terça-feira, setembro 11, 2007

Ímpar

Para mim, o dentro do homem era uma doença incurável.
A subjetividade, um ilusão de ótica e de acústica.
A alma, apenas o subproduto de uma pessoa ficar sozinha.
Para mim não tinha nada lá dentro, entende?


No fundo, toda diferença é insuportável. O ímpar.
A gente quer tudo par.

Numa dessas vezes, entendi que eu não era louco.
Tudo era muito louco.

- Se fosse minha?, ela disse quase gargalhando.
Mas essa casa é toda minha.
As pessoas que estão lá dentro são meus brinquedos.
Alguns eu inventei. Alguns meu pai comprou.

Vai pelos esquemas das histórias de deslumbramento que você vai mais longe.

O coração é um imbecil.
Quem não sabe fazer sofrer, não sabe ensinar.
Várias vezes, quando a gente se encontrou, eu sabia que ela sabia e ela sabia que eu sabia
que estávamos procurando um jeito para sufocar uma coisa que nem bem tinha começado.

A primeira coisa é parar de tentar mudar os fatos com palavras.
Depois virão as outras.

O narrador é um fantasma, ele mal-assombra as histórias, elas poderia passar muito bem sem ele.
As histórias se fazem sozinhas, por geração espontânea, gracinha, sem precisar de intervenção humana.

Insuportável é que elas não tenham uma tela de TV na testa para a gente poder ver o que está comprando,
tudo o que ela me dissesse já era uma interpretação,
uma seleção olímpica de frases e palavras militarmente escolhidas para provocar determinado efeito sobre mim.

Mas tudo só mudava do parado para o parado.
A gente se via, até fizemos algumas coisas, mas nada podia disfarçar aquele cheiro de queimado,
a gente cultivando aquela falta entre nós, duas pessoas cuidando juntas da mesma planta carnívora.

Agora é Que São Elas- Paulo Leminski