segunda-feira, janeiro 17, 2011

O Metrossexual

“A diferença vende. O capitalismo deve estar constantemente multiplicando mercados, estilos, novidades e produtos para continuar absorvendo os consumidores para as suas práticas e estilos de vida. A mera valorização da ‘diferença’ como marca de contestação pode simplesmente ajudar a vender novos estilos e produtos se a diferença em questão e seus efeitos não forem suficientemente aniquilados. Também pode promover uma forma de identidade em que cada grupo afirme sua própria especificidade e limite essa política a seus próprios interesses, deixando de ver assim, as forças comuns de opressão. Tal política da diferença ou da identidade ajuda nas estratégias de ‘dividir para conquistar’ que em última análise servem aos
interesses do poder vigente.”
Douglas Kellner

Como se sabe, toda revista traz como conteúdo signos verbais e não-verbais ou
visuais (ilustrações, fotos, cores, formas etc.). Para esta análise, vamos nos concentrar nos signos verbais, embora possamos eventualmente, na medida que acharmos
necessário, fazer algumas incursões na análise dos signos visuais, uma vez que esses
últimos, quase sempre, estão em relação complementar com os signos verbais.

Ele desenvolveu a sensibilidade, interessa-se mais pelos filhos, assume e exibe emoções, preocupa-se com a aparência, aprecia culinária e apurou seu senso estético. É forte, mas tem estilo. Está nascendo o macho do século 21. (REVISTA VEJA)

Como já dissemos anteriormente, a masculinidade hegemônica, ou a forma cultural tradicional de masculinidade, é reconhecida pelas características do sujeito seguro, frio, corajoso, bem-sucedido, agressivo e provedor. A seqüênciadiscursiva que a revista Veja traz em sua capa, especialmente em seu lead, aponta para uma mudança de valores e significados em torno da forma hegemônica de masculinidade.

O tema do metrossexual é apresentado na revista como um movimento comportamental, e em alguns momentos é comparado com o universo e com o movimento feminista, ou seja, faz um interdiscurso em forma de alusão. Como podemos observar nas seguintes seqüências: “incursão masculina pelo universo feminino...”, “Como todo movimento que se preze...”, “... barulhenta e colorida vanguarda”, “...uma libertação masculina de costumes tão radical quanto foi a das mulheres” (mais adiante, na seqüência discursiva 4). Mais quais são os objetivos desse movimento? Quais são os interesses que estão por trás? Quais classes sociais podem aderir a este “movimento”?

A escolha de David Bekham como símbolo metrossexual não é gratuita. Culturalmente, o futebol é muito apreciado pelos homens e, de certa forma, opera como um signo de masculinidade. Nesse sentido, a escolha é ideológica e visa quebrar o estereótipo de que homens heterossexuais não podem se preocupar com a aparência ou com a estética. Várias reportagens em revistas nacionais e internacionais já haviam divulgado a figura de Bekham e a sua capacidade de se “metamorfosear”, de apresentar vários “new looks”, seja pelo estilo das roupas que usa, seja por seus cortes de cabelo e penteados.

Esmalte e Virilidade: Beckham é a combinação perfeita de força, fragilidade e cuidados com a aparência: ele passa esmalte e faz gols. (REVISTA VEJA)

“Estamos falando aqui de uma libertação masculina de costumes tão radical quanto foi a das mulheres. Os homens demoraram a aceitar que chorar, se emocionar, ser viciado em compras e proteger a pele com cremes não é defeito. Isso não os faz piores, mas modernos”. (p.65)

Na quarta página, temos um box em forma de espelho de mão que apresenta alguns dados de uma pesquisa. O título desse box é “Homem que é homem...”, e segue um enunciado abaixo: “a preocupação do brasileiro com a aparência”. Os dados apresentados são os seguintes: “82% acham importante ter a pele bem cuidada; 80% gastam mais de cinco minutos diários com a aparência; 78% acham importante ter o corpo esbelto; 72% se pesam regularmente; 68% acham certo fazer cirurgia plástica somente por estética; 25% já fizeram dieta; 5% já fizeram cirurgia plástica.” Logo abaixo vem a fonte da pesquisa: “2B Brasil Research & Consultin, com homens entre 25 e 64 anos, em São Paulo”.

