domingo, setembro 02, 2007

O Banquete

-Quem é o pai e quem é a mãe? - perguntou Sócrates à Diotima.

-A história é um tanto longa - respondeu ela - contudo, vou contá-la.

No dia em que Afrodite nasceu, os deuses davam um banquete. Achava-se entre eles o filho de Astúcia, que é Engenho.

Acabado o banquete, chegou Penúria, para mendigar, visto que havia mesa farta, e parou à porta.

Entretanto, Engenho, ébrio de néctar - o vinho ainda não existia - saiu para o jardim de Zeus e caiu num sono pesado.

Penúria, eternamente em dificuldades, entendeu de ter um filho de Engenho; deitou-se com ele e concebeu o Amor.

(...)

Filho, pois, de Engenho e Penúria, o Amor teve esta sina:

primeiro, é um eterno mendigo, longe de ser um ente mimoso e bonito, como pensa a maioria;
ao contrário, é aturado, poento, descalço, sem teto, sempre deitado no chão, sobre terra nua, dormindo ao relento nas soleiras e nos caminhos, porque herdou a natureza da mãe e passa a vida na indigência.

Mas, puxando pelo pai, vive espreitando o que é belo e bom, porque é viril, acometedor, têso, um caçador exímio, sempre a urdir suas malhas, ávido de inventivas e talentoso, passando a vida a filosofar, um mago extraordinário, um feiticeiro, um sofista.

(...)

- Quanto ao que imaginavas fosse o Amor, nada de admirar no teu engano; crias, segundo depreendo de tuas palavras, que o Amor fosse o objeto amado e não o amante; daí, penso, veres no Amor uma suprema beleza. Na realidade, o ente amável é que é belo, mimoso, perfeito e merecedor da felicidade; o amante, esse tem outra figura, a que te descrevi.

O Banquete- Platão