segunda-feira, janeiro 17, 2011

De "moça prendada" à "menina super-poderosa"

Os significados veiculados pela mídia são apropriados pelos sujeitos e transformados em mediações na constituição destes. Com relação, por exemplo, ao que se pretende investigar nesta pesquisa - as concepções sobre adolescência, sexualidade e gênero presentes na Revista Capricho - pode-se conjeturar que
O predomínio de uma determinada visão de adolescência [de sexualidade e de relações de gênero] no meio social implica o predomínio de determinados significados sociais relativos a esse campo. E implica também que o jovem, predominantemente, aproprie-se desses significados para representar a sua particular experiência de adolescência.”

No século XX, importante papel foi desempenhado pela mídia no Brasil no que diz respeito à abordagem do tema “sexo” na sociedade brasileira. Segundo Parker (1991)
Em filmes, rádio e televisão, tanto nas revistas e jornais da elite como nas populares, nos livros mais vendidos, na verdade, em quase todas as áreas da moderna indústria da comunicação, o sexo tornou-se um dos tópicos favoritos de discussão pelo Brasil. Os colunistas o comentam, psicólogos populares constróem carreiras em torno dele, cientistas sociais o estudam e fazem relatórios e, através disso tudo, um público notavelmente diferente o consome.

As ciências modernas, inclusive a psicologia, atêm suas forças na objetivação e naturalização das faixas etárias, “cada indivíduo passa a poder ter certeza de que, no momento indicado, o sinal da natureza irá despertar nele transformações bio, psico e sociológicas pré-diagnosticadas pelas ciências modernas.”

Com a idealização da adolescência, a estética adolescente passa a ser o ideal não apenas de adolescentes e adultos, mas também de crianças, haja vista a emergência da categoria “pré-adolescente”. Ao ser admirado e idealizado por todos, o adolescente passa a idealizar a si mesmo. Atrelado a tal fato, encontra-se o prolongamento da adolescência, e mais do que isso, o desejo que a adolescência nunca acabe. O adolescente não precisa mais ser reconhecido pelos adultos como um igual, segundo Calligaris, parece que são os adultos que buscam o reconhecimento dos adolescentes.

A maneira de lidar com a sexualidade adolescente, acompanha a história da construção das adolescências. Ou seja, com o advento da sociedade moderna capitalista, a adolescência passa a ocupar um lugar de destaque, sendo o momento destinado ao preparo do jovem para a vida adulta, para o mercado de trabalho. Cabe aos adolescentes algumas tarefas: lidar com as transformações de seu corpo, fazer sua opção sexual, buscar independência afetiva e econômica, lidar de forma “madura” com sua sexualidade. Porém, este “amadurecimento” deve acontecer seguindo alguns padrões, onde as diferenças de gênero são visíveis, como visto anteriormente. Dessa maneira, e principalmente com o aparecimento da AIDS e da preocupação atual com a gravidez na adolescência, a atividade sexual do adolescente é vista pela sociedade como um problema econômico e social, um problema de saúde pública.

No que diz respeito a esta interiorização de expectativas, Bozon (2004) afirma que “estas últimas décadas assistiram a uma aceleração do processo de substituição de controles e disciplinas externos aos indivíduos, por meio de controles e disciplinas internos, que aprofundam as exigências sociais.”

É importante destacar que Calazans (1999), através de uma análise da bibliografia brasileira sobre saúde sexual e reprodutiva do adolescente, produzida e publicada no período entre os anos de 1990 e 1998, aponta a existência de cinco trabalhos sobre mídia, e todos eles fazem parte da produção da ECOS em questão. Destes cinco trabalhos, quatro examinam revistas destinadas ao público adolescente feminino, tendo os seguintes enfoques: investigação de cartas enviadas por adolescentes à revista Capricho; reflexão sobre a transformação do papel da revista Capricho, salientando a responsabilidade do comunicador que redige informações refentes à sexualidade para as adolescentes; experiência editorial da revista Carícia com o público adolescente feminino; o discurso sobre e para adolescentes veiculado na revista Capricho, pautado na concepção de poder de Foucault. O quinto trabalho diz respeito a uma reflexão crítica sobre o papel “formatador” da mídia sobre a sexualidade dos adolescentes. Calazans (1999) observa que nenhuma das autoras dos trabalhos citados faz referências às outras.

Uma característica marcante da imprensa feminina é seu cunho de imprensa sentimental. Esta mídia desenvolve uma função psicoterápica buscando, através de seções como correio sentimental, fotonovelas, contos e artigos psicológicos; aliviar e confortar suas leitoras. As revistas femininas passam a ser companheiras, amigas das mulheres, dialogando com elas sobre problemas cotidianos.
Neste mesmo sentido, Buitoni (1981), afirma que:
“Vós, tu, você: o texto da imprensa feminina sempre vai procurar dirigir à leitora, como se estivesse conversando com ela, servindo-se de uma intimidade de amiga. Esse jeito coloquial, que elimina a distância, que faz as idéias parecerem simples, cotidianas, frutos do bom senso, ajuda a passar conceitos, cristalizar opiniões, tudo de um modo tão natural que praticamente não há defesa. A razão não se arma para uma conversa de amiga. Nem é preciso raciocinar argumentos complicados.
Mais do que uma amiga, as revistas femininas mostram-se como amigas mais velhas, conselheiras, logo, empregam em suas falas um tom impositivo, utilizando com freqüência o imperativo. Tanto nas matérias de culinária, quanto nas de moda, beleza e comportamento, a função conativa está presente. “Tudo vira receita de como se deve fazer para ser o modelo de mulher apresentado.”

