sábado, agosto 02, 2008

E depois?

A expansão quantitativa do ensino superior brasileiro não beneficiou a população de baixa renda, que depende essencialmente do ensino público.

A universidade pública expandiu-se no período compreendido entre 1930 e 1970, mas desse período até os dias atuais as políticas mercantilistas do ensino superior fortaleceram o setor privado, que hoje detém aproximadamente 90% das instituições e 70% do total de matrículas.

Desse modo, uma análise sobre a presença de categorias sociais antes excluídas do sistema de ensino levanta necessariamente a questão: o acesso à universidade, sim; e depois?

Assim, torna-se redutor considerar indiscriminadamente os casos de estudantes que têm acesso ao ensino superior como de "sucesso escolar".
Evidentemente, caberia explicitar o que se quer dizer com "sucesso escolar".

Ele representa o acesso, ou vai além para definir tanto a chamada "escolha" pelo tipo de curso quanto as condições de inserção, ou seja, de "sobrevivência" no sistema de ensino?

Muito diferente do que observou Nogueira (2003) em um estudo feito com universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas, para os estudantes entrevistados a decisão pelo ensino superior não tem, como para aqueles, a conotação de uma quase "evidência", um acontecimento inevitável.

Chegar a esse nível de ensino nada tem de "natural", mesmo porque parte significativa deles, até o ensino fundamental e, em muitos casos, ainda no ensino médio, possuía um baixo grau de informação sobre o vestibular e a formação universitária.

Uma matéria publicada na Folha de S.Paulo de 18 de agosto de 2002, apoiada em dados do vestibular de universidades públicas do Rio de Janeiro e São Paulo, argumenta que a baixa auto-estima faz estudantes de escolas públicas desistirem de entrar na universidade antes mesmo de tentar o vestibular.

Acrescenta a matéria que "o fenômeno, conhecido por educadores estudiosos do assunto como auto-exclusão, acentuou-se nos últimos anos, apesar do aumento significativo do número de alunos formados no ensino médio público".

Na pesquisa realizada nota-se, com certa freqüência, que quando a previsão do fracasso não se confirma e o estudante é aprovado no primeiro vestibular, ou mesmo após outras tentativas frustradas, não raro ele duvida de sua capacidade e atribui o resultado obtido à ocorrência de "uma chance", "uma sorte".

Para preencher a lacuna da formação básica, há uma forte demanda pelos cursinhos pré-vestibular, estratégia bastante generalizada entre os egressos do ensino médio.

Considerando esses dados relacionados à formação básica, as dificuldades no momento da escolha da especialidade a ser seguida no curso superior são grandes.

O ensino superior representa para esses estudantes um investimento para ampliar suas chances no mercado de trabalho cada vez mais competitivo, mas, ao avaliar suas condições objetivas, a escolha do curso geralmente recai naqueles menos concorridos e que, segundo estimam, proporcionam maiores chances de aprovação.

Essa observação suscita uma reflexão sobre o que normalmente chamamos "escolha".

Quem, de fato, escolhe? Sob esse termo genérico escondem-se diferenças e desigualdades sociais importantes.

Para a grande maioria não existe verdadeiramente uma escolha, mas uma adaptação, um ajuste às condições que o candidato julga condizentes com sua realidade e que representam menor risco de exclusão.

Do acesso à permanência no ensino superior: percursos de estudantes universitários de camadas populares*- Nadir Zago