segunda-feira, janeiro 17, 2011

O Corpo e a Sexualidade

Numa época na qual assistimos, como nunca antes, a celebração de corpos saudáveis perfeitamente harmoniosos, uma nova síndrome emergiu e devastou o corpo. Estava estreitamente conectada com o sexo- com atos através dos quais o vírus HIV poderia ser transmitido. Muitas pessoas, e não apenas na imprensa sensacionalista, apresentavam a AIDS como um efeito necessário do excesso sexual, como se os limites do corpo tivessem sido testados e não tivessem passado no teste da “perversidade sexual”. De acordo com os mais óbvios comentaristas, era a vingança da natureza contra aqueles que transgrediram seus limites.
Naturalmente, qualquer doença que ameace a vida deveria gerar ansiedade, e eu não estou buscando, de modo algum, minimizar os terríveis efeitos da síndrome. Mas a AIDS tornou-se mais do que um conjunto de doenças: ela se tornou uma poderosa metáfora para nossa cultura sexual.

Qual é a relação entre, de um lado, o corpo, como uma coleção de órgãos, sentimentos, necessidades, impulsos, possibilidades biológicas e, de outro, os nossos desejos, comportamentos e identidades sexuais?
O que é que faz com que esses tópicos sejam tão culturalmente significativos e tão moral e politicamente carregados?
Essas e outras questões têm se tornado cruciais nos recentes debates sociológicos e históricos. (p. 37)

O órgão mais importante nos humanos é aquele que está entre as orelhas.
A sexualidade tem tanto a ver com nossas crenças, ideologias e imaginações quanto com nosso corpo físico. (p. 38)
Este ensaio está interessado, pois, nos modos pelos quais têm-se atribuído, nas sociedades modernas, extrema importância e denso significado ao corpo e à sexualidade.
A sexologia tem sido um elemento importante na codificação do modo como pensamos o corpo e a sexualidade.
No seu famoso estudo Psychopatia sexualis, Richard von Krafft-Ebing, o sexólogo pioneiro do final do século XIX, descreveu o sexo como um “instinto natural”, o qual, “com uma força e energia absolutamente avassaladoras, exige satisfação”. (1931, p. 1).
Que podemos deduzir disso? Em primeiro lugar, há uma ênfase no sexo como um “instinto”, expressando as necessidades fundamentais do corpo. Isso reflete uma preocupação pós-darwianiana no final do século XIX em explicar todos os fenômenos humanos em termos de forças identificáveis, internas, biológicas.
Hoje estamos mais inclinados a falar sobre a importância dos hormônios e genes na moldagem de nosso comportamento, mas a suposição de que a biologia está na raiz de todas as coisas persiste, uma suposição que é ainda mais forte quando se fala de sexualidade. Falamos todo o tempo sobre o “instinto ou impulso do sexo”, vendo-o como a coisa mais natural.
O sentido e o peso que atribuímos a sexualidade são, entretanto, modelados em situações sociais concretas. Isso tem profundas implicações para nossa compreensão do corpo, do sexo e da sexualidade, implicações que precisamos explorar.
O sexo é visto como uma energia vulcânica, engolfando o corpo, pressionando de forma urgente e incessante nossos eu conscientes.
(p. 40) Poucas pessoas, escreveu Krafft-Ebing, “estão conscientes da profunda influência exercida pela vida sexual sobre o sentimento, o pensamento e a ação do homem nas suas relações sexuais com os outros”.
Por que vemos a sexualidade dessa forma? O que há a respeito da sexualidade que nos torna tão convencidos que ela está no centro de nosso ser? Isso é igualmente verdadeiro para homens e mulheres?

O termo “sexo” significava, orginalmente, simplesmente, “o resultado da divisão da humanidade no segmento feminino e no segmento masculino”. Referia-se, naturalmente, às diferenças entre homens e mulheres, mas também à forma como homens e mulheres se relacionavam.
Nossas definições, convenções, crenças, identidades e comportamentos sexuais não são o resultado de uma simples evolução, como se tivessem sido causados por algum fenômeno natural: eles têm sido modelados no interior de relações definidas de poder. A mais óbvia dessas relações é a entre homens e mulheres, nas quais a sexualidade feminina tem sido historicamente definida em relação à masculina. Mas a sexualidade tem sido um marcador particularmente sensível de outras relações de poder. A Igreja e o Estado têm mostrado um contínuo interesse no modo como nos comportamos ou pensamos. Podemos observar, nos últimos dois séculos, a intervenção da medicina, da psicologia, do trabalho social, das escolas e outras instâncias, todas procurando nos dizer quais as formas apropriadas para regular nossas atividades corporais. As diferenças de classe e de raça complicam, ainda mais, o quadro. Mas, juntamente com isso, apareceram outras forças, acima de tudo o feminismo e os movimentos de reforma sexual de vários tipos, os quais têm resistido às diversas prescrições e definições.