A imprensa feminina informa pouco, mas desempenha importante função como formadora. Isso se deve principalmente ao fato de que “as revistas femininas são textos sociais que participam da construção da percepção acerca do que é ser mulher, sugerindo formas de pensar sobre elas mesmas e tipos de estilos de vida, sugestões estas que são processadas ativamente pelas leitoras, de acordo com suas experiências pessoais.”

No caso das adolescentes, as revistas são eficazes na transmissão de cultura por se apresentarem como uma parte dela que fala diretamente com as meninas, na linguagem delas. Esse tipo de revista é um elemento que as adolescentes absorvem e assimilam na formação e transformação da identidade. Além de fonte de informação, as revistas funcionam como balizador daquilo que é considerado comportamento normal na adolescência.

É possível encontrar eco nas revistas quando se verifica, em especial nos exemplares da Capricho entre a década de 50 e meados de 70, a quantidade de propagandas de eletrodomésticos e demais utensílios para o lar. O público a ser atingido por esta revista nesta época era composto por mulheres jovens, em busca de um casamento, noivas ou casadas, que tinham como objetivo constituir um lar com o que pudesse existir de mais moderno e pudesse ajudá-las a serem ótimas donas de casa e mães. Cabe ressaltar também a grande presença de propagandas de produtos destinados a bebês: talco, fralda, pomadas. A veiculação destes tipos de propaganda indica o papel social das mulheres nesta época: ser esposa e mãe.

A primeira menção feita à adolescência nos números da Capricho consultados foi em 17 de fevereiro de 1982 em uma pequena matéria intitulada “A adolescência é uma idade chata e perigosa. Mesmo!”, onde é exibida uma imagem da adolescência como um período crítico, conflituoso e problemático.

“Todo mundo muda com o tempo, mas os especialistas descobriram que, dependendo da idade, as pessoas são mais ou menos sensíveis a coisas como a dor e a fossa. E as pesquisas revelaram fatos surpreendentes como este: os adolescentes se entediam muito mais do que os adultos. São também os jovens entre quinze e vinte e quatro anos os que correm mais risco de sofrer acidentes. (...) Ao contrário do que se pensa, em matéria de grilos, os adolescentes ganham disparado. É o que dizem os pesquisadores da Universidade de Bonn (Alemanha). Em compensação, só vamos passar por outra idade difícil muito mais tarde. As mulheres têm grandes conflitos emocionais novamente por volta dos cinqüenta anos. E os homens, aos sessenta.”

Esta imagem da adolescência como um período perigoso e frágil da vida, trazida pela modernidade, incentiva a vigilância e justifica a intervenção constante de instituições na vida dos adolescentes. As ciências modernas, inclusive a Psicologia, atêm suas forças na objetivação e naturalização das faixas etárias. A revista Capricho adota essa visão e entra como parceira nessa empreitada.
A este respeito, vale destacar a presença marcante, a partir da década de 80, de manuais de educação sexual, dotados de um caráter essencialmente científico, biologicista e pedagógico.

O histórico desta revista revela muito da relação entre Capricho e adolescência. Todas as reformulações editoriais sofridas pela revista nos anos de 1982, 1985, 1989, 1997, 1999, implicam na mudança da faixa etária do público alvo da revista. Com exceção das mudanças no ano de 1999, nos demais a idade das adolescentes a quem a revista se destinava diminuía a cada reformulação.
Talvez antes de nos aprofundarmos nesta discussão seja interessante, até mesmo por uma questão cronológica, considerar o lugar da adolescência na revista nos anos antecedentes a essas mudanças. Como dito anteriormente, o termo adolescência não esteve presente antes da década de 80 na amostra de edições analisadas. Nos anos 50 e início dos anos 60, a revista parecia destinar-se a jovens em idade de casar ou casadas, mães ou futuras mães e, especialmente, donas de casa.
Apesar das seções de cartas das leitora desta época não apresentarem a idade das remetentes, pode-se imaginar que elas devessem ter 18 anos a mais, sendo difícil precisar a idade máxima, mas certamente atingia mulheres adultas, em torno de 40 anos.
Pode-se chegar a esta constatação tanto através de algumas perguntas, onde as leitoras declaram o tempo em que estão casadas, como também devido às propagandas veiculadas pela revista.
Um exemplo é a propaganda de Modes, destinada a mães de meninas-moças, presente na Capricho de 1956, que traz o seguinte enunciado: “A Sra. deve contar à sua filha ... Antes que ela ouça lá fora, entre cochichos e murmúrios, procure ajudá-la a compreender “certas coisas” sobre a natureza íntima da mulher”.
Junto ao pacote de Modes vinha o livrinho Ser quase mulher ... e ser feliz, “em linguagem simples, porém discreta, tudo quanto uma menina-moça necessita saber sobre menstruação.”
Outras propagandas também tratam as leitora por “senhora”.
Nem mesmo a palavra “jovem” aparece, salvo poucas exceções, os termos utilizados com maior freqüência são: mulher, amiga, amiguinha, querida.
Vale destacar também que nas capas das revistas de 1954 à 1963 encontrava-se o slogan “A revista da mulher moderna.”

