sexta-feira, setembro 21, 2007

Fermento...

Combinamos que não era amor.
Escapou ali um abraço no meio do escuro.
ali foi sono, não sei o que foi aquilo.
E a orelha ouviu uma sacanagem qualquer, e a mão se encaixou ali no meio das minhas pernas.

Mas a gente combinou que não era amor.
Mas ainda assim, não somos íntimos.

Nada disso.
Só estamos aqui, reunidos nesse momento, porque temos duas coisas muito simples em comum:
nada melhor pra fazer e vontade de fazer sexo.

Tô super bem com tudo isso.
Nossa, nunca estive melhor.

Não deixa eu assim, deslizando pelas paredes do chuveiro de tanto rir
porque seu cabelo fica ridículo molhado.
Não transforma assim o mundo em um lugar mais fácil e melhor de se viver.

Porque quando você está aqui, ou até mesmo na sua ausência,
o resto todo vira uma grande comédia.

E aquele cara mais novo, e aquele outro mais velho,
e aquele outro que escreve, e aquele outro que faz filme,
e aquele outro divertido,
e aquele outro da festa, e aquele outro amigo daquele outro.
E todos aqueles outros viram formiguinhas de nariz vermelho.

Adoro como o mundo fica coitado, fica quase, fica de mentira, quando não é você.

Pra me lembrar o quão sagrado é não querer tomar banho depois.
O quão sagrado é ser absurdamente feliz mesmo sabendo a dor que vem depois.
O quão sagrado é ver pureza em tudo o que você faz,
ainda que você faça tudo sendo um grande safado.

O quão sagrado é abrir mão de evoluir só porque andar pra trás é poder cruzar
com você de novo.

Não é amor não. É mais que isso, é mais que amor.
Porque pra ter você por perto um pouco,
eu tive que não querer mais ter você por perto pra sempre.

E eu soquei meu coração até ele diminuir.
Só pra você nunca se assustar com o tamanho.

===
Não jogarei sementes em cima do seu cimento
===


E a vida poderia estar realmente maravilhosa.
E o que isso tem de triste?
Sei lá, mas eu fiquei triste pra cacete.

Me deprime tanto que eu gostaria que assassinato não desse cadeia.
Eu gostaria de explodir todos eles.
E depois dormir em paz.
Mas eu não durmo em paz nunca, mesmo quando estou dormindo em paz.
Eu acordo e penso “olha, estou dormindo em paz”.
Isso definitivamente não é dormir em paz!

Fazendo curvas, dando setas, entrando em lugares, me despedindo, saindo do banho,
dando a descarga, abrindo a geladeira, mudando o canal.
Sempre de pé.

O chefe arrogante, a empregada burra, o vizinho barulhento, a telemarketing robótica, o moço da feira, a menina da unha.

E eu também já não sofro mais e nem me culpo.
E tudo passa por um tempo e vamos sorrir, vamos ao cinema, vamos dormir depois do almoço do domingo.
E daqui uns dias vamos caminhar por aí, com a nossa dor sem motivos.
E, principalmente por isso, uma dor filha da puta.
E vamos em frente.
Eretos com nossa tristeza.

Sobre a nossa cabeça.
Tirando sarro da nossa ilusão.
E o único jeito de ser mais malandro que a tristeza é sendo cínico.
E lá vai a garota.
Comprar pão quente com seu cinismo.
Amar com seu cinismo.
Porque só o cinismo vence a tristeza.
Porque só o cinismo é mais triste do que a tristeza.

Afinal, seria um pecado não ser absolutamente feliz, com tanta gente pior por aí, não é mesmo?
Não sei. Mas todas as vezes que eu lembro disso.
Da humilhação que foi ouvir isso tão de perto e tão de propósito para doer.
Eu não consigo simplesmente deixar morrer e nascer de novo.

E nós saímos para trabalhar, comprar pão ou sonhar em explodir o prédio do pagode.
Sempre de pé.
Somos dois animais de pé.
Um ao lado do outro. Dentro do outro. Em cima do outro.
Mas sempre juntos.

E eu não estava naquele avião e nem naquele buraco.
E nem tem terremotos na minha cidade.
Mas nem por isso eu me sinto voando.
Mas nem por isso eu deixo de sentir a terra em cima da minha cabeça.
Tudo a minha volta treme e chacoalha mais que aquele brinquedo Samba no parquinho.

Talvez porque isso seja viver, para quem é de verdade, para quem pensa um pouco, para quem sente um pouco, para quem lê jornal de manhã.
Talvez apenas porque é meio dia.

Tati Bernardi