sexta-feira, setembro 14, 2007

Luto e Melancolia

um desânimo profundamente penoso,
a cessação de interesse pelo mundo externo,
a perda da capacidade de amar,
a inibição de toda e qualquer atividade,
e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima
a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento,
culminando numa expectativa delirante de punição.

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Isso, realmente, talvez ocorra dessa forma,
mesmo que o paciente esteja cônscio da perda que deu origem à sua melancolia,
mas apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu,
mas não o que perdeu nesse alguém.


A diferença consiste em que a inibição do melancólico nos parece enigmática porque não podemos ver o que é que o está absorvendo tão completamente.

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Quando, em sua exacerbada auto-crítica,
ele se descreve como mesquinho, egoísta, desonesto, carente de independência,
alguém cujo único objetivo tem sido ocultar as fraquezas de sua própria natureza,
pode ser, até onde sabemos,
que tenha chegado bem perto de se compreender a si mesmo;

ficamos imaginando, tão-somente,
por que um homem precisa adoecer para ter acesso a uma verdade dessa espécie.

Por fim, deve ocorrer-nos que, afinal de contas,
o melancólico não se comporta da mesma maneira que uma pessoa esmagada,
de uma forma normal, pelo remorso e pela auto-recriminação.

Sentimentos de vergonha diante de outras pessoas que, mais do que qualquer outra coisa, caracterizariam essa última condição,
faltam ao melancólico ou, pelo menos,
não são proeminentes nele.

Poder-se-ia ressaltar a presença nele de um traço quase oposto, de uma insistente comunicabilidade, que encontra satisfação no desmascaramento de si mesmo.

O ponto essencial, portanto, não consiste em saber se a auto-difamação aflitiva do melancólico é correta,
no sentido de que sua auto-crítica esteja de acordo com a opinião de outras pessoas.

Se se ouvir pacientemente as muitas e variadas auto-acusações de um melancólico,
não se poderá evitar, no fim, a impressão de que freqüentemente as mais violentas delas dificilmente se aplicam ao próprio paciente,
mas que, com ligeiras modificações,
se ajustam realmente a outrém, a alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar.

Toda vez que se examinam os fatos, essa conjectura é confirmada.
A mulher que lamenta em altos brados o fato de o marido estar preso a uma esposa incapaz como ela, na verdade está acusando o marido de ser incapaz,
não importando o sentido que ela possa atribuir a isso.

Eles não se envergonham, nem se ocultam,
já que tudo de desairoso que dizem sobre eles próprios refere-se,
no fundo, à outra pessoa.

Além disso, estão longe de demonstrar perante aqueles que o cercam uma atitude de humildade e submissão única que caberia a pessoas tão desprezíveis.

Pelo contrário, tornam-se as pessoas mais maçantes, dando sempre a impressão de que se sentem desconsideradas e de que foram tratadas com grande injustiça.

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Dessa forma, refugiando-se no ego, o amor escapa à extinção.


Luto e Melancolia- Freud