Em 1953, foi exibida a seguinte matéria: “A Garota de 1953”, que traçava o perfil de como deveria ser e como deveria se comportar a garota de 53, baseado em dados de uma das Organizações Internacionais da Juventude. De maneira resumida, serão apresentados alguns traços deste perfil. Primeiramente, ela deveria ser ela mesma, sem sofisticação espiritual nem física; caso não estudasse nem trabalhasse, “tendo o privilégio de cuidar da casa” deveria aproveitar e se preparar para ser uma dona de casa exemplar quando se casasse, mas, se não tivesse tempo para se ocupar da casa, deveria ao menos saber “preparar um bolo, um creme aveludado e um ou dois coquetéis a fim de poder dizer que possui algumas especialidades nesse campo.”
A garota de 53 deveria praticar esportes, mas sem exagero, já que um futuro marido preferiria saber que a noiva fala vários idiomas ou sabe cuidar de casa em lugar de ser campeã em algum esporte.
Ela não deveria falar muito alto, deveria estar bem arrumada, usar pouca maquiagem, usar bons perfumes e “tratar de não flertar demasiado.” Ou seja, “deverá representar a imagem da verdadeira mulher de nosso século: agradável, compreensiva e antes de tudo ser mulher!”
Acredita-se que esta matéria mostre a visão que se tinha da leitora, da mulher desta época, marcando o fato de que a garota dos anos 50 nada tinha da visão de adolescente que se tem hoje em dia. A juventude servia como uma preparação para o casamento.

Em dez anos mudanças aconteceram... Pelo menos aparentemente. Em 1963 foi publicada uma matéria com o mesmo tema, só que agora, obviamente, intitulada “A garota de 63.” A ilustração é uma jovem, cabelos soltos, vestida com blusa e calça pretas, à vontade na natureza, acompanhada dos seguintes dizeres: “Mais simples e independente, bem mais liberal em sua visão dos problemas do mundo de hoje e, sobretudo, ciente de suas responsabilidades na comunidade em que vive, a jovem moderna é típica da nossa era: essencialmente prática.”
Contudo, este discurso contrasta com o presente nas cartas das leitoras e nas respostas fornecidas pela revista, bem mais próximos da garota de 1953.

Em 1972 o objetivo não era atingir meninas tão jovens assim, já que em sua capa vinha estampado “desaconselhável para menores de 16 anos”, talvez devido a freqüência ainda maior de temas ousados, associados a sexo e desejo.

Estas mudanças, especialmente após 1968, estão em consonância com o que disse Calligaris (2000), ao afirmar que nos anos 60, sendo possível ampliar para os anos 50, os adolescentes tinham os adultos como ideal, buscando ser reconhecidos como tal, fato que não é diferente da atualidade. Acontece que, para tanto, os adolescentes imitavam os adultos em tudo: atitudes, roupas, hábitos.

A revista Capricho entra em um processo que empresta cada vez mais às suas páginas qualidades da modernidade, dentre elas: novidade, extravagância, irreverência, espontaneidade, ousadia, rebeldia, exclusividade e diferença. Sendo estas qualidades valores atribuídos pela publicidade à juventude.

Em 1982 acontece a primeira reformulação editorial, com mudanças no formato, logotipo, bem como do público alvo, que passou a ser de jovens entre 15 e 29 anos. Daí em diante, as demais mudanças no editorial seguem com a diminuição da idade do público a ser atingido: 1985 (“A revista da gatinha”): adolescentes de 15 a 22 anos, 1989: de 12 a 19 anos, 1997: de 12 a 16 anos.

É no ano de 1999, em agosto, que devido a problemas de circulação, a revista promove uma nova mudança editorial, trazendo para a sua direção a jornalista Brenda Fucuta, que se encontra à frente da revista ainda hoje. A revista passou a compor suas capas com ídolos (artistas, cantores, apresentadores), adotando uma linguagem mais adulta, reforçando a pauta com assuntos mais jovens e menos femininos.
Estas informações fazem eco ao processo de “juvenilização”, processo este que substituiria a juventude, tendo como característica ser desvinculado da idade adolescente, podendo ser vivido por qualquer idade.
Dessa forma, as faixas etárias deixariam de ser essenciais para a determinação do curso da vida, transformando-se em estilos de vida sendo escolhidos livremente pelos sujeitos.

Ao examinar as edições da Capricho, fica claro que esta revista não contempla a diversidade, a pluralidade das adolescências, acompanhadas das diferenças culturais, sociais, de gênero, raciais, regionais e nacionais. O modelo disseminado por este veículo midiático é o de adolescência dominante, da adolescência padrão e naturalizada, vista como uma fase difícil da vida, conflituosa pela qual todas pessoas passam, que serve como modelo de identificação para as demais adolescentes, tendo o outro como referência para encontrar a si mesma.
Ao mesmo tempo em que a revista passa por reformulações para se adequar às mudanças vividas na sociedade, atenta à “nova organização das idades”, até mesmo para não ver a sua popularidade despencar, ela também participa na construção desta adolescência, deste modelo dominante de adolescência que através da desconsideração da diversidade legitima diferenças.


O sexo nas cartas e nas páginas

Com relação ao conteúdo, mudanças significativas podem ser verificadas nestas seções ao longo do tempo. Da década de 50 até meados da década de 60 predominavam nas cartas questões relacionadas a sentimento, relacionamentos, comportamento. Foi o reinado de Marga Mason. Enquanto era ela a responsável pela seção “O coração pergunta, Marga Mason responde”, não foram encontradas, uma vez sequer, as palavras: sexo, virgindade, relação sexual, prazer e suas correlatas.
Um termo utilizado com muita freqüência era “ceder”, a moça não poderia “ceder”, dar “liberdades”, “intimidades”, senão o rapaz se aproveitaria dela, apenas por diversão.

O silêncio das revistas femininas desta época com relação ao sexo e a censura nas informações sobre sexualidade estavam a serviço da manutenção da pureza das moças. O sexo fora do casamento era recriminado de modo veemente, e dentro aparecia com o intuito de procriar. Não existia uma preocupação relacionada à vivência do sexo, à felicidade sexual, mas sim com a preparação para a vida matrimonial e, consequentemente, com a procriação.