“Sexo” será usado como um termo descritivo para as diferenças anatômicas básicas, internas e externas ao corpo, que vemos como diferenciando homens e mulheres. Embora essas distinções anatômicas sejam geralmente dadas no nascimento, os significados a elas associados são altamente históricos e sociais.
Para descrever a diferenciação social entre homens e mulheres, usarei o termo “gênero”.
Usarei o termo “sexualidade” como uma descrição geral para a série de crenças, comportamentos, relações e identidades socialmente construídas e historicamente modeladas que se relacionam com o que Michel Foucault denominou “o corpo e seus prazeres.”

Não se deve concebê-la como uma espécie de dado da natureza que o poder tenta pôr em xeque, ou como um domínio obscuro que o saber tentaria, pouco a pouco, desvelar. A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico. (Foucault, 1993, p. 100).

Ao estabelecer uma esfera especializada de conhecimento, ao buscar descobrir as “leis da natureza” que supostamente governam o mundo sexual, ao argumentar que a sexualidade tem uma influência particular em todos os aspectos da vida e que o corpo fala uma verdade final, os sexólogos ajudaram, num certo sentido, a “inventar” a importância que nós atribuímos ao comportamento sexual.
Foucault rejeita o que ele chama de “hipótese repressiva”: a crença de que a sociedade está todo o tempo tentando controlar uma energia natural incontrolável, uma energia que emana do corpo. Não porque ele não quisesse uma ordem sexual mais liberal. Mas ele acreditava que os argumentos essencialistas ignoravam o fato central sobre a sociedade moderna: de que a sexualidade era um “aparato histórico” que tinha se desenvolvido como parte de uma rede complexa de regulação social que organizava e modelava (“policiava”) os corpos e os comportamentos individuais. A sexualidade não pode agir como uma resistência ao poder porque está demasiadamente envolvida nos modos pelos quais o poder atua na sociedade moderna.

A consciência de que a forma como nós fazemos as coisas não é a única forma de fazê-las pode causar um salutar abalo em nosso etnocentrismo, forçando-nos a perguntar por que as coisas são como são hoje em dia.
O legado de Sigmund Freud, com sua teoria do inconsciente dinâmico, fornece outra fonte para uma nova abordagem da sexualidade. O que a psicanálise, pelo menos em sua forma original, procurou estabelecer foi que o que se passa no inconsciente da mente frequentemente contradiz as aparentes certezas da vida consciente. Ela afirma que podíamos detectar, nos sintomas neuróticos, ou através da análise dos sonhos e de acidentes da vida cotidiana, traços de desejos reprimidos. Tais argumentos desestabilizam a natureza aparentemente sólida do gênero, da necessidade e da identidade, porque sugerem que eles constituem realizações precárias, modeladas no processo de aquisição, pelo “animal humano”, das regras da cultura, através de um complexo desenvolvimento psicossocial.

Por que a dominação masculina é tão endêmica na cultura? Por que a sexualidade feminina é vista tão frequentemente como subsidiária da sexualidade do homem? Por que nossa cultura celebra a heterossexualidade e discrimina a homossexualidade?
No mínimo, todas as abordagens de construção social adotam a visão de que atos sexuais fisicamente idênticos podem ter variada significação social e variado sentido subjetivo, dependendo de como eles são definidos e compreendidos em diferentes culturas e períodos históricos. As culturas fornecem categorias, esquemas e rótulos muito diferentes para enquadrar experiências sexuais e afetivas.
Um passo adicional na teoria da construção social afirma que mesmo a direção do desejo sexual em si (por exemplo, a escolha do objeto ou a hetero/homossexualidade) não é intrínseca ou inerente ao indivíduo, mas que é construída. Nem todos os construcionistas dão esse passo: para alguns, a direção do desejo e do interesse erótico é fixa, embora a forma comportamental que esse interesse assume seja construída por quadros culturais prevalecentes, assim como a experiência subjetiva do indivíduo e o significado social atribuído a isso pelos outros.
A forma mais radical da teoria construcionista está disposta a considerar a idéia de que não há nenhum impulso sexual, “energia sexual” ou “desejo” essencial- indiferenciados- que residam no corpo e que possam ser simplesmente atribuídos ao funcionamento e à sensação fisiológica. O próprio impulso sexual é construído pela cultura e pela história.
Essa posição, obviamente, contrasta agudamente com a teoria mais moderadamente construcionista, que implicitamente aceita um impulso sexual inerente, o qual é, então, construído em termos de atos, identidade, comunidade e escolha do objeto.

Carole Vance pede-nos, muito justamente, que reconheçamos que não podemos esquecer o corpo. É através do corpo que experimentamos tanto o prazer quanto a dor. Além disso, há corpos masculinos e corpos femininos, e isso dá lugar a experiências bastante diferentes, como, por exemplo, o parto. Outro fator crucial é que nós não experimentamos nossas necessidades e desejos sexuais como acidentais ou como produtos da sociedade. Eles estão profundamente entranhados em nós como indivíduos.
Isso não significa que eles não possam ser explicados socialmente: um dos atrativos da psicanálise, por exemplo, é que ela nos desafia a perguntar sobre a relação entre processos psíquicos e a dinâmica social e mudança histórica. Os sentidos que damos a nosso corpos e suas possibilidades sexuais tornam-se, de fato, uma parte vital de nossa formação individual, sejam quais forem as explicações sociais.
Não estamos preocupados com a questão do que causa a heterossexualidade ou a homossexualidade nos indivíduos, mas, em vez disso, com o problema de por que e como nossa cultura privilegia uma e marginaliza- quando não discrimina- a outra. O construcionismo social também coloca outra questão central: por que nossa cultura atribui tanta importância à sexualidade e como isso veio a acontecer?
Essa explosão discursiva sempre em expansão é parte de um complexo aumento do controle sobre os indivíduos; controle não através da negação ou da proibição, mas através da produção; pela imposição de uma grade de definição sobre as possibilidades do corpo, através do aparato da sexualidade.
Foucault ao falar sobre a “sociedade disciplinar” argumenta que deveríamos ver o poder não como uma força negativa que atua como base na proibição (“não deverás”), mas como a administração e o cultivo da vida (“você deve fazer isto ou aquilo”). Trata-se do que ele denomina “biopoder”; e a sexualidade tem aqui um papel crucial. Pois o sexo é o pivô ao redor do qual toda a tecnologia da vida se desenvolve: o sexo é um meio de acesso tanto à vida do corpo quanto à vida da espécie; isto é, ele oferece um meio de regulação tanto dos corpos individuais quanto do comportamento da população como um todo.
Essas estratégias produziram, ao longo do século XIX, quatro figuras submetidas à observação e ao controle social, inventadas no interior de discursos reguladores: a mulher histérica; a criança masturbadora; o casal que utiliza formas artificiais de controle de natalidade e o “pervertido”, especialmente o homossexual.

Na medida em que a sociedade se tornou mais e mais preocupada com as vidas de seus membros- pelo bem da uniformidade moral; da prosperidade econômica; da segurança nacional ou da higiene e da saúde- , ela se tornou cada vez mais preocupada com o disciplinamento dos corpos e com a vida sexual dos indivíduos. Isso deu lugar a métodos intrincados de administração e de gerenciamente; a um florescimento de ansiedades morais, médicas, higiências, legais; e a intervenções voltadas ao bem-estar ou ao escrutínio científico, todas planejadas para compreender o eu através da compreensão e da regulação do comportamento sexual.
Nos anos antecedentes à I Guerra Mundial, estava em voga a eugenia, a procriação planejada dos melhores indivíduos. Nos anos 1940- o período crucial para o estabelecimento do estado de bem-estar em muitas sociedades ocidentais- havia uma preocupação urgente com as vantagens do controle de natalidade (“planejamento familiar”), a fim de assegurar que as famílias fossem constituídas pelo tipo certo de indivíduo, bem como uma preocupação com os papéis apropriados para homens e mulheres (especialmente mulheres) na família, no admirável mundo novo da democracia social.
A suposição aqui é que o poder não atua através de mecanismos de simples controle. De fato, ele atua através de mecanismos complexos e superpostos- e muitas vezes contraditórios- que produzem dominação e oposições, subordinação e resistências.
Foucault argumentou que a própria idéia de “sexualidade” como um domínio unificado é essencialmente uma ideia burguesa, desenvolvida como parte da autoafirmação de uma classe ansiosa para diferenciar a si mesma da imoralidade da aristocracia e da promiscuidade supostamente irrestrita das classes inferiores.
O gênero não é uma simples categoria analítica; ele é, como as intelectuais feministas têm crescentemente argumentado, uma relação de poder. Assim, padrões de sexualidade feminina são, inescapavelmente, um produto do poder dos homens para definir o que é necessário e desejável- um poder historicamente enraizado.

Os termos homossexualidade e heterossexualidade foram cunhados, ao que parece, pela mesma pessoa, Karl Kertbeny, um escritor austro-húngaro, e foram usados pela primeira vez publicamente, por ele, em 1869. O contexto no qual esses neologismos emergiram é importante: eles foram desenvolvidos em relação a uma tentativa anterior de colocar na pauta política da Alemanha a questão da reforma sexual, em particular, a revogação das leis antissodomitas. Eles eram parte de uma campanha embrionária, subsequentemente assumida pela disciplina da sexologia, então em desenvolvimento, de definir a sexualidade como uma forma distintiva de sexualidade: como uma variante benigna, aos olhos dos reformadores, da potente mas impronunciada e mal definida noção de “sexualidade normal”. Até aqui, a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo biológico tinha sido tratada sob a categoria geral de sodomia, a qual geralmente era vista não como a atividade de um tipo particular de pessoa, mas como um potencial em toda natureza pecadora. Como notou Michel Foucault, o sodomita era visto como uma aberração temporária, enquanto que o homossexual pertencia a uma espécie própria.
O desenvolvimento desses termos deve ser visto, por conseguinte, como parte de um grande esforço, no final do século XIX e no começo do XX, para definir mais estreitamente os tipos e as formas do comportamento e da identidade sexuais; e é nesse esforço que a homossexualidade e a heterossexualidade se tornaram termos cruciais e opostos. Durante esse processo, entretanto, as implicações das palavras mudaram de forma sutil. A homossexualidade, em vez de descrever uma variante benigna da normalidade, como, orginalmente, pretendia Kertbeny, tornou-se, nas mãos de sexólogos pioneiros como Krafft-Ebing, uma descrição médico-moral. A heterossexualidade, por outro lado, como um termo para descrever a norma até então pouco teorizada, passou, lentamente, a ser usada ao longo do século XX- mais lentamente, devemos notar, do que a palavra que era seu par. Uma norma talvez não necessite de uma definição explícita; ela se torna o quadro de referência que é tomado como dado para o modo como pensamos, ele é parte do ar que respiramos.
Quais são as implicações desta nova linguagem e das novas realidades que elas assinalam? Nosso senso comum toma como dado que esses termos demarcam uma divisão real entre as pessoas: há “heterossexuais” e há “homossexuais”, havendo um outro termo para aquelas que não se ajustam exatamente nessa clara divisão: “bissexuais”. Mas o mundo real nunca é assim tão ordenado, e a pesquisa histórica recente tem demonstrado que não apenas outras culturas não têm essa forma de ver a sexualidade humana, como também não a tinham as culturas ocidentais, até mais ou menos recentemente.
Ao catalogar a infinita variedade de práticas sexuais, ela produziu uma hierarquia na qual o anormal e o normal poderiam ser distinguidos.


