terça-feira, fevereiro 12, 2008

Paranóia dirigida

A paranóia é aquela forma da personalidade que leva o sujeito a encontrar no mundo muito mais sentido do que lá está.

Num delírio paranóico bem formado, há poucos fios soltos, tudo é costurado.

Os acontecimentos são mensagens -eventualmente divinas ou extraterrestres e de árdua interpretação, mas mensagens.
Há pouquíssimo espaço para uma realidade que não seja justificada por um sentido.

......

Por outro lado, a psicanálise não só orienta (e tenta suavizar) nossa procura louca de um sentido mas também deve, um belo dia, permitir que a gente encare a brutalidade do mundo.

No fim de uma análise, espera-se que alguém possa sair do consultório de seu analista e levar, por exemplo, um vaso de flores na cabeça sem que lhe ocorra, nem por um instante, que se trate de um complô, de uma punição merecida por ousar se aventurar no mundo sozinho ou mesmo de uma vingança do próprio terapeuta abandonado.

Às vezes, os vasos caem sem mais nem menos.

Atrás desse propósito da psicanálise, há a constatação de que, paradoxalmente, os humanos se queixam da falta de sentido, mas sofrem, na verdade, do contrário, ou seja, do excesso de sentido.

Esse sentido, que (segundo a queixa) faz falta, não pára de nos atrapalhar: por ele estamos dispostos a estropiar o próximo ou a sacrificar (quase sempre inutilmente) nossas vidas, a ele devemos, às vezes, a inibição e a extraordinária ineficácia de nossas ações.

Contardo Calligaris- O tsunami, o câncer, a Aids e outras coisas que não têm sentido.