sábado, junho 06, 2009

A Inocência e o Vício- trechos.

Ao meu ver, o “homossexual típico”, como toda figura de exclusão, é um puro estereótipo do preconceito. O “homossexual típico” é uma realidade tão palpável quanto o português da anedota, o “judeu típico”, ou de maneira mais inocente, o “paulista típico para o carioca, e o “carioca típico”, para o paulista.
O que existe de típico no homossexual é a crença de que todo sintoma ou signo do desejo homossexual é sinal de “homossexualismo”.

Por que, pergunto, não perdemos tempo e fostato tentando isolar e caracterizar a estrutura heterossexual? Pergunto por que não nos inquietamos com a presença da heterossexualidade entre homens e mulheres?

A heterossexualidade é egossintônica, com respeito ao imaginário.
Ou seja, ninguém procura análise queixando-se de “heterossexualismo”.
Conseqüentemente, porque não nos perguntamos como alguém é ou torna-se heterossexual, encerramos o assunto e damos a questão por resolvida.
Sabemos que existem tantas maneiras de ser-se heterossexual quanto permite a fantasia de cada um. Não pensamos em reduzir a heterossexualidade em uma única estrutura.

Hoje em dia, para a maioria dos sujeitos, ser ou não ser homossexual é uma questão mais aflitiva ou mais vital do que a de ser ou não ser herege, ser ou não ser religioso, ser ou não ser revolucionário, ser ou não ser corrupto, ser ou não ser oportunista e mesquinho, ser ou não ser generoso e tolerante para com o outro, etc.

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Se observarmos com cuidado, veremos que o sujeito com inclinações homoeróticas não dispões de modelos identificatórios que possas compatibilizar essas inclinações com o ideal da ética sexual conjugal.
Resta-lhe, então, identificar-se com o que sobra.
E o que sobra é a figura do homem manqué, do homossexual, com um “a-menos” da virilidade fálica imposta pelo ideal moral, com o qual, de resto, a maioria dos homens assim rotulados sonha e aspira.

Em nossa cultura, toda linguagem amorosa, que é essencialmente a linguagem do amor romântico, foi imaginariamente rebatida sobre o casal heteroerótico.
Da primeira “paquera” até o altar e depois ao berçário, tudo o que podemos dizer sobre o amor está imediatamente associado ás imagens do homem e da mulher.

O vocabulário do homoerotismo já foi codificado por médicos, religiosos, psicanalistas e pela Vox populi. Nos costumes leigos, científicos e literários, homossexual e relação homossexual pertencem à gramática da devassidão, obscenidade, pecado, hermafroditismo, promiscuidade, bestialidade, inversão, doença, falta de vergonha, sadismo, masoquismo, passividade, etc.

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Assim, aquilo que é chamado por alguns autores de traços de personalidade ou de estrutura psíquica da homossexualidade, chamo de resposta psíquica ou estratégia defensiva posta em marcha pelos sujeitos diante das injunções morais desqualificantes produzidas pelo preconceito.

E, se na aparência o estilo de vida de certos homossexuais ou grupos de homossexuais mostra-se extravagante aos nossos olhos, isso não se deve a nenhuma perversão intrínseca à estrutura homossexual, mas ao modo de vida de minorias sexualmente discriminadas.

Ouso mesmo avançar uma hipótese, ainda em germe, mas que suponho frutífera: há provavelmente mais risco de perversão na montagem social que opõe heterossexuais a homossexuais do que nas chamadas relações homossexuais. (...)
Foi assim com o homossexualismo sob o nazismo e o stalinismo; foi assim com os grupos de extermínio que, no Rio de Janeiro, metralharam, degolaram e incendiaram travestis com gasolina para depois jogar seus corpos em montes de lixo.

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Diante da opressão do ideal sexual conjugal e da privação de um vocabulário social aprovado para a expressão dos sentimentos homoeróticos, surgiram pelo menos três pautas de condutas possívels como modelo de reação ao homossexual à cultura da privação. Deixo de lado, no momento, a resposta da “militância gay” ou a resposta de certos setores da elite cultural e social por não considerá-las reações passivas e inconscientes ao preconceito, e sim respostas críticas e afirmativas, quaisquer que sejam, aliás, o alcance, a eficácia ou limite de cada uma delas.

- Camp é a palavra da gíria americana para significar o comportamento exagerado, escandaloso, propositalmente efeminado de certos homossexuais ou de certos círculos de homossexuais. Diz-se que alguém tem esse comportamento quando procura romper as regras do bom-tom ou escandalizar o preconceito, acentuando maneiras mal vistas ou discriminadas.
No entendimento de Sontag, o camp é uma reação ao domínio opressivo da “herossexualidade” pela exacerbação de estereótipos.
Algo assim como o teatro de Brecht onde o excesso denuncia a ilusão.
As maneiras de agir e falar não significam desprezo ou desqualificação moral dos termos usados, e sim uma retomada lúdica e sarcástica do que o preconceito leva a sério.
(...) Assim, tendem a reforçar cada vez mais o que o preconceito quer ver: o “homossexual” é um bufão da natureza; um bobo da corte, em meio à “nobreza heterossexual”.

- A outra resposta do homoerotismo ao social é a criação da cultura clandestina do gueto. O gueto é formado por um circuito de locais de encontro exclusivo dos homossexuais, que vão de praias a pontos de prostituição masculina. Nesses locais, alguns extremamente sórdidos, os indivíduos gozam da “liberdade” que a discriminação permite. Mas, justamente por tratar-se de uma liberdade vigiada e concedida, carrega todas as seqüelas do preconceito. (...)
Por fim, participando da cultura do gueto, sobretudo nas idas a saunas, boates e locais de prostituição, todos se sentem promíscuos e convivendo com a promiscuidade, realizando, assim, a imagem do “homossexual” criada pelo estereótipo do preconceito.

Enquanto o gueto mostra as relações amorosas do prisma do anonimato, da parcialização do contato, da burocratização do orgasmo ou da exclusiva dimensão da sensualidade, o amor romântico é mostrado a céu aberto, respirando o ar fresco e vendendo eloqüência, sob refletores coloridos e musicados em dolby stereo. Não há o que discutir: entre a sujeira, a tristeza, a escuridão e a ilicitude de um e a alegria luminosa e loquaz de outro a escolha está feita.
(...) Na distância intransponível entre o ideal sexual da maioria e a efetiva condição homossexual da minoria instalam-se a aflição, a ansiedade, o ressentimento e o sentimento de vida abortada, o que leva os sujeitos às mais extravagantes posições subjetivas na vida amorosa.

- O estilo de vida da ansiedade, da depressão crônica e dos acting-out sexuais é a terceira resposta do homoerotismo à hegemonia opressiva da heterossexualidade conjugal.

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Jurandir Freire Costa- Conjugalidade, ética sexual e parceria homoerótica.