1- Cuidar da aparência acima de tudo;
2- Conhecer as tendências da moda em primeira mão;
3- Usar cremes faciais e corporais diariamente;
4- Não sofrer ao depilar as sobrancelhas;
5- Manter unhas e cutículas bem feitas;
6- Visitar o cabeleireiro pelo menos uma vez por mês;
7- Passar um dia do mês em um spa urbano;
8- Não ter vergonha de chorar durante um filme;
9- Somente usar roupas de boa qualidade;
10- Preferir uma taça de vinho a um copo de cerveja. (p.27) (REVISTA ÉPOCA)

Conforme Wolf, o culto à beleza e à forma física é transmitido como um evangelho, pois cria um sistema de crenças poderoso como o da religião, que toma conta dos hábitos de uma parcela significativa de nossa sociedade, as camadas médias urbanas.

Eles usam cremes para o rosto e corpo, praticam ginástica, cuidam do cabelo, fazem as unhas, depilam a sobrancelha, estão sempre vestindo as roupas da moda (e de grife) e – acredite – não são gays. Metrossexual foi o termo criado pelo jornalista inglês Mark Simpson para classificar o homem heterossexual que tem dinheiro, vive na ou próximo da metrópole e que se preocupa com a aparência. (REVISTA GALILEU)

O olho na linguagem jornalística é uma frase que aparece em destaque no meio da reportagem. Via de regra, ele é retirado de algum trecho do enunciado escrito e apresenta-se em letras maiores. Em outras palavras, é uma frase de destaque e de efeito.

Eis as duras penas com as quais aprendi que as mulheres não querem nem um autralopiteco que fala por monossílabos guturais, bate a cabeça na parede e nunca troca a cueca, nem um rapaz de fino trato, asséptico, cheio de maneirismos, que não transmite aquela vontade pétrea e duradoura, para os suados jogos olímpicos de alcova. O negócio, portanto, não é nem ser um neanderthal nem um engenheeeeiro – como dizia o imortal Didi Mocó. O que as mulheres desejam com febril avidez é um cara que represente um ponto médio entre esses dois extremos. (REVISTA PLAYBOY)

Se bem que, vou lhe dizer, essa divisão do mundo masculino entre machos fedorentos e metrossexuais que tiram a sobrancelha é, em si, uma bobagem frívola, uma discussão fresca, uma polêmica fantasiosa. Ou seja: uma bela veadagem. Esqueça isso. Seja você mesmo. Faça o que sua alma mandar. Esse é o melhor jeito de você se dar bem – consigo mesmo e, principalmente, com elas. (REVISTA PLAYBOY)

A sigla GLS acaba de virar GLSM. Pois é! O M é de Metrossexual. Não sabe o que é isso? Eu também não sabia até ler a coluna da super S (Simpatizante) Hildergard Angel, no Jornal do Brasil. Metrossexual é um cara que se veste como gay, dá pinta como gay, usa cosméticos como gay, se preocupa com a aparência como gay e adora ir para os shoppings fazer compras como os gays. Um exemplo? O espetaculoso David Bekham, jogador do Real Madrid. Ele mata de inveja qualquer um que quer virar travesti, pois além de fazer sobrancelhas, ainda adora usar calcinhas. Agora, você, leitor, que assim como eu não é chegado a afeminados para ter um caso de amor, quando cruzar com um pintosa no shopping, antes de fazer carão, certifique-se que a criatura não é um M. Se eu cruzar com um desses, denuncio ao Procon. (grifo nosso,
p.22) (REVISTA G MAGAZINE)

A própria G Magazine, sempre apresenta homens super másculos em sua publicidade e também nos seus ensaios fotográficos de nu. Homens afeminados não têm espaço na revista. Exceto “drag queens”13 ou personalidades fotografadas em festas e acontecimentos sociais. Deste modo, podemos dizer que a revista dita e impõem qual é o tipo de homem digno de desejo.
=
Aqui, o enunciador aponta o valor do conceito de metrossexual para “tirar as
culpas e os medos dos homens... para que eles começassem a se cuidar...”, pois
segundo a formação discursiva e ideológica de uma sociedade machista, os homens não devem ser vaidosos sob suspeita de não serem “homens de verdade”. Além disso, destaca que todos os homens, sejam eles gays, bissexuais ou heterossexuais, podem aproveitar os investimentos da indústria da beleza na fabricação de produtos especializados para o público masculino. Neste ponto, fica mais uma vez evidente a vinculação dos aspectos culturais aos econômicos nas sociedades contemporâneas. O conceito foi importante para a indústria (que teve uma aumento de produção de 140%), ao mesmo tempo em que os produtos desenvolvidos estimularam um novo estilo de vida masculina, mais vaidosa agora.

