quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Sob o Domínio do Princípio de Realidade.

A função terapêutica da memória deriva do valor de verdade da memória, que é a de conservar as promessas e potencialiadedes que são traídas e até proscritas pelo indivíduo maduro, civilizado, mas que outrora foram satisfeitas em seu passado remoto, e nunca integralmente esquecidos.

Quando Shopenhauer define a essência do ser como vontade, expõe uma carência e agressão insaciáveis que devem ser redimidas a todo custo.

A vontade ainda é prisioneira porque não tem poder sobre o tempo: o passado não só permanece por libertar, mas prisioneiro, continua impedindo toda a libertação.
O fato do tempo não "voltar atrás", alimenta a ferida da má consciência: sustenta a vingança e a necessidade de punição, as quais, por seu turno, perpetuam o passado e angústia de morte.

Quando a mera consciência atinge o estágio de autoconsciência, revela-re a si mesma como ego, e o ego é, primeiro, desejo: só pode tornar-se cônscio de si mesmo através de satisfazer-se, por si mesmo e por um "outro".
Mas tal satisfação envolve a "negação" do outro, pois o ego tem de provar a si mesmo que é, verdadeiramente, um ser em si mesmo, contra toda a "alteridade".
É essa a noção do indivíduo que deve constantemente afirmar-se para ser real.

O ego experimenta o ser como "provocação", como "projeto", experimenta cada estado existencial como uma restrição que tem que ser superada, tranformada noutra.

O sofrimento pode ser afimado se "o poder do homem é suficientemente forte" para fazer da dor um estímulo para afirmações- um elo na cadeia do prazer.

(Interlúdio filosófico)

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O instinto de morte é destrutividade não pelo mero interesse destrutivo, mas pelo alívio de tensão. A descida para a morte é uma fuga inconsciente à dor e às carências vitais.

De acordo com Freud, o princípio de realidade "salvaguarda", mais do que "destrona", e modifica, mais do que nega, o princípio de prazer.

Toda a civilização tem sido uma dominação organizada.

Ao cumprir sua missão, o principal papel do ego é coordenar, alterar, organizar e controlar os impulsos instintivos do id, de modo a reduzir ao mínimo os conflitos com a realidade; reprimir os impulsos que sejam incompatíveis com a realidade, "reconciliar" outros com a realidade, mudando seu objeto, retardando ou desviando sua gratificação, amalgamando-os com outros impulsos, etc.

A noção de que uma civilização não-repressiva é impossível constitui um dos pilares fundamentais da teoria freudiana.

O prazer de cheirar e saborear é "de uma natureza muito mais corporal, mais física, logo também muito mais aparentado ao prazer sexual do que o prazer suscitado por um som ou ao menos corporal de todos os prazeres, a visão de algo belo".
Tal imediatismo é incompatível com a efetividade da dominação organizada, com uma sociedade que "tende para isolar as pessoas, para distanciá-las e impedir as relações espontâneas e as expressões 'naturais', à semelhança dos animais, dessas relações".

Além disso, a sexualidade procriadora é canalizada, na maioria das civilizações, para o âmbito das instituições monogâmicas. Este tipo de organização resulta numa restrição quantitativa e qualitativa da sexualidade que converte-se numa função especializada e temporária, num meio para se atingir um fim.

(A origem do indivíduo reprimido)

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Como resultado final de vários processos históricos que estão congelados na rede de entidades humanas e institucionais que compõem a sociedade, e esses processos definem a personalidade e suas relações.

Desde o pai primordial, através do clã fraterno, até o sistema de autoridade institucionalizada que é característico da civilização madura, a dominação torna-se cada vez mais impessoal, objetiva, universal, e também cada vez mais racional, eficaz e produtiva.

A manipulação da consciência que tem ocorrido em toda a órbita da civilização indestrial contemporânea, foi descrita nas várias interpretações de "culturas populares": coordenação da existência privada e pública, das reações espontâneas e solicitadas.
A promoção de atividades ociosas que não exigem empenho mental, o triunfo das ideologias antiintelectuais, exemplificam a tendência.

Ainda no nível pré-escolar, as turbas, o rádio e a televisão fixam os padrões para a conformidade e a rebelião; os desvios do padrão são punidos não tanto no seio da família, mas fora e contra a família.

No seu auge, a concentração do poder econômico parece converter-se em anonimato; todos, mesmos os que se situam nas posições supremas, parecem impotentes ante os movimentos e leis da própria engrenagem.

É com uma nova despreocupação que o terror é assimilado com a normalidade, e a destrutividade com a construção.

(A dialética da civilização).

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Marcuse- Eros e Civilização.