quinta-feira, abril 19, 2007

Resumo dos últimos dias

Acho tudo um grande porre.
Um grandessíssimo porre.
De vez em quando, no meio do porre, a gente arruma alguém pra fazer uma coceguinha no nosso coração.
Mas aí, depois da coceguinha, a vida volta ainda mais tosca.
E tudo volta um porre ainda maior.


Eu estou tão cansada de assustar as pessoas.
E de ser o máximo por tão pouco tempo.
E de entregar tanta alma de bandeja pra tanta gente que não quer ou não sabe querer.
Ele tem um cheiro bom daqueles que só melhoram conforme o perfume vai saindo.


Ele quer sacanagem comigo, mas daquele tipo de sacanagem pura com direito a perguntar baixinho "tá doendo"?
Seu charme está em ter transformado a sua dor em ironia.
Adoro pessoas sofridas. Adoro o ódio medroso e óbvio das pessoas sofridas.
Talvez amanhã a gente possa se odiar juntos, num ato de sinceridade livre e animal perante tantos amores pálidos pela cidade corretinha.
A cidade corretinha que faz bodas disso e bodas daquilo, mas se entope de Prozac, mas se entope da porra do canal de sexo com aquelas mulheres de sobrancelha desenhada. Mas se entope da porra da opinião dos outros sobre o que é ter chegado lá. Ninguém chega a porra de lugar nenhum.
Durmo com mais de trinta homens, e mais uma vez sozinha.
Mas esse texto, juro, é uma comemoração a isso.
No fundo, no fundo, eu gosto.
Ainda que eu me sacaneie com pureza e me pergunte baixinho: tá doendo?

E eu gosto de você, mesmo sabendo que você gosta de mim por pouco tempo.
E eu sou um pouco mais estranha do que ser estranha permite.

Sou estranha além do charme de ser estranha.

Foi aí que meu amigo resolveu que nossa amizade jamais seria afetada por um beijo.
Que mal há em um beijo? Um simples beijo? Um beijinho de nada? Inofensivo.
Algo mais ou menos como um desentupidor de pia com mais de cinco horas de duração.
Que mal há em um beijo assim?
Dado na escada, no cantinho atrás do bar, no banheiro, no chão, embaixo das mesas, deitados no sofá?
Que mal há nele enfiar a mão dentro do meu vestido para sentir a renda do meu novo sutiã?
Ou de querer conferir a elasticidade da minha calcinha?
Nenhum.
Oras, ele não é meu amigo? Amigo é pra essas coisas. Oras.

Ainda é cedo e eu preciso de amor.
Só um pouquinho de amor.
Não posso dormir sem paz no coração.
Ele não mora muito longe da cama que não era cama e a cada passo esfolo mais e mais meu esmalte vermelho.
Quero que ele veja o quanto mudei por causa dele, na esperança de que seu riso congelado saia do automático e eu ganhe um único sorriso verdadeiro.
E o mais fantástico de tudo é que já que estou tão à vontade,

já que meu cérebro louco não está vivendo nem no passado e nem no futuro e apenas no presente do seu corpo quentinho e cheiroso
e já que nada em mim dói porque nada em mim sonha...

Eu mais uma vez me pergunto como é mesmo que se faz a coisa mais profunda do mundo com total superficialidade.
Como é que se ama sem amor?
Como é que se entrega de dentro de uma prisão? Nunca soube.
Tenho vontade de perguntar baixinho: você não gosta nem um pouquinho de mim? Nem sequer um tiquinho?
Olha só: eu tenho os dedinhos do pé bem estranhos. Eles não são absurdamente merecedores de amor?
Mas ele não quer perder tempo com dedinhos de pé, pintinhas brancas ou antebraços molinhos.

A vida é só um pouquinho boa, as pessoas são só um pouquinho bonitas e as músicas duram apenas algumas notas.

Sou inteira um pseudo algo, desejo pseudo coisas e quase sei para onde ir agora.
O meio homem não fica muito longe da casa que é quase velha.
Quer saber de uma coisa?
Acho que ainda é cedo.
Mas não posso terminar mais um dia sem amor, não posso.
Sugo ali, num cantinho qualquer acompanhada de qualquer pessoa,
o que pode restar de bom na alma de alguém.

Tati Bernardi