Chauí elabora o conceito de discurso competente para destacar que vivemos em uma sociedade que premia as competências nos campos profissional, científico, emocional, esportivo etc. O parâmetro da eficiência e da eficácia é que atribui medalhas honoríficas a uns e adjetivos pouco nobres a outros. Entretanto, o mito da eficiência costuma desconsiderar as naturezas e finalidades dos bens produzidos. Não se pergunta para que, para onde, para quem os bens se voltam.

Por mais que esse discurso científico tenha validade, chama a atenção a necessidade de justificá-lo. Em nosso entendimento, esta necessidade retórica tem a função de negar para convencer que não há nada de feminino neles. De que, na verdade, são produtos desenhados para torná-los mais eficazes para o público masculino.

O que vem a corroborar a observação de Pires (2002) sobre a característica da mídia na contemporaneidade. Segundo este autor:
Característica marcante do discurso midiático atual é a progressiva indissociabilidade entre as esferas da informação, do entretenimento e da publicidade. Isso faz com que a percepção da realidade mediada não mais distingua cada uma delas, atribuindo a tudo status semelhante. Um manto de pretensa seriedade e importância unifica os três âmbitos, produzindo um entendimento indiferenciado. Dessa forma, sob a lógica de que tudo na mídia é mercadoria e, portanto, consumível, elevam-se à condição de informação relevante aspectos relacionados à
espetacularização da cultura de tempo livre e os apelos ao consumo indiscriminado de bens materiais e simbólicos.

De certa forma, o corpo musculoso e depilado é uma nova versão de higienismo, uma obsessão com a limpeza, com a assepsia, com a “saúde”. Porém, para se enquadrar nesse padrão, muitos homens têm consumido anabolizantes e outros produtos para ganhar massa muscular. E também uma nova versão de eugenia, de purificação da raça.

o próprio corpo se tornasse um instrumento e uma expressão de dominação. Desde os higienistas do século XIX que aconselhavam os homens sobre a abstinência sexual, até os esportes da virada do século, e até a mania mais contemporânea de body-building, os homens que pareciam muito fortes e duros podiam tentar aliviar a angústia de que, de fato, eles estavam para serem desmascarados como fracos e suaves.

Edmonds, faz uma comparação entre o grupo de praticantes de musculação e as pacientes de plástica. Segundo o pesquisador, esses dois grupos:
(...) se dedicam a formas extremas de alteração corporal com fins estéticos, sem, no entanto, criticar os valores sociais dominantes. Como os marombeiros, a maioria das pacientes também parece aceitar os valores predominantes da classe média quanto ao sucesso na carreira, à criação de uma família e aos papéis sexuais mais ou menos
normativos. Ambos os grupos também parecem sofrer uma identificação especialmente pronunciada entre eu e corpo. Não buscam passar de normais e marginais, (...), em vez disso, penetrar num tipo de “normalidade melhorada” ou, em alguns casos, de perfeição por meio da maior aproximação das normas estéticas.

Vale lembrar que dentre as pautas de reivindicação do movimento homossexual no Brasil, estão às questões da união civil, partilha de bens, adoção de filhos, direito à herança entre outras que refletem o desejo de se enquadrar aos padrões tradicionais da classe média, sem ser oposicionista ao sistema.

Agora, para quem está pensando que é preciso gastar muito dinheiro com tratamentos modernos ou produtos superespecializados, esteticistas e médicos apontam uma lista de cuidados e “remédios” caseiros a custo quase zero (ver box). Ou seja, não há mais desculpas de falta de dinheiro. Tudo bem que, para alguns, vai ser preciso ter um pouco de paciência para consertar os estragos causados pelo descuido consigo mesmo. Se for esse o seu caso, quando começar a sentir a diferença e a perceber o sucesso perante a concorrência, vai começar também a gostar mais de si mesmo, aumentar a auto-estima e se cuidar com naturalidade. Enfim, você será um autêntico metrossexual –mesmo sendo gay. (p. 27). (REVISTA G MAGAZINE)

Num contexto em que a beleza e a forma física não são mais percebidas e valorizadas como “obra da Natureza Divina” e passam a ser concebidas como resultado de um trabalho sobre si mesmo, faz-se pesar sobre os indivíduos a absoluta responsabilidade por sua aparência física.

De acordo com Lasch (apud. Goldenberg e Ramos): Nesse processo de responsabilização do indivíduo pelo seu corpo, a partir do princípio da autoconstrução, a mídia e, especialmente, a publicidade têm um papel fundamental. O corpo virou “o mais belo
objeto de consumo” e a publicidade, que antes só chamava atenção para um produto exaltando suas vantagens, hoje em dia serve, principalmente, para produzir o consumo como estilo de vida, procriando um produto próprio: o consumidor, perpetuamente intranqüilo e insatisfeito com a sua aparência.