A raríssima menção a métodos contraceptivos pela revista e a não abordagem deste tema por Marga Mason, ao menos nas edições consultadas, deixam claro a ligação entre sexo e procriação. Para que falar de métodos numa revista que tem como público “moças de família”, que farão sexo apenas após o casamento e com o objetivo de dar filhos ao marido?

Durante a década de 70, pôde-se perceber que o teor das perguntas se manteve parecido, a maior mudança estava no conteúdo das respostas: casamento deixa de ser o centro da vida da mulher, desvincula roupa à moral, incitam as mulheres à ação. Acontece uma divisão da seção de cartas das leitoras: uma delas passou a se dedicar a comportamento, relacionamentos e a outra a questões médicas.
Esta divisão mostra o início da separação entre sexo e amor que se consolidará mais tarde nas páginas da revista.
Ainda não se falava diretamente sobre sexo, apenas uma pergunta insinua a sexualidade, em 1974, mas nem na pergunta e nem na resposta a palavra sexo foi citada, sendo utilizado como subterfúgio: “problemas que envolvem um homem e uma mulher”.
Já o tema virgindade foi abordado diretamente em duas perguntas em 1976: uma delas na seção “consultório médico”, a qual foi respondida por um profissional de maneira técnica e impessoal, e a outra na seção “O coração pergunta”, a cargo de Maria Beatriz:
“Devo contar ao meu noivo que não sou mais virgem?” – Rosa ferida (RS): tem 18 anos, perdeu a virgindade aos 15, é noiva de outro rapaz, com casamento marcado, mas tem remorso, se contar ele sofrerá e estragará o amor deles, ao mesmo tempo não que enganá-lo, angustiada por não saber se deve dar a ele contas do seu passado. * “Uma pétala roubada de uma rosa não diminui seu perfume nem sua beleza.” O importante não é o que aconteceu, mas o que ela é agora. As mulheres, assim como os homens, precisam ser aceitas pelo que são e não pelo que foram.

Década de 80: a década do prazer. Nunca se falou, nem se falará, tanto em sexo, prazer, orgasmo, nem tão abertamente, quanto nesta época. No ano de 1980, as perguntas enviadas pelas leitoras iam desde as mais ingênuas: “É normal o marido pedir para a mulher ficar nua na hora da relação?”, até as mais “ousadas”: “Estou cansada de fingir que sinto prazer.”
Alguns temas estavam presentes cada vez mais assiduamente, tanto nas cartas das leitoras quanto nas demais matérias da revista: busca pelo prazer, orgasmo feminino, masturbação feminina, aborto, ereção, ejaculação precoce, zonas erógenas, virgindade (preocupação que descubram que não é mais virgem), métodos contraceptivos (em especial a pílula).
Mantém-se a divisão de seções relacionadas a comportamento e a sexo.
Um exemplo destas mudanças é a publicação da seção especial “Sexo no consultório”, exibida na edição de fevereiro de 1982, onde foram respondidas as perguntas, segundo a Capricho, feitas nos consultórios dos ginecologistas com maior freqüência. A proposta era que este caderno especial servisse como manual a ser consultado sempre que necessário. Este compreende 12 páginas e 50 perguntas, endereçado a adolescentes entre 14 e 17 anos.
Sexo passou a ser abordado. Entretanto, é importante ressaltar que de uma maneira bastante científica, pedagógica, bilologizante e também psicologizante, características que se acentuaram especialmente a partir de 1982. Foi também a partir deste ano que dois personagens ganharam destaque: psicólogo e ginecologista, que muitas vezes trazem também o título de educadores sexuais ou sexólogos.
São eles, na maior parte das vezes, os responsáveis pelas respostas das cartas das leitoras. A função desses profissionais é ajudar as leitoras a resolver seus problemas com relação à sexualidade, buscando atingir a satisfação sexual.
Se nos anos 50 e 60 o que imperava era a felicidade conjugal, agora passou a ser a felicidade sexual.
A princípio, pode-se pensar que esta abertura da revista com relação à sexualidade feminina foi uma grande conquista. Certamente não se pode ignorar os méritos desta mudança. Entretanto, a maneira como muitas vezes os assuntos eram abordados e as respostas eram dadas, dão margem à reflexão de se toda essa mise-en-scène em torno da sexualidade teria não o objetivo de proporcionar à mulher uma vida sexual mais satisfatória, desenvolvendo uma relação igualitária com seu parceiro, mas sim, o de ensinar a mulher como agradar seu companheiro. Ou seja, impressioná-lo, tanto para conquistá-lo, como para mantê-lo. Mais uma vez caberia à mulher o papel de responsável pela manutenção de uma vida equilibrada e satisfatória entre o casal.

Em 1989 passa a haver apenas uma seção de cartas da leitora que responde a perguntas de cunho médico. Nesta constatou-se uma diminuição da presença de perguntas relacionados à busca de prazer, orgasmo, satisfação sexual; abordando temas como pílula e cisto ovariano. As respostas são ainda mais técnicas e impessoais. Porém, aqueles temas continuam presentes em matérias ao longo da revista.
Destaca-se aqui a presença de discussões sobre a relação entre prazer e dever no relacionamento, o momento de dizer não e dúvidas quanto ao momento certo de transar, podendo, talvez, ser uma resposta à ênfase dada ao sexo, até então, nesta década, sugerindo que é chegado o momento de se refletir sobre a obrigação de transar e obter prazer, enfatizando o poder de decisão individual.

