sexta-feira, dezembro 28, 2007

História da Vida Privada- O Corpo.

O Espelho

Com o surgimento do espelho, a pessoa deixa de perceber sua identidade no olhar do outro e passa a contemplá-la no espelho grande do quarto ou do banheiro.

Ontem a radiografia, hoje a ecografia, o scanner e a tomografia nos contam o que se passa em nosso interior. É um meio preventivo eficiente mas também fonte de novas preocupações. As pessoas não se contentam mais com a sintomatologia: querem desvendar a causa prmeira de qualquer mínima disfunção.

Característica de uma sociedade de abundância que considera a gordura "ruim" e a obesidade "vulgar", a estética da magreza é imposta pelo sistema da mídia, que intima as mulheres a seguir dieta e fazer ginásticas sempre novas. Esse culto do próprio corpo exige sacrifícios: em primeiro lugar financeiros, a seguir éticos, visto que os meios de comunicação nos repetem que "a pessoa tem o corpo que merece", o que leva a um novo sentido de responsabilidade.

O esporte foi introduzido pela primeira vez em escolas públicas por volta de 1830, e o objetivo era canalizar- socializar- a violência.

Os meios de comunicação nos estimulam a comer e nos intimam à magreza, empurram-nos para os fogões com receitas para emagrecer. Celebram a boa mesa e o regime, a arte culinária e a dietética.

Antigamente, os rituais alimentares (café da manhã, almoço, jantar) imprimiam o ritmo à vida familiar.
Hoje, a alimentação está cada vez mais submetida às imposições do trabalho. A jornada contínua introduziu os fast foods, que servem uma quantidade incalculável de refeições diárias.

Os segredos da fabricação escapam ao consumidor.
Experiências mostraram que a criança pequena escolhia sempre o alimento mais açucarado, mesmo que se acrescentasse um produto amargo para encobrir o sabor doce.
Como a indústria alimentícia se deu conta dessa apetência inconsciente pelo açucarado, ela nos oferece produtos amargos, salgados, apimentados... todos contendo açúcar.

Se folherarmos uma revista feminina veremos nas propagandas e nas matérias a redundância do tema da magreza: "Para emagrecer", "Para continuar magra"... E as revistas oferecem com sucesso suas "fichas culinárias", bem0fetas e destacáveis. Assim, continua a se comer, mas com pavor e vergonha.

Envelhecer.

Publicações também descrevem pormenorizadamento os mistérios das grandes estratégias anti-velhice: tinturas ou loções especiais para cabelos brancos, cirurgias estéticas, cremes anti-rugas ou para os seios, tratamentos revitalizantes. Nutricionistas esfecificam o conteúdo do regime, sexólogos lembram que o prazer não conhece limites de idade.

A morte, que agora ocorre no hospital ou na clínica, é totalmente medicalizada. O óbito precisa ser constatado por um médico legista antes de ser registrado em cartório. O momento da morte coloca um problema: antes, era quando a respiração cessava, o que era verificado com um espelhinho diante da boca do moribundo; depois, quando o coração deixava de bater, hoje, é o eletrocardiograma absolutamente reto que fornece a prova da morte. Ela já não é um passamento instantâneo: é uma série de etapas que podem se escalonar ao longo de várias horas, ou até dias.

Há uma expulsão da morte da vida cotidiana, uma dessocialização do luto.

Em 1986, o padre Jean Hamburger declara: "A tarefa do médico não é manter a vida a qualquer preço, não é impedir a morte natural, é apenas prevenir a morte patológica que vem antes da hora."

R. P. Riquete concorda: "não se entregando a acrobacias terapêuticas em relação a esse moribundo, prolongando uma agonia sem esperanças". Mas onde começam essas acrobacias?

O corpo e o enigma sexual- Gerárd Vincent
História da Vida Privada- da Primeira Guerra aos nosso dias.