segunda-feira, janeiro 17, 2011

A Mulher de Capricho

É curioso perceber que, desde as primeiras edições estudadas até as mais recentes, há um grande esforço no sentido de comunicar à menina que ela é independente, dona do seu corpo e de suas ações. Mas, ao mesmo tempo Capricho também deixa sempre claro que todas as consequências das decisões da menina devem ser calculadas e que, no fundo, é preciso levar em consideração a opinião dos rapazes na hora de fazer qualquer escolha — afinal, é o sucesso da conquista amorosa que está em jogo. E, para que o jogo dê certo, uma série de regras de comportamento, moda e beleza
devem ser seguidas. Mais uma vez, é disso que se trata: agradar.

Na verdade, embora a revista se mostre cada vez mais liberal em relação ao sexo, nota-se que, nas relações amorosas propriamente, a narrativa proposta pouco mudou. A ideia aqui é entender todos os defeitos masculinos, aceitando-os de modo a melhorar a relação: “Isso é o máximo, porque você vai conhecer ainda mais os meninos e vai descobrir o melhor jeito de se relacionar com eles”.

Quanto mais reportagens são examinadas, mais clara fica a supremacia da aparência sobre a essência. A menina precisa não apenas aparentar ter gostos que de fato não tem, agir de maneiras com as quais não necessariamente concorda e cuidar para
que suas características físicas atendam a determinadas expectativas, mas também fazer com que todas essas ações pareçam autênticas. Afinal, ter uma personalidade
forte é um dos requisitos que devem ser preenchidos — ainda que só na aparência.

Nas revistas mais recentes também há ainda muitos anúncios de beleza que mostram meninas sozinhas ou com rapazes, não muito diferentes da propaganda de
antigamente. Mas, por outro lado, tem se tornado cada vez mais comum que a publicidade apresente garotas que aparecem em grupos, divertindo-se juntas. Além
disso, parece existir também uma tendência a que os próprios produtos sejam personificados na figura de amigas. Na edição 884, de 2002, uma linha de maquiagem
é anunciada como “sua amiga inseparável” (p. 17) e, na edição 805, de 1999, uma marca de absorventes também aparece nessa condição — há a ilustração de uma agenda, com a foto de duas meninas colada em uma das páginas, enquanto, na outra, está escrito: “Obrigada, Marcinha. Obrigada, Always. Hoje, vocês me salvaram na aula de matemática”.

Os conselhos vão muito além do plano amoroso: hoje, Capricho ensina como transformar os pais em amigos, como não magoar a melhor amiga, como estar sempre bem com a “galera”. Assim, pode-se considerar que, em um momento histórico em que o
enlace amoroso já não é o único interesse da menina, o objeto-valor proposto à leitora é simplesmente não estar só. Mantém-se a categoria semântica “aparência
vs essência” na base desse processo, com a aparência, sempre, como polo positivo.

Observamos também que houve mudanças na maneira como a mulher e o amor são figurativizados ao longo do tempo. Enquanto nas edições mais antigas a
mulher é vista como um ser de poucas ambições, que leva uma vida pacata e que tem como únicos interesses a manutenção do casamento e o cuidado com o lar, a menina que se constrói a partir dos anos 1980 tem outras preocupações, como estudar e estar de bem com os amigos.
Apesar disso, mostramos que a conquista amorosa continua fundamental para a leitora, e que os recursos de que ela se vale para alcançar esse objeto-valor
variam muito pouco: a ideia básica é compreender o que os homens desejam e corresponder a essas expectativas.
A principal transformação na dinâmica da conquista diz respeito ao fato de que, a partir principalmente dos anos 1990, ela deixou de estar relacionada a um único homem. Se antes era preciso cultivar alguém que deveria ser mantido por toda a vida, e a todo custo, hoje a conquista é voltada aos “meninos”, de
maneira geral.

Está sempre presente a advertência de que é preciso se adequar às expectativas dos homens e dos amigos. Muitas vezes, após dizer que a menina precisa “ser ela
mesma”, Capricho explica a razão: meninos gostam mais das meninas autênticas.

A ideia principal é que a mulher precisa ser aceita e, para tanto, Capricho traz regras que devem ser seguidas, tanto em relação ao cuidado com o corpo quanto
no que diz respeito ao comportamento: a revista diz o tipo de música de que a mulher deve gostar para estar atualizada, o modelo de calça que deve usar para
esconder a barriga, o corte de cabelo que deve ter para afinar o rosto, os truques de sedução que deve adotar para não afastar os rapazes.

A mulher de Capricho: uma análise do perfil das leitoras através dos tempos
Raquel Torres Gurgel

http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es/eSSe61/2010esse61-rtgurgel.pdf