vezes me foi hostil.
Não em palavras. O único modo de exprimir era sentir de novo.
E pensou ela, e sentir a grande ânsia de viver que esse cheiro provocava nela.
Tudo o que importa não se sabe falar.
Não havia aprendizagem de coisa nova. Era só a redescoberta.
Apesar das palavras trocadas, fora mudamente que ele havia a ajudado.
Nunca esqueceria a ajuda que recebera quando ela só conseguiria gaguejar de medo.
É que a realidade é inacreditável. No impossível é que está a realidade.
Milagres, não. Mas as coincidências.
Vivia de coincidências, vivia de linhas que incidiam e se cruzavan e,
no cruzamento, formavam um leve e espontâneo ponto,
tão leve e espontâneo que era feito de segredo.
Mal falasse das coincidências, e já estaria falando em nada.
Mas ia esperar.
Ia esperar comendo com recato e avidez controlada cada mínima migalha de tudo.
Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão?
Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.
Ambos pareciam calmos ou um pouco tristes.
Pois o prazer não era de se brincar com ele. O prazer era nós.
Clarice Lispector- Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres.