domingo, fevereiro 17, 2008

No mínimo, resta-nos a mesa do bar.

Sei que é pouco: a quem se sente abandonado pelas grandes causas comuns, a mesa do bar e sua conversa parecem pálidos reflexos da sociedade desejada.

Mas, filosofando: se, por falta de transcendências, devemos encontrar sentido na imanência, é melhor se acostumar a dar relevância às coisas pequenas de cada dia.

Na mesa do bar, a gente dá "uma relaxada": encontra, na facilidade do convívio (ou do "convício", entre cigarros e cervejas), um amparo contra as frestas e falhas mais dolorosas.
Considere seus companheiros de mesa: todos parecem espirituosos e bem-humorados.

Mas há um que, uma vez de volta em casa, perseguirá, solitário, na internet, fantasias sexuais que ele nunca se permite viver;
há o casal que se deitará sem se abraçar;
há outro que não quer ir embora porque a perspectiva da solidão o desespera;
há outra que consegue ironizar uma perda cuja lembrança, quando ela estiver sozinha, de novo a arrasará.
E por aí vai.

Não se trata de um "fazer de conta": existe uma divisão subjetiva sem a qual viver seria difícil.
Já imaginou um dia inteiro na intensidade alarmante de um diálogo com seu melhor amigo, com um terapeuta ou até consigo mesmo, numa noite sem sono?

Mas, fora isso, as mesas de bar e as rodas de padaria são uma modesta e frágil presença da vida social concreta: elas mantêm, ao menos, a ilusão de que os outros existem para nós e nós existimos com eles.

Contardo Calligaris- "Inocência" e as mesas de bar.