domingo, agosto 03, 2008

Culpa x Educação

O processo consistiu em colocar vinho novo em tonéis velhos,
em incorporar todos a um ensino que não havia sido configurado pensando na sociedade em seu conjunto,
mas em uma reduzida parte da mesma.

Presumia-se que o que era ou parecia ser bom para os que até então vinham desfrutando-o com exclusividade também o seria para os demais.

Para dizer de outra forma, desaparecido em boa parte seu valor extrínseco- baseado essencialmente em sua escassez- havia de chegar o momento de perguntar-se pelo valor intrínseco dos ensinos convertidos em patrimônio de todos ou da maioria, isto é, os de acesso garantido e os de fácil acesso.

Na verdade, a educação carrega hoje um fardo muito pesado.
Em uma época de escasso ou nenhum crescimento líquido e desemprego em massa,
o discurso oficial responsabiliza a educação por ambas as coisas.

Ao colocar ênfase na centralidade das reformas educacionais para continuar ou melhorar na competição internacional,
está-se afirmando que se o país não vai melhor é por culpa do sistema educacional.

Ao insistir permanentemente no desgastado problema do “ajuste” entre educação e emprego, entre o que o sistema educacional produz e o mercado requer,
está se lançando a mensagem que o fenômeno do desemprego é culpa dos indivíduos, os quais não souberam adquirir a educação adequada,
ou dos poderes públicos, que não souberam oferece-la,
mas nunca das empresas,
embora sejam essas que tomam as decisões sobre investimentos e emprego e que organizam os processos de trabalho.


Assim, através da educação, a sociedade pôde prometer igualdade sem tocar nas instituições do mundo econômico.

O resultado foi um conjunto de reformas destinadas, país a país, a prolongar os períodos de escolaridade obrigatória, igualar as condições de escolarização e ampliar o tronco comum até faze-lo coincidir, ou quase, com o período obrigatório: em breve, as reformas compreensivas e o que pomposa ou desdenhosamente se chamou de “democratização” ou de “massificação” do ensino superior.

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Ano após ano, a disciplina é assinalada como o primeiro problema das escolas pelos cidadãos norte-americanos nas pesquisas Gallup. Os empregadores não se queixam tanto das qualificações dos egressos da escola quanto de seu individualismo, seu escasso respeito pela autoridade hierárquica, sua pouca disposição a assumir tarefas rotineiras ou sua idéia de que o trabalho deve ser uma atividade pessoalmente gratificante.

Embora a escola continue sendo essencialmente uma organização burocrática, normatizadora e disciplinadora, cuja principal função, que desempenha basicamente bem, é a socialização da força do trabalho, ela passou por profundas mudanças em direção a uma abertura, uma tolerância, uma liberalização e uma democratização crescentes, assim como uma maior atenção às necessidades, interesses e desejos dos alunos considerados individualmente ou em grupo.
O trabalho, pelo contrário, não conheceu nenhuma evolução similar: é por isso que, desde o ponto de vista dos empregadores, a escola já não cumpre adequadamente sua função.

O discurso da qualidade e a qualidade do discurso.
Mariano Fernandez Enguita.