terça-feira, junho 09, 2009

"Descobertas"


A Produção do Mito do Silêncio


Qualquer investida na área da sexualidade, principalmente na nossa sociedade, é envolvida no mito do silêncio que a reveste.
E, com referência à categoria social homossexual, o mito da anormalidade reforça este silêncio, fazendo com que pareça impenetrável.

Foucault mostra que a partir do século XIX iniciam-se as “heterogeneidades sexuais” e um movimento centrífugo em relação à monogamia heterossexual.
São as “sexualidades periféricas” que questionam a “sexualidade regular”, formulando-se uma divisão no campo da sexualidade, refletida na construção de novas categorias “contra a natureza”, “perversas”, “desviantes”, “anormais”, etc., em oposição às categorias do “normal” e do “natural”.

Poderíamos perguntar, escreve Foucault, se esta “multiplicação” é devida a um relaxamento das regras ou se, ao contrário, é prova de um regime de controle mais severo.
Parece- responde o autor- que a questão não se coloca em termos de maior ou menor repressão, mas sim na forma pela qual o poder se exerce, não se restringindo apenas à sua função de interdição.

A partir do século XIX, os mecanismos de poder em relação ao sexo se deslocam da Igreja e da Lei para a hegemonia da Educação e da Ciência. Será na prática de uma sciencia sexualis que se produzirá a verdade sobre o sexo, sendo a confissão a técnica mais valorizada nesta produção.

A hipótese geral proposta por Foucault é de que a sociedade não se recusa a conhecer o sexo, muito pelo contrário, aciona todo um aparelho para produzir um discurso ‘verdadeiro’ e regulamentado.

É importante observar nesta proposta, que o discurso não é unilateral, havendo também discursos de “retorno”,(...) em que o homossexualismo fala de si mesmo, reivindicando sua legitimidade ou “naturalidade” com o mesmo vocabulário e as mesmas categorias empregadas para “desqualificá-lo”.

Assim, a necessidade de explicar a opção sexual é dos agentes sociais em questão, permintindo-nos verificar como a "pedagogia da sexualidade" se reproduz nas vivências cotidianas particulares do presente, ao mesmo tempo em que essas também a reproduzem.

A ideologia pedagógica que informa a socialização de papéis sexuais cumpre uma dupla função: orientar o indivíduo, antecipadamente, para as ações apropriadas (função prescritiva) e controlar e inibir as ações não apropriadas (função proscritiva).

Em outros termos, é o contexto relacional que vitaliza e legitima as normas e regras e nomeia determinadas ações como sendo "desviantes", situando tanto a ação quanto um dos participantes da ação "on the other side".

O componente sexual "desviante" do comportamento individual é visto como determinante de sua identidade social- estabelecendo-se como critério de discriminação para as demais ações sociais.

A homossexualidade é justificada por ser um destino sobre o qual não se tem controle ou mesmo escolha ("vítima" da educação dada pelos pai, mãe "dominadora", pai "submisso", "ausente", etc), ou se apresenta como uma "natureza singular".
Em qualquer dos casos, as categorias e elaborações denotam um "discurso de retorno!, articulado com a estratégia de poder.

A norma "ser gay, tudo bem, mas não conte para ninguém".

Evitar essa questão significa uma completa separação da vida profissional e social. Siginifica obedecer as normas heterossexuais em público e desobedecê-las em momentos privados.
Ainda há um sentimento de fracasso por não viver de acordo com regras homossexuais. Essa divisão de identidade fez com que para muitos homens, ser gay significasse apenas fazer sexo.

A trajetória comumente estabelecida- de homossexual "enrustido" no "mundo heterossexual" para "assumido"- significou, para alguns, a expressão pública da categoria homossexual estereotipada.
O comportamento e as atitudes, tanto sociais como sexuais, reproduzem a forma caricatural do papel de gênero feminino- o "efeminado".
O "ser homossexual" mostra-se visível, na forma e no conteúdo da fala, nos gestos e nas roupas- como uma declaração pública da identidade homossexual "assumida".

Assim, caberia perguntar: até que ponto a representação social, o estilo de vida e a visão de mundo dos indivíduos indicariam uma ruptura com o "mundo heterossexual", ou, pelo contrário, demonstraria um processo análogo de sucessivas aproximações?

Esta proposição tem por objetivo indicar a especificidade de cada relação e mostrar que a categoria homossexual compreende uma diversidade de ações sociais, tanto sexuais como não sexuais.

O problema da "descoberta" da identidade homossexual é constante, principalmente porque o estigma, uma vez que é atribuído, é um marco permanente e irremovível de culpa e autonegação da própria identidade.

O Homossexual Visto por Entendidos- Carmem Dora Guimarães.