domingo, dezembro 09, 2007

Idílico

Acho que não é a paixão que está na moda, é a palavra paixão que está na moda.
Como detetive, cheguei à conclusão, às avessas, de que não é que nossa época seja muito apaixonada. Se a gente está valorizando tanto isso aí, é porque está faltando. Hoje, você fala em boi mais que há três meses atrás, é porque está faltando, não porque está sobrando, de uma maneira geral.

Mais ou menos o seguinte: a palavra paixão tinha, a princípio, um sentido passivo. Você diz assim: a Paixão de Cristo, quer dizer, aquilo que Cristo sofreu, aquilo que ele padeceu.

Vi que a palavra paixão vem do latim, mas existe uma palavra nas línguas indo-européias, que significaria uma espécie de você ser o objeto de uma ação, e esse verbo, essa palavra, não teria passado propriamente para o português, não do jeito como eu estou pensando.

Em português, temos a palavra sofrer, mas a palavra sofrer já vem carregada de uma conotação de dor, que, no original, esse radical não tinha.
...

O amor é um sentimento muito recente. Não sei se vocês já se deram conta, mas o amor é uma coisa que naseu, o amor tal como nós entendemos, o amor idílico, esse amor, por exemplo, que sustenta as novelas da Janete Clair, no horário das oito, o amor das fotonovelas, esse amor que sustenta nossa vida de hoje de um modo quase obsessivo, a tal ponto que chega assim: Você será feliz no trabalho e no amor.

Não que o homem e a mulher, a mulher e o homem, nunca tenham tido alguma coisa um pelo outro, mas na Antiguidade, por exemplo, isso era tido como uma espécie de maldição. Era como uma espécie de feitiço. "Estou encantado com essa garota".

Saber como o amor nasce, a primeira paixão, o amor à primeira vista, a continuação, o auge, a loucura, o fim, isso teria que se buscar nos poetas, porque não existe nenhuma ciência, com toda a sua ambição totalitária, que englobou todos os teritórios, todo o real, como um objeto de saber que cabe dentro de uma coisa que a gente chama de ciência, né?
Ora, o amor não cabe dentro desse quadro.

Paulo Leminski: A Paixão da Linguagem.