Nieztsche: "o reduzir algo desconhecido a algo conhecido alivia, tranqüiliza, satisfaz, proporciona além disso um sentimento de poder. Com o desconhecido vêm o perigo, a inquietação, a preocupação. Uma explicação qualquer é preferível à ausência de explicação."
As fantasias são construídas por um processo de amálgama e distorção, observando-se primeiramente a falsificação da memória pela fragmentação, na qual a ordem cronológica é deixada de lado.
E não há como negar que as fantasias podem atuar com a mesma força das experiências reais.
O ansiar ardentemente e o viver de reminiscências foram características que demarcaram o trabalho em torno da histeria.
O traço de defesa do histérico se funda no fazer submergir o real, nao o reconhecendo, resistindo à sua compreensão. O 'não saber' do paciente histérico seria, de fato, um não querer saber- um não querer que poderia, em maior ou menor medida, ser consciente.
Freud: "são dominados pela oposição entre realidade e fantasia. Se aquilo que desejam com mais intensidade em suas fantasias se lhes apresenta em realidade, eles não obstante o evitam; e abandonam-se a suas fantasias tão logo não precisem temer vê-las realizadas."
Tendo a ansiedade como seu traço, a simbolização se desenvolve com o objetivo de manter camuflado o desejo.
Se, por um lado, o pessimismo é uma marca passiva diante do real, o seu equivalente ativo se faz notar pela excessiva necessidade de expressão, do falar, da agressividade, do exibicionismo.
A não vivência do real, não apenas do ato sexual, como da sexualidade em sua abrangência e implicações, encontra na atividade discursiva experientação vicária.
Lacan: "função mais digna de ser sublinhada na fala que a de disfarçar o pensamento (a maioria das vezes indefinível) do sujeito."
"isso significa que o real está aquém ou além da mentira, do disfarce, das distorções, das máscaras que construímos na tentativa de ocultá-lo. O real é sempre verdadeiro."
"O princípio de análise é que ninguém entende nada do que acontece. A idéia de uma unidade unificante sempre me dá a impressão de ser uma mentira escandalosa".
"E, se sabe que não e qualquer elemento que suscita o desejo, mas um atributo peculiar cifrado no olhar, no gesto, na expressão, um traço peculiar. É sobre o "saber" acerca disso que se apóia a erudição da histeria, que tranqüilamente pode desenvolver expressões, maneiras de se vestir, de parar, de sorrir, de piscar, mas nunca maneiras de deixar cair a roupa.
É que a histérica sabe, melhor do que ninguém, que, ao deixar cair a roupa, choca com a sua desnudez, mas não fascina como uma ilusão. O sujeito desaparece frente ao objeto parcial".
Se no caso da histeria, o sujeito não nega o real, a saída é proteger-se dele, duplicando-o, o que torna a tarefa inoperante, já que a falta o reenvio ao ponto de partida: o real.
Lacan formula que "o desejo do homem é o desejo do outro", da mesma maneira que o desejo da histérica seria o desejo do "desejo do Outro", portanto o desejo no que supõe ser o do Outro.
A demanda em saber colocar perguntas que não pretende ver respondidas.
"Diga-me quem sou e eu serei quem você diz."
Na histeria o desejo só pode ser sustentado enquanto insatisfeito; por isso, ainda que se situe como objeto de desejo de alguém, na sua demanda de saber, na sua representação, como no teatro, enquanto objeto do espectador, essa posição não pode persistir.
Baudrillard: "o delírio de explicar tudo, de imputar tudo, de referenciar tudo... Tudo isto ocasiona uma acumulação fantástica: as referências vivem umas sobre as outras e às expensas uma das outras. O que uma sociedade procura continuamente produzir, reproduzir e superproduzir, é ressucitar o real que lhe escapa".
"Mais real que o real, é assim que se abole o real".
Nada deve ser totalmente perdido da memória para que o novo não cause estranhamento e seja reinjetado na perspectiva de interpretação.
Paradoxo da maior quantidade e do baixo teor: diet life, exilando o sofrimento, a culpa, o remorso, o medo, a ansiedade, a frustração. O corpo encontra no diet vazão para o consumo, para o acúmulo, hipoteticamente solucionando o conflito retenção/gasto.
O interesse centra-se, então, cada vez mais no mundo, na identidade e nas relações marcadas pela assepsia, libertas das fricções produzidas pelos contatos reais.
Não se pretende, pura e simplesmente, catalogar a produção midiática em uma categoria nosográfica; entretanto, é prudente destacar a preocupação de subsidiar a experimentação do não vivido.
O que se coloca em questão é a arquitetura de um discurso fundado na simulação, que lança mão da sedução como simulacro de desejos, de afetos, em uma sociedade que estabelece como prioridade a necessidade de fazer sentir, de produzir sensações.
A publicidade de um relógio de pulso, por exemplo, recorre ao nu feminino.
Em contrapartida, não há algo que afugente mais o propósito da sedução que a explicitação, a obscenidade pelo mais mostrar, a demanda da sedução.
Como o Seduza-me ou Deixe me Seduzir Você.
Interpõe-se como impedimento, de ihual maneira a quebra do encanto.
Pronto. Acabou, o destino funda-se em pura repetição e nenhum risco.
Histeria na Mídia- A Simulação da Sexualidade na Era Digital
Raquel Paiva