Final dos anos 90: 1997 e 1999. O foco das perguntas das leitoras, assim como de matérias e reportagens não está mais na busca pelo prazer, na satisfação sexual. Mas a sexualidade continua na pauta do dia, só que agora tendo os seguintes temas como alvo: gravidez na adolescência, início da vida sexual, camisinha, namoro pela internet, homossexualidade feminina, masturbação feminina, sexo anal, bissexualidade, primeira vez, como contar aos pais que não é mais virgem.

Cabe ressaltar o quanto as preocupações em torno da virgindade estão sempre presentes, de 1953 a 2003. Elas se diferenciam um pouco de acordo com as particularidades de cada momento, entretanto, o âmago da questão, ou seja, o valor conferido socialmente à virgindade, se mantém.

Além destas questões, vem atrelada a emergência, nas ultimas décadas do século XX, de uma nova forma de relacionamento: o “ficar”. Na década de 90 o “ficar” já se encontra incorporado ao linguajar da revista, possuindo, inclusive, um conjunto de vocábulos em torno dele: ficadas, ficantes, pegar, etc.

Em 1997, contava-se com a existência da seção “sexo” para responder às cartas das leitoras. Em 1999, estavam presentes duas seções, uma destinada a perguntas sobre sexo e outra, sobre relacionamentos. Para auxiliar na elaboração das respostas, a revista contava com a contribuição de consultores, predominantemente ginecologistas.
Desde maio de 1997, estava presente, junto à seção de cartas, a campanha “camisinha, tem que usar”.
Com aumento no número de casos de adolescentes contaminadas pelo vírus da AIDS e a preocupação com a gravidez na adolescência, a atividade sexual do adolescente passa a ser vista pela sociedade como um problema econômico e social, um problema de saúde pública. Dessa forma, fez-se necessária a presença de uma linguagem mais sanitária, de um discurso a respeito dos riscos ligados à sexualidade e de como se proteger deles.
Parece que neste final da década de 90 a revista tenta “frear” algumas questões relacionadas à sexualidade. É como se toda aquela liberação ao falar de prazer, orgasmo, sexo na década passada tivesse rendido frutos não muito agradáveis, cabendo nesse momento à revista contornar a situação.
Mas tudo deve ser feito de uma maneira bastante sutil, sem perder o ar de modernidade, sem comprometer a imagem da revista.
Não é por acaso que nestas matérias conta-se, predominantemente com o depoimento de meninas e meninos que viveram na prática essas situações. Ou seja, não é a Capricho quem está falando, mas sim os próprios adolescentes.

2000, 2001, 2003, chega-se ao século XXI. Em 2000 existiam duas seções: “Sexo” e “Help”, esta última respondia a perguntas sobre comportamento. Em 2001 e 2003, passa a haver uma só coluna que abrange tanto perguntas sobre sexo quanto sobre comportamento: “Sexo atitude relações” e “Assunto de amiga”, respectivamente. Nos dois primeiro anos conta-se com o auxílio de consultores: ginecologista, terapeuta sexual, psicólogo e orientador sexual. Já no ano de 2003, Giovana Gonzáles é a responsável pela seção, sendo ela quem responde às cartas. Os temas abordados e a maneira como são tratados não diferem muito do que foi relatado sobre o final dos anos 90, podendo ser acrescentado debates com relação ao namoro virtual e encontros na internet.
Predominam perguntas sobre relacionamentos, ou seja, que falem de sexualidade, mas não no sentido de pedirem uma informação científica, técnica, mas sim o que devem fazer, como agir, solicitando conselhos. As repostas continuam de forma descontraída, falando diretamente à leitora, especialmente em 2003, onde se acrescenta uma pitada de humor.

É possível também conjeturar a respeito do menor número de perguntas sobre sexualidade e comportamento em 1989 e 1997, no máximo duas e até mesmo a ausência delas em dezembro 1989. Uma hipótese é que este fato esteja relacionado com o surgimento da AIDS. Isso porque, como foi dito anteriormente, fez-se necessário conter algumas questões relacionadas à sexualidade. Percebe-se que a revista deixa de enfatizar a busca pelo prazer, como se isso fosse uma medida preventiva. A revista falava sobre sexo, mas de maneira técnica, informativa. Cabe ressaltar que foi em novembro de 1985 que se fez, pela primeira vez nas páginas da Capricho, menção à AIDS. A partir de 1997 a presença da campanha pró-uso da camisinha indica a preocupação compartilhada pela revista, estando presente perguntas sobre este método nas cartas das leitoras.

Homossexualidade

A homossexualidade é um tema pouco presente nas páginas da Capricho. Esse assunto foi encontrado num total de seis vezes em todas as edições consultadas. Curiosamente, a primeira vez foi num exemplar de 1953, na matéria “Será ele um homem de linha?”, assinada pelo psicólogo Richard Rest, que terá aqui alguns trechos reproduzidos:
(...) quantas noivas ou namoradas não se queixam pelo fato de seus pretendentes terem atitudes pouco masculinas? Só pode causar decepção e repulsa aquele que anda a olhar-se e a pentear-se, a ajeitar-se de vez em quando, como fazem as mulheres. A que se deverá isso? Por que quase todos os homens possuem às vezes certas características próprias do sexo frágil? (...) Não vamos aqui chegar ao extremo de analisar e considerar casos de raízes mais profundas como o homossexualismo masculino e o feminino. Queremos apenas conversar sobre certas características femininas que muitos homens têm... (...) Portanto, amiga leitora, não se desespere nem desanime quando notar em seu namorado certas atitudes que não sejam inteiramente masculinas. Trata-se, com segurança, de efeitos de uma educação mal orientada (seria interessante a leitora ter umas noções de psicanálise), mas suscetíveis de serem eliminados. (...) Não poderíamos terminar sem antes deixar claro que não desejamos (pode crer) que o seu noivo ou namorado se pareça com o simpático rapaz que ilustra esta página...”

