Já ouviu falar vagamente dos licores deliciosos com os quais os cidadãos dessa esfera adquirem coragem e alegria à vontade.
Bebedores melancólicos, bebedores felizes, todos vocês que buscam no vinho o esquecimento ou a lembrança, e que, sem jamais achá-lo suficiente, contemplam o céu pelo fundo da garrafa.
Há sobre o globo terrestre uma vasta multidão sem nome, cujo sono não basta para adormecer os sofrimentos. O vinho torna-se para ela cantos e poemas.
Muitas pessoas dirão, sem dúvida. Que sou indulgente. “Você inocenta a embriaguez, idealiza a escória”. Confesso que diante dos benefícios, falta-me coragem para contar os danos. (...) Se o vinho desaparecesse da produção humana, creio que faria na saúde e no intelecto da humanidade um vazio, uma ausência, uma imperfeição muito mais terrível que todos os excessos e erros pelos quais responsabilizamos o vinho.
Um homem que só bebe água tem um segredo a esconder dos seus semelhantes.
Barbeau: “Não entendo por que o homem racional e espiritual serve-se de meios artificiais para alcançar êxtase poético, pois o entusiasmo e a vontade bastam para elevá-lo a uma existência supranatural. Os grandes poetas, os filósofos, os profetas, são seres que, pelo puro e livre exercício da vontade, alcançam um estado onde são, ao mesmo tempo, causa e efeito, sujeito e objeto, magnetizador e sonâmbulo.” Penso exatamente como ele.
Buscou-se na ciência física, na farmacêutica, nos mais grosseiros líquidos, nos perfumes mais sutis, em todos os climas e em todos os tempos, os meios de escapar, mesmo que por algumas horas, à sua morada de lobo e, como disse o autor de Lazare “Tomar o paraíso de um só gole”.
O espírito humano transborda de paixões, tem até para vender, mas este espírito maravilhoso, cuja depravação natural é tão grande quanto sua aptidão súbita, quase paradoxal, à caridade e às virtudes mais difíceis, é fecundo em paradoxos que lhe permitem empregar para o mal essa superabundância de paixões.
Este senhor visível de natureza visível (o homem) quis, portanto, criar o paraíso pelas drogas, pelas bebidas fermentadas, semelhante a um maníaco que substituiria os móveis sólidos e os jardins verdadeiros por cenários pintados sobre telas e emoldurados.
Paraísos Artificiais
Charles Baudelaire