segunda-feira, abril 02, 2007

Para que haja a arte

A arte sempre foi usada, e pensada, como meio de interpretar a natureza do mundo e da vida para os olhos e ouvidos humanos, mas hoje os objetos de arte estão talvez entre as realizações mais singulares que o homem já produziu. Agora são eles que necessitam de uma interpretação.

A pose ambicionada pelos nossos jovens já não é a do amante exultante da beleza, mas a máscara impenetrável do crítico que funga e julga.

Não é verdade que as grandes obras de arte são muito relutantes em revelar seus segredos para a análise?

O mundo deixa de ser transparente, os objetos não são mais do que objetos, as configurações, cores e sons, não são nada mais que configurações, cores e sons, e a arte transforma-se numa mera técnica de entretenimento dos sentidos.

-------

Vêem na arte uma distração agradável do trabalho, ocupações para os momentos de ócio, só admissível nas poucas horas livres que sobrar depois de atendidos os estudos das especialidade “indispensáveis”.

Somos vítimas de uma tradição segundo a qual os sentidos não proporcionam nada melhor nem pior que a matéria-prima da experiência. Cabe aos chamados processos mentais superiores a elaboração da matéria-prima.
Na seqüência desses pontos de vista- e em parte por causa deles- a educação limitou-se quase exclusivamente à manipulação indireta da experiência através do uso de palavras e números; os sentidos vieram associados ao sexo, separados do amor tão fatalmente como a visão o foi da compreensão.

A sensação tornou-se, no melhor dos casos, um passatempo agradável, no pior, uma distração pecaminosa das procuras mais elevadas da mente e do espírito.
--------

Pelo menos num aspecto a teoria psicanalítica contribui para a compreensão da arte. Veio recordar ao homem moderno que todos os elementos da obra de arte, pertençam à forma perceptual ou ao conteúdo, são simbólicos, quer dizer, representam algo que está para além deles. (...) Mas a psicanálise,por seu lado, baralhou a questão ao afirmar que os símbolos são um instrumento para camuflar o verdadeiro conteúdo do testemunho artístico. (...) Carl Gustav Jung e outros autores como Erich Fromm opuseram-se ao ponto de vista freudiano e assinalaram que os símbolos servem mais para revelar do que para ocultar os seus referentes.
Longe de ocultar o seu referente, os símbolos artísticos dotam de aspecto tangível as idéias que representam. Revivem e clarificam os problemas da existência humana.

Schopenhauer enaltece o caráter abstrato das palavras porque esta qualidade permite ao leitor suprir através da sua imaginação os pormenores concretos que faltam, em consonância com a sua individualidade, saber, e vontade pessoal. (...)
No entanto, considerações como essa favorecem a atitude de quem vai a um concerto e se serve do som musical como mero ponto de partida para flutuar na corrente da consciência através de paisagens fantásticas.
Justifica o comportamento dos que, quando contemplam uma paisagem holandesa numa figura, recordam as cenas da sua viagem de lua-de-mel na Europa.
Nada está livre de fantasias, mas é preciso apercebermo-nos de que, longe de aumentar a nossa compreensão, distrai a atenção da apreciação das obras de arte.

---

Acredita-se que a arte não é um privilégio de uma minoria mas a atividade natural de todo o ser humano, que uma cultura verdadeira depende menos dos poucos gênios do que da vida criativa do cidadão médio, e que a arte é um instrumento indispensável para fazer face às tarefas
que a vida nos impõe.

-----

Para uma psicologia da Arte- Rudolf Arnheim