terça-feira, janeiro 18, 2011

As Adolescentes Negras no Discurso da Revista Atrevida

É como uma categoria culturalmente aprendida que a beleza e também a beleza negra
foram analisadas na revista Atrevida. Objeto de desejo de mulheres brasileiras de todas as idades e classe social, a beleza pode ser alcançada seguindo-se as instruções das publicações do gênero, porém sem perder de vista que todas as “orientações” que as revistas oferecem às mulheres visam a um alvo maior: não é apenas ser bela e, sim, ser bela aos olhos dos representantes do sexo oposto.

A leitora branca é de novo chamada ao texto, como leitora-alvo da publicação, como se dissesse a ela se acalmar, já que, na disputa estética, ela não perderá o seu lugar para a adolescente negra. O discurso produzido chama a atenção para o fato de que ser negra é bom, mas elas têm desvantagens, vejamos: “Uma baita sorte! (elas terem mais colágeno). Em compensação, elas correm o risco de ficar com cicatrizes”. Ou seja, elas são menos flácidas, mas tem outras desvantagens. A autora ainda alerta que a negra deve pensar antes de usufruir as opções de ornamentação corporal, como uso de piercing e furos na orelha, mas não apresenta alternativas viáveis ao seu tipo de pele.

Perpassando todo o texto, a negritude é tratada de forma homogênea, e as particularidades de ser negra são ignoradas. Em um país fortemente miscigenado, como o Brasil, é difícil imaginar que todas as negras tenham o mesmo tom de pele, textura de cabelo e, o mais importante, a mesma concepção de beleza. Será que todas querem cabelos com movimento? Temem as cicatrizes? Preocupam-se em se depilar?

Ao privilegiar um público ideal, marcado por um recorte étnico-racial, isto é, a
adolescente branca, a revista faz uma escolha e usa de várias estratégias discursivas para realizála.
Basta prestarmos atenção às seções e aos textos que antecedem e sucedem a matéria aqui analisada, na perspectiva da interdiscursividade e da intertextualidade, para percebermos que o imaginário racial que povoa os editores, as reportagens e as matérias de Atrevida não inclui a dimensão pluriétnica e multirracial da sociedade brasileira na qual essa mídia impressa é produzida.

Os dados revelam que Atrevida contribui para a manutenção do discurso hegemônico sobre beleza, gênero e raça, delegando a cada grupo social um lugar em uma escala de valores predefinidas pela sociedade brasileira. Como pretende, porém, atingir um
público jovem e diverso, elabora um discurso de falsa mudança. São admitidos o cabelo crespo e o cabelo cacheado como potenciais de beleza, contudo na posição de alternativos. Não se percebe um sentido político da ideia de alternativo como algo que se coloca independente em relação a um padrão dominante, mas, sim, como mais uma possibilidade.

A declaração da estilista também revela como o mito da democracia racial ainda povoa o pensamento do brasileiro. Nessa perspectiva, como resultado de uma miscigenação dos três povos fundadores da nação brasileira – índios, negros e brancos –, somos naturalmente tolerantes racialmente. A afirmativa da estilista não é válida; o avô negro que ela evoca não justifica a sua não disposição em contratar modelos negras e indígenas em número mínimo em seus desfiles.

O mérito, no discurso da negação da desigualdade e da discriminação racial, aparece como um recurso ideológico e retórico construído nas relações de poder que isola o sujeito que vivencia a desigualdade dos condicionantes sociais, históricos, culturais e políticos que a produziram. O mérito não é algo individual e natural. É também uma construção respaldada em critérios que paulatinamente foram impostos em nossa sociedade como padrão de conhecimento, de beleza, de racionalidade. Há muito que se questionar o esvaziamento político que o mérito assume no discurso das cotas, seja no mundo da moda, seja no mundo acadêmico.

As revistas femininas, geralmente, são alicerçadas em processos comunicativos. Elas
pretendem orientar suas leitoras sobre conduta, aparência, moda, celebridades, sem, no entanto, informar sobre esses assuntos. Os textos são imperativos e prescritivos, baseados na experiência de vida de outras pessoas. A opinião pessoal, individual, tem peso muito forte nessas publicações, maior que outras informações, elaboradas por autoridades no assunto. Estas últimas somente são consultadas para respaldar as opiniões da revista.

É muito comum confundir educação com escolarização. A introdução do campo da
cultura como importante elemento para se compreender os processos formativos vividos pela experiência humana poderá nos ajudar a entender que todo processo de aprendizagem é, antes de tudo, cultural, isto é, ele não se limita ao tempo, ao espaço e à forma escolar.
Reconhecemos que o processo escolar exerce influência sobre a aprendizagem nas sociedades em que a época de frequentar a escola é um tempo-forte e é capaz de construir formas de ensino-aprendizagem próprias desse contexto. Discutindo, porém, a aprendizagem como componente da cultura produzida ou modificada pelos sujeitos sociais, conseguimos delinear diversos espaços de educação e cultura para além dos muros da escola, quais sejam: os movimentos sociais, as festas, a Igreja, o trabalho, os sindicatos, os partidos políticos, a família, a interação com os pares, entre outros.

Apenas uma parcela da cultura produzida é ensinada pela escola, geralmente, aquela
parcela eleita como a legítima pelos grupos que têm a hegemonia do processo e da política educacional. Essa eleição se corporifica por meio do currículo na sua forma oficial, em ação e oculta. Ainda assim, considerando educandos como sujeitos, como nos propõe Arroyo (2000), sabemos que, ao chegar à escola, esses sujeitos estão repletos de crenças, valores, hábitos, conceitos e preconceitos, adquiridos em uma formação não escolar. A ação desses sujeitos pode modificar, tensionar e até mesmo implodir as concepções culturais e pedagógicas presentes de forma oficial nas escolas. Há universos culturais, sociais, políticos e discursivos em disputa. Isso se expressa nos rituais, nos currículos, nas práticas pedagógicas, na organização do trabalho da escola.

Com a predominância de pesquisas sobre a escolarização no campo educacional, a
mídia é pouco estudada na perspectiva de educação. Uma perspectiva “escolarizada” de
educação dificilmente captará o lugar da mídia como processo formador e educativo.

Como se pode notar, a mídia tem caráter educativo evidente e, sendo assim, não pode
deixar de ser objeto de estudo do campo da educação. Seu papel, paulatinamente, tem sido assunto de diversas áreas de conhecimento.

O masculino aparece nesse diálogo, porém, de forma pouco problematizada. Geralmente, ele se apresenta como a referência para determinados comportamentos e aspirações do tipo de mulher que essa mídia privilegia. Além disso, o masculino com o qual tais publicações dialogam diz respeito a um determinado recorte dentro da gama de possibilidades que esse universo incorpora.

Carolina dos Santos de Oliveira
AS ADOLESCENTES NEGRAS NO DISCURSO DA REVISTA ATREVIDA
Belo Horizonte- 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS- FACULDADE DE EDUCAÇÃO