sábado, fevereiro 02, 2008

As mesmas coisas fora do lugar...

Nunca achei que tivesse poderes especiais. Para mim, o que ela fazia era a coisa mais natural do mundo. Cresci ouvindo essas palavras como quem ouve dizer pão, água, bom dia, desculpe.

Quando pude, enfim, conhecer o mundo, como se diz, (como se o mundo ficasse lá fora, apanhando chuva, levando tiros, se arriscando a ser atropelado por um demônio mais apressado) eu já sabia tudo o que ia me acontecer, tudo o que ia sentir, já sabia de tudo, como se tudo já tivesse havido.

O resto foi o tédio de sempre. Depois das primeiras surpresas, a própria surpresa se tornou uma rotina sufocante.

Até agora tudo estava errado, tudo estava torto, fora de lugar, como nome trocado.
Ora, o lugar estava certo, a hora estava errada. Quando a hora estava perfeita, o lugar não era aquele.

Mas, naquele momento, só o inferno me interessava.
Inferno por inferno, pior o inferno que eu tinha em casa, aquele inferno manso, cheio de frases fáceis, gestos previstos e noites intermináveis.

Está provado que é possível, em certos casos, partir sem chegar a.
Nesses casos, se diz, houve empate. Eu não jogava pelo empate. Jogava pelo escândalo, vitória ou derrota. Foi vitória? Derrota?

Quando ela me disse isso, eu não dei muita importância. Se a gente for prestar atenção em tudo que diz a pessoa que a gente ama, ninguém vai ter tempo para amar direito.

Quando a gente voltou, o quarto estava igualzinho. As mesmas fotos. As mesmas coisas fora do lugar. As mesmas contas a pagar.
Daí, ela levantou e foi embora mesmo.
Realmente, nada explica nada.
Apenas umas coisas vêm atrás de outras que vêm atrás de outras, atrás de outras, pois, afinal de contas, todas as coisas vêm.

Pensei nas vezes em que eu disse que ia embora. Ela nunca acreditou. Nós nunca acreditamos. Até que acontece.
Acontece é modo de dizer. Será que acontece mesmo? Será que alguma coisa acontece?

A raiva é sábia.

Não há muito a dizer, nunca há.
Meia dúzia de palavras resolvem problemas de mil anos atrás.
Fomos nos dizendo cada vez menos. Dizer sempre é uma outra coisa.

Paulo Leminski- Gozo Fabuloso.