Heterossexualidade compulsória prende mais as mulheres aos homens nesse contexto.
Embora a homossexualidade tenha existido em todos os tipos de sociedade, em todos os tempos, e tenha sido, sob diversas formas, aceita ou rejeitada, como parte dos costumes e dos hábitos sociais dessas sociedades, somente a partir do século XIX e nas sociedades industrializadas ocidentais, é que se desenvolveu uma categoria homossexual distintiva e uma identidade a ela associada.
As relações sexuais fora do casamento eram proibidas, mas permitidas sob a forma da prostituição regulada. Porém, todas as formas de atividade sexual que não fossem procriativas eram olhadas como pecaminosas, fossem elas solitárias, entre homens e mulheres, homens e homens, homens e animais (as relações entre mulheres, embora algumas vezes observadas, não atingiam a mesma ignomínia).
A construção da categoria sexológica e psicológica do “homossexual” pelos novos cientistas sexuais do final do século XIX foi uma tentativa de definir as leis naturais que explicavam o que era usualmente visto como uma patologia.
Na medida em que a sociedade civil nos países ocidentais se torna mais complexa, mais diferenciada, mais autoconfiante, as comunidades lésbica e gay têm se tornado parte importante dessa sociedade. Cada vez mais, a homossexualidade se torna uma opção, ou uma escolha, a qual os indivíduos podem seguir de um modo que era impossível numa sociedade mais hierárquica e monolítica. A existência de um modo de vida gay dá oportunidade para as pessoas explorarem suas necessidades e seus desejos, sob formas que eram algumas vezes literalmente inimagináveis até bem pouco tempo.
A idéia de uma identidade sexual é ambígua. Para muitos, no mundo moderno, é um conceito absolutamente fundamental, oferecendo um sentimento de unidade pessoal, de localização social e até mesmo de comprometimento político. Não são muitas as pessoas que podemos ouvir afirmando “eu sou heterossexual” porque esse é grande pressuposto. Mas dizer “eu sou gay” ou “eu sou lésbica” significa fazer uma declaração sobre pertencimento, significa assumir uma posição específica em relação aos códigos sociais dominantes.
Como afirmou Plummer, os processos de categorização e autocategorização (isto é, o processo de formação de identidade) podem controlar, restringir e inibir, mas simultaneamente oferecem conforto, segurança e confiança.

Isso nos leva à questão do grau em que as identidades sexuais, especialmente aquelas estigmatizadas pela sociedade mais ampla, são, no final, escolhas feitas livremente. Tem-se argumentado que muitas pessoas são “empurradas” para a identidade, derrotadas pela contingência, em vez de guiadas pela vontade.
Pode ser argumentado que sentimentos e desejos sexuais são uma coisa, enquanto a aceitação de uma posição social particular e um organizado senso de si- isto é, uma identidade- é outra. Não existe nenhuma conexão necessário entre comportamento e identidade sexual.
Tomemos, por exemplo, a estatística mais conhecida de Alfred Kinsey: cerca de 37% de sua amostra de homens tinham tido experiências homossexuais que chegaram ao orgasmo. Mas menos de 4% eram exclusivamente homossexuais, e mesmo esses não expressavam necessariamente uma identidade homossexual.
A conclusão é inescapável. Sentimentos e desejos podem estar produndamente entranhados e podem estruturar as possibilidades individuais. As identidades, entretanto, podem ser escolhidas, e, no mundo moderno, com sua preocupação com a sexualidade “verdadeira”, a escolha é muitas vezes política.
Historicamente, somos herdeiros da tradição absolutista. Ela supõe que as forças perturbadoras do sexo podem ser controladas apenas por uma moralidade muito cristalinamente definida, uma moralidade inscrita em instituições sociais: o casamento, a heterossexualidade, a vida familiar e a monogamia. Embora tenha suas raízes na tradição religiosa judaico-cristã, o absolutismo está agora muito mais amplamente enraizado.
A maioria das pessoas ainda se casa, e essa característica-chave da heterossexualidade insitucionalizada não parece estar ameçada. Mas, em uma considerável medida, a ideia de que o casamento é para toda a vida parece ter sido abalada. Um terço dos casamentos agora terminam em divórcio, assim como uma alta percentagem de segundos casamentos. O fato de que as pessoas se casam de novo tão entusiasticamente sublinha a importância dada aos laços formais legais. Mas, o que é ainda mais importante, parece que, ao tentar outra vez, há um desejo de, desta vez, acertar.
A sociedade moderna garante oportunidades tanto para relações impessoais quanto para relações pessoas mais intensas. O casamento permanece o foco dominante para as últimas, como é sugerido pela persistente desaprovação pública das relações extramaritais e pela aceitação de relações sexuais pré-maritais desde que elas sejam estáveis. Mas isso é acompanhado por um forte sentimento de que o casamento moderno tem de ser trabalhado, e se algo der errado deve-se tentar novamente.
Paralelamente existe a aceitação generalizada do controle da natalidade e o apoio a leis de aborto liberais, sublinahndo, ambos, uma crença geral de que a atividade sexual deveria envolver um alto grau de escolha, especialmente para as mulheres.
Na medida em que nós nos aproximamos do fim do século XX, “o corpo”, seu condicionamento físico, sua saúde e seu bem-estar, particularmente no despertar da crise da AIDS, está deslocando uma preocupação com “o sexo”, no sentido tradicional, como foco de preocupação social.

O Corpo e a Sexualidade.
Jeffrey Weeks (2010)