Junto à matéria havia um teste para a moça descobrir se seu noivo era um “homem de verdade” ou se tinha “atitudes afetadas”. Neste teste algumas características foram identificadas como indícios de que o homem possuía “mais características femininas do que o normal”, como: trocar de roupa mais de duas vezes por dia, chorar quando assiste a cenas tristes, usar diminutivo em suas conversas, ser zeloso, pentear os cabelos, regatear nos preços, trocar facilmente de opinião quando discute assuntos importantes, mentir, dizer segredinhos, preocupa-se com o que pensam dele, quando discute insiste em ter a última palavra, anda perfumado, traz um espelho no bolso para mirar-se sempre que tiver oportunidade.

Em maio de 1997, outra pergunta relacionada à homossexualidade foi publicada, só que agora sobre a homossexualidade feminina. A leitora, de 13 anos, acha que é lésbica, pois no ano anterior estava apaixonada por uma amiga. A resposta traz o seguinte: “Às vezes a atração por uma amiga pode não significar que uma menina é homossexual, é apenas uma fase. (...) Você precisa ter tempo para pensar em outras coisas, estudar e se divertir. Se você sentir necessidade de ajuda, procure um psicólogo ou alguém que possa ajuda-la a se entender.”

No mês de outubro, na matéria especial “Conversa sem vergonha”, com Babi, encontrou-se uma pergunta formulada por um menino sobre meninas bissexuais, se isso é freqüente. Babi responde dizendo que na adolescência isso é muito normal. Que as meninas “têm uma liberdade muito maior do que a dos meninos em fazer carinho na amiga. (...) É normal você achar que está apaixonada por uma amiga. Rola mesmo, mas depois você vai descobrir que era uma admiração, que era porque você achava a sua amiga muito linda.”

Em 2001, junto à seção destina às cartas das leitoras, estava presente uma pequena matéria: “Abaixo os preconceitos”, com o depoimento de duas meninas homossexuais de 16 anos (com nomes fictícios) que gostariam de “ajudar a acabar com a idéia de que toda menina homossexual vira mulher-macho.” Uma delas termina falando o seguinte: “Mulher homossexual é normal. Estuda, trabalha, vai ao mercado, faz as unhas e sai para se encontrar com seu amor. Exatamente como todas as mulheres do mundo.”

Nas três respostas dadas (1982, 97, 99) é possível perceber que a homossexualidade é negada. O namorado é muito respeitoso devido à sociedade que valoriza a virgindade e a virilidade masculina; a menina sente-se atraída por uma amiga, mas vai perceber no final que era só uma admiração, que tudo faz parte de uma fase do desenvolvimento da adolescente. Nesse sentido não parece diferir muito do que foi exposto em 1953, onde o homem que apresenta características tidas femininas como a vaidade, o zelo e o expressar sentimentos, é assim devido a uma educação mal orientada.
A homossexualidade, desta forma, está sempre à margem no discurso da Capricho. Um discurso que perpetua a visão dominante da heterossexualidade como a sendo “a” opção. Não existe espaço para debater outras formas de viver a sexualidade.


Desde a primeira edição da Capricho consultada, conta-se com a presença de seções sobre moda e beleza. Estas forneciam dicas às moças sobre como se maquiar, pentear, o que vestir. Como pôde ser visto, quando se falou dos ingredientes da felicidade conjugal, um deles era que a esposa mantivesse o cuidado com sua aparência. Sendo a boa aparência também um pré-requisito de grande importância no momento de conquistar um pretendente. Mais uma atribuição da mulher: estar sempre bonita, ou pelo menos demonstrar cuidado nessa área.

Na Capricho de outubro de 2000, diante da seguinte pergunta: “O que você não suporta na hora da transa?” Dois meninos, entre 17 e 20 anos, responderam: “Olhar para a cintura e ver umas gordurinhas.”, “Celulite e gordurinhas não!”

A matéria “ABC do amor e do sexo” de 1985 trouxe a foto de um adolescente do sexo masculino e de uma do sexo feminino (aparentando 12 anos), nus de frente e de costas. Fotos de adolescentes nus só foram exibidas na Capricho durante estes anos, aparentemente numa tentativa de naturalizar o sexo, “deserotizando” os corpos, como se fosse um livro de biologia ou um manual de anatomia.

Com a medicalização contemporânea da sexualidade, que vem com a dissociação entre reprodução e a atividade erótica não reprodutiva, a vida sexual das mulheres passou a sofrer um aumento da influência médica. O controle ginecológico passa a fazer parte da vida das mulheres cada vez mais cedo. A primeira visita ao ginecologista, geralmente associada à busca por um método contraceptivo, passou a ser um importante ritual na vida das adolescentes. Tal fato é facilmente verificável nas diversas matérias trazidas pela Capricho sobre a primeira visita ao ginecologista, onde esta é desmistificada e incentivada. É possível também observar a presença maciça de ginecologistas, orientadores sexuais, psicólogos respondendo a dúvidas, ensinando sobre métodos, falando sobre a sexualidade feminina em todos os aspectos.
Esta constatação é curiosa, pois ao mesmo tempo em que a mulher, com o surgimento e popularização dos métodos contraceptivos, passou a ter maior autonomia sobre seu corpo, parece que foi necessário inventar uma forma desta autonomia não alçar vôos tão altos, ou seja, não se podia perder o controle.
Entra em cena, então, a classe médica, na tentativa de voltar a gerenciar os corpos femininos.
Isso faz lembrar o que Foucault (1998) chamou de “polícia do sexo: isto é, necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo rigor de uma proibição.”
As revistas femininas não ficaram fora dessa, desempenhando significativo papel neste “resgate” do controle sobre o corpo da mulher.