Ora, se a revista e seu enunciador produziram este discurso para ensinar como ser um metrossexual, e esse termo, segundo a revista, refere-se aos homens heterossexuais que cuidam da aparência, mas não são gays, por que então ensinar seu público leitor ser metrossexual? Devemos levar em conta também, que os gays, culturalmente, são vistos como pessoas que se preocupam com a aparência e a estética. Até por isso, a “importância” da criação do termo metrossexual. A nosso ver, todo esse discurso não passa de oportunismo e puro jogo retórico/persuasivo da cultura do consumismo e da futilidade.

Você que assumiu ser metrossexual, tem certeza de que deseja transformar sua vida numa propaganda da Dolce & Gabbana? Se liga, cara. Qualquer mulher esperta sabe que o homem que passa o tempo todo se olhando no espelho é tão prepotente e egoísta quanto o bronco que acha que não precisa mudar nada para ser amado. A boa notícia é
que já existe um movimento antimetrossexual. Um dos bastiões é o site americano “salve o homem normal” (www.savetheregularguy.com) – um manifesto on-line que sugere que os homens assistam sem vergonha as corridas de Fórmula 1 e voltem a comer pizza com a mão. (REVISTA TRIP)

O enunciador usa ainda a modalidade apreciativa em “a boa notícia”, e desenvolve sua seqüência discursiva argumentativa em seguida, dizendo “que já existe um “movimento antimetrossexual”. “Abaixo”, “movimento antimetrossexual” e “manifesto” são expressões escolhidas pelo enunciador que revelam o interdiscurso com a questão da militância em torno da masculinidade. Dão um tom de disputa e conflito em torno de qual masculinidade seguir.

Quando uma ilusão desempenha um papel na reprodução ideológica de uma sociedade, ela não deve ser tratada como algo inofensivo ou de pouca importância por aqueles que busquem a superação dessa sociedade. Ao contrário, é preciso compreender qual o papel desempenhado por uma ilusão na reprodução ideológica de uma formação societária específica, pois isso nos ajudará a criarmos formas de intervenção coletiva e organizada na lógica objetiva dessa formação societária.
Newton Duarte

Quanto mais elas pensam em seus corpos e em melhorar sua imagem, menos pensam no social, na solidariedade, nos problemas e nas injustiças sociais. Sinais dos tempos pós-modernos e da política neoliberal, que tem como uma de suas premissas, que o sucesso pessoal e profissional depende do esforço e da sorte de cada um. Um desses esforços é o desafio de se enquadrar no padrão estético hegemônico divulgado pela mídia.
Os indivíduos passam a acreditar no imperativo de que o sucesso pessoal, profissional e a própria felicidade dependeria de seu corpo, de sua imagem e de sua aparência. Narcisicamente lançam-se nessa jornada de aperfeiçoamento e enquadramento no padrão estético hegemônico para serem aceitos, vistos e percebidos socialmente. O culto ao corpo e a aparência passam a ser necessidades vitais, chegando ao ponto de representar uma nova religião, tal é a crença e a adesão a esta cultura-ideologia do consumo.
Sendo assim, constatamos a validade de nossa hipótese de que os homens de
hoje estão vivendo sobre uma pressão muito próxima da que as mulheres enfrentam há
décadas para se enquadrar no padrão de beleza hegemônico. Como demonstramos,
isto tem sido intensificado em decorrência da expansão do mercado capitalista, que
precisa vender cada vez mais seus produtos e serviços, e tem agora como alvo,
também o público masculino.
Neste cenário, a mídia tem sido uma importante colaboradora do poder político-econômico vigente, no que se refere à divulgação de necessidades “fúteis”, favorecendo, assim, o individualismo exacerbado e contribuindo para o esvaziamento da esfera política e dos movimentos de contestação e oposição.

Com base nestas considerações, e finalizando o nosso trabalho, a maior contribuição que esperamos dar foi a de demonstrar como a cultura da futilidade tem nos desumanizado, tornando o humano em um produto, uma mercadoria que pode ser vendida, comprada ou consumida.

MARCOS ROBERTO GODOI
MÍDIA MAGAZINE E NARCISISMO PRODUTIVO:
investidas cultural e econômica sobre a masculinidade na
contemporaneidade capitalista
Dissertação apresentada ao Instituto Linguagens da Universidade
Federal de Mato Grosso – UFMT Cuiabá
INSTITUTO DE LINGUAGENS – UFMT
Cuiabá – MT março de 2006.