domingo, junho 29, 2008

Remorsos

De fato, há um prazer na própria intensidade dos sentimentos;
por isso,
desconfio um pouco das palavras com as quais os manifestamos.

Simplificando, há duas grandes categorias de expressões:
constatativas e performativas.

Se digo "Está chovendo", a frase pode ser verdadeira se estamos num dia de chuva ou falsa se faz sol;
de qualquer forma, mentindo ou não, é uma frase que descreve, constata um fato que não depende dela.

Pois bem, nunca sei se as declarações de amor são constatativas
("Digo que amo porque constato que amo")
ou performativas ("Acabo amando por dizer que amo").
E isso se aplica à maioria dos sentimentos.

É uma experiência comum: externamos nossos sentimentos para vivê-los mais.
Nada contra: sou a favor da intensidade das experiências,
mesmo das dolorosas.
Mas há dois problemas.

O primeiro é que o entusiasmo com o qual expressamos nossos sentimentos pode banalizá-los.
Ao declarar meu amor, por exemplo, esqueço conflitos e nuances.
No entusiasmo do "te amo",
deixo de lado complementos incômodos
("Te amo, assim como amo outras e outros" ou
"Te amo, aqui, agora")
e adversativas que atrapalhariam a declaração com o peso do passado
ou a urgência de sonhos nos quais o amor que declaro não se enquadra.

O segundo problema é que nossa verborragia amorosa atropela o outro.
A complexidade de seus sentimentos se perde na simplificação dos nossos,
e sua resposta ("Também te amo"),
de repente, não vale mais nada ("Eu disse primeiro").

Por isso, no fundo, meu ideal de relação amorosa é silencioso, contido, pudico.

A ausência da fala amorosa acaba sendo um presente que os amantes se fazem reciprocamente, uma forma extrema (e freqüentemente perdida) de respeito pela complexidade de nossos sentimentos e dos sentimentos do outro que amamos.

Amores silenciosos- Contardo Calligaris