Falar de gênero, de relações de gênero não é falar unicamente de mulheres ou de homens. O gênero “não existe nas pessoas, mas sim nas relações sociais.” Voltar o olhar para as relações de gênero proporciona que se entre em contato com as transformações historicamente sofridas pela trama de relações sociais.

No que diz respeito aos meninos, estes quando expõem suas opiniões nas páginas da revista, geralmente são identificados pelo nome completo, idade, cidade onde moram, além da presença de fotografias.
Já com as meninas, mostrar seus rotos em fotografias é bastante raro, principalmente nas seções de cartas, onde em nenhuma edição consultada foi verificada a existência de fotos das leitoras junto às suas perguntas.


Breve panorama das mulheres nas diferentes décadas

Anos 50 e 60, os conselhos formulados pela revista, especialmente por Marga Mason, indicavam que a mulher deveria ser dócil e meiga, sendo aconselhada a “suavizar o gênio e cultivar a meiguice, para se tornar ainda mais atrativa.”, sendo importante também “perder a tendência à discussão.” A matéria “A garota de 1953”, discutida no item sobre adolescência, revela muito sobre a maneira como a Capricho veiculava a imagem da mulher nesta época, mulher que tinha como principal objetivo o casamento. Já ao homem desta época cabia o papel de ser trabalhador, honesto e capaz de sustentar a casa, características que indicavam que ele possuía boas intenções para com a moça.

Apesar de o conteúdo das respostas presentes nas edições da década de 60 serem semelhantes aos da década anterior, sabe-se que a imagem da mulher em 1960 diferia daquela “moça-prendada” de anos antes, basta conferir a descrição da “Garota de 63.” Estas mudanças refletem os acontecimentos da época: movimentos feministas, politização da sexualidade, aumento da escolaridade entre as mulheres, crescimento da participação destas no mercado de trabalho, surgimento de métodos contraceptivos.
Todas estas transformações vão sendo percebidas nas páginas da revista e, especialmente nas colunas de cartas das leitoras, ganharam força a partir de 1970.

Durante os anos 70 nota-se a presença de um outro discurso voltado às mulheres. O casamento deixa de ser o centro de suas vidas, incitam a mulher a ter consciência do seu corpo.

No final dos anos 90 e início do século XXI, é possível verificar uma certa ambigüidade no que tange à imagem da mulher: ao mesmo tempo em que a adolescente é retratada como tendo mais iniciativa, dona de uma atitude mais ativa com relação aos meninos, nota-se a manutenção de alguns valores morais típicos daqueles em voga nas décadas de 50 e 60.

Na pesquisa realizada por Miranda-Ribeiro & Moore (2003), as autoras afirmam que na revista Capricho “a menina é incentivada a proteger o menino, sem levar em consideração os sentimentos e as necessidades dela.” Afirmam também que esta revista ensina a adolescente a se respeitar, a lutar pelo que quer, mas sugere que ela deve ir somente até onde o menino não se sinta ameaçado, principalmente com relação à sua masculinidade.
Esta idéia de proteção aos meninos como sendo uma responsabilidade das mulheres parece estar tão arraigada que a podemos encontrar até mesmo na fala de uma adolescente de 17 anos às vésperas do século XXI. Diante da seguinte enquete: “As meninas têm responsabilidade quando os meninos transam e desaparecem?”, Priscilla, de 17 anos, responde: “As meninas têm responsabilidade, pois ninguém faz sexo sozinho. Se os meninos são assim é porque nós, meninas, cedemos. Às vezes, bem fácil e rápido.”

Mulheres no banco dos réus

A mulher encontra como algozes não apenas homens, mas também as próprias mulheres. Inúmeras cartas e suas respectivas respostas, nas diferentes décadas, podem demonstrar isso. Algumas vezes explicitamente, outras nas entrelinhas, mas o julgamento está lá. O grande alvo de críticas e reprovações é comportamento da mulher no relacionamento com um homem. Tomar a iniciativa? Deixar-se beijar no primeiro encontro? Transar na primeira ficada? Nem pensar!
Veja como exemplo um dos itens que faziam parte do “decálogo do casamento feliz”, publicado em 1953: “O nariz do marido pertence a ele somente – (...)Torna-se antipático que as mulheres imponham demasiado sua vontade, que escolham o cinema, o teatro, a confeitaria, o veraneio. Depois de tudo, o sexo forte sabe tomar iniciativas. Uma mulher hábil pode conseguir sempre o que quer e aparecer como dominada e obediente. São pequenas trapaças que asseguram a felicidade conjugal.”

O verbo conquistar deveria, e deve, ser conjugado pelos homens. Tal fato pode ser observado nesta carta de 1960: Coração amargurado: (...) não gosta de olhar para os rapazes, tem medo que a achem oferecida. * “Acho que deve olhar para os rapazes, minha querida. Não os encare, é claro, mas olhe-os ligeiramente, para que eles tenham a oportunidade de cumprimentá-la (...) Se não olhar para ninguém, acabará ficando solteira.”
E também nesta de 1999, onde a revista dá o seguinte conselho à adolescente: “(...) Uma boa tática é pedir para uma amiga ou amigo perguntar se ele quer ficar com você de novo. Assim, você facilita os próximos passos dele.”
Por que os passos dele e não os dela? Ou ainda na resposta de meninos, publicada em 2000, à pergunta: “O que você acha de uma menina que toma a iniciativa?” * “Não acho normal ela assumir o comando, o homem tem que conduzir, é cultural.” “O homem nasceu para conquistar e a mulher para ser conquistada.” “Não gosto de mulher que assume, que fica muito oferecida.”

