sábado, setembro 22, 2007

Armadilhas

E então você não quis nada disso.
E parou com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente.
Apenas parou e nada encontrou além disso.
Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta.

Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós
e a isso considerado vitória nossa de cada dia.

Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada.
Temos construído catedrais e ficado do lado de fora pois
as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.


Não nos temos entregue a nós mesmos,
pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença,
sabendo que a nossa indiferença é angústia disfarçada.


Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior
e por isso nunca falamos no que realmente importa.

Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isto consideramos a vitória nossa de cada dia...

Clarice Lispector
(Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres)