Quem sabe eu tive de algum modo pressa de viver logo tudo o que eu tivesse a viver para que me sobrasse tempo de... de viver sem fatos? de viver.
O leve prazer geral- que parece ter sido o tom em que vivo ou vivia- talvez viesse que o mundo não era eu nem meu: eu podia usufruí-lo.
E que, quando andávamos, eu não sabia que o amor estava acontecendo muito mais exatamente quando não havia o que chamávamos de amor. O neutro do amor, era isso o que nós vivíamos e desprezávamos.
Eu não sabia ver que aquilo era amor delicado. E me parecia o tédio. Era na verdade o tédio. Era na verdade uma procura de alguém para brincar.
Um rosto inexpressivo me fascinava; um momento que não era clímax me atraía. A natureza, o que eu gostava na natureza era o seu inexpressivo vibrante.
- Ah, não sei como te dizer, já que só fico eloqüente quando erro, o erro me leva a discutir e a pensar. Mas como te falar, se há um silêncio quando acerto? Como te falar do inexpressivo?
- Não, não quero te dar o susto do meu amor. Se te assustares comigo, eu me assustarei comigo.
Ah meu amor, não tenha medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente.
Nesses intervalos nós pensávamos que estávamos descansando de um ser o outro. Na verdade, era o grande prazer de um não ser o outro: pois assim cada um de nós tinha dois.
A Paixão Segundo GH- Clarice Lispector.