Avaliadas e julgadas são também as atitudes que as meninas adotam nos primeiros encontros. Em 1960, por exemplo, Lia escreve perguntando se está agindo corretamente não deixando que seu namorado a beije, permitindo apenas após conhecê-lo bem. Marga Mason diz que ela está correta, “Os rapazes não têm nenhuma consideração por essas garotas que consentem que qualquer rapaz as beije. (...) Seu príncipe encantado chegará e ficará muito feliz ao saber que você reservou para ele seu primeiro beijo.”
Os tempos mudaram, beijar no primeiro encontro já não é mais tão grave para uma geração que adotou o “ficar” como uma nova modalidade de relacionamento. Não são mais os beijos os condenados, mas sim contatos mais íntimos, transar, ou seja, a mulher continua a ser julgada.
Várias enquetes, desde 1985, foram realizadas com meninos em torno da mesma questão, só que agora atualizada: o que eles acham de meninas que transam no primeiro encontro.
A seguir será apresentada uma “coletânea” das respostas dadas pelos meninos . “A menina tem que ter classe, por mais que goste do cara tem que se preservar. Ser conquistada. Eu gosto mais assim.” (1985).
“Essas aí não se dão o mínimo valor. É meio machista falar isso, mas se eu saio e logo ela quiser ir para a cama, fico com péssima impressão.” (2000).
“Uma menina que faz isso deve ter consciência de que vai ficar malfalada. Eu não gostaria de ter uma namorada assim.” (2001).
“Para mim, vira uma mulher-objeto, sem valores morais. Eu fico inseguro de namorar uma garota assim, mas ela pode virar uma amiga para outros momentos de prazer.” (2001).
“Não é que o homem seja machista, mas ele quer que a mulher continue com o valor dela. Quer que a mulher seja mais reservada.” (2003).
“Se desde o começo foi assim, por que é que vai mudar?” “E mudar para pior... Não dá para namorar uma menina assim, que xaveca.” (2003).

Dessa forma, a mulher ideal veiculada pela revista Capricho do século XXI, não está tão distante daquela dos anos 50. Claro que ela não precisa saber fazer um “creme aveludado”, as prendas domésticas não estão mais dentre os principais atrativos. Entretanto, ela continua tendo que cuidar da sua aparência, saber seduzir, mas sem ser oferecida, não tomar a iniciativa (salvo algumas exceções, desde que os meninos não se sintam ameaçados), ser paciente e, principalmente, não questionar a superioridade masculina, tal como demonstram os discursos veiculados pela revista Capricho.

As seções destinadas a responder as cartas das leitoras passaram por diversas transformações ao longo destas cinco décadas. A mudança a ser aqui destacada é relacionada à separação, que teve início na década de 70, entre perguntas sobre sexo e perguntas sobre comportamento, que resultou, na maior parte das vezes, na existência de duas diferentes seções dentro de uma mesma edição: uma sobre sexo e outra sobre comportamento.
O exame destas diferentes seções possibilitou que se constatasse que nas que respondem às cartas sobre sexo, prevalece nas respostas um discurso igualitário e individualista, onde são propostos: a igualdade de direitos entre os sexos (especialmente na década de 80, que atribuía a todos o direito à satisfação sexual), o direito à informação, a queda do tabu em torno da virgindade feminina, os direitos reprodutivos, dentre outros aspectos.
Caracterizando, assim, a função de informar deste veículo midiático.
Por outro lado, nas seções que respondem às cartas sobre comportamento e relacionamentos amorosos, percebeu-se o predomínio de respostas marcadas por um discurso tradicional e hierárquico, onde é possível destacar, principalmente, a sustentação das desigualdades entre homens e mulheres e o não questionamento da superioridade masculina.
Que por sua vez indica o caráter “formador” (constituidor) presente na revista Capricho.

Chama atenção o fato de que é nas questões relacionadas a gênero que o discurso tradicional sobrevive com maior intensidade, indicando o quão arraigada está a naturalização das diferenças entre homens e mulheres.
Parece que, com relação à sexualidade, foi possível imprimir um discurso com viés igualitário, por tratarem destes assuntos de uma forma mais técnica e impessoal, o que pode ser percebido na maneira como as perguntas e as respostas presentes nas seções sobre sexo são formuladas.
Já no que diz respeito às perguntas sobre comportamento é mais difícil que as respostas sejam dadas de maneira impessoal, as leitoras escrevem à procura de conselhos. E é no momento de formular estes conselhos, especialmente os voltados para o relacionamento homem e mulher, às relações de gênero, que a visão tradicional e hierárquica prevalece, onde nem todos têm os mesmos direitos.

Ficou claro que a revista trabalha voltada para uma determinada adolescente: pertencente às camadas médias, branca e heterossexual. Ou seja, o discurso por ela veiculado é direcionado a esta leitora. Mas serão apenas estas as leitoras da Capricho? Segundo Miranda-Ribeiro & Moore (2003) o número de leitoras não se restringe ao número oficial de revistas vendidas. É comum, dentre as adolescentes, que estas revistas circulem dentro da turma, família ou sala de aula. O relato, a seguir, de uma experiência pessoal, demonstra o poder de penetração desta revista, mesmo que em menor proporção, também entre meninas de camadas populares.
Enfim, a revista trabalha com um modelo de adolescência que acaba, por vezes, servindo como modelo de identificação para algumas, ao mesmo tempo em que legitima as diferenças e desigualdades para outras.


MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. De “moça prendada à “menina super poderosa”: um
estudo sobre as concepções de adolescência, sexualidade e gênero na revista Capricho
(1952-2003). 2005. 169 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.