segunda-feira, março 03, 2008

Hostilidade... (cont.)

Existem substâncias estranhas, as quais, quando presentes no sangue e nos tecidos, provocam em nós, diretamente, sensações prazerosas, alterando, também, as condições que dirigem nossa sensibilidade, que nos tornamos incapazes de receber certos impulsos desagradáveis.

Devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer, mas também um alto grau de independência do mundo externo, pois sabe-se que, com o auxílio desse 'amortecedor de preocupações', é possível, em qualquer ocasião, afastar-de da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio, com melhores condições de sensibilidade.
Sabe-se igualmene que é extamente esta propriedade dos intoxicantes que determina seu perigo e sua capacidade de causar danos.

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As pessoas receptivas à influência da arte não lhe podem lhe atribuir um valor alto demais como fonte de prazer e consolação na vida.
Não obstante, a suave narcose a que a arte nos induz, não faz mais do que ocasionar um afastamento passageiro das pressões vitais, não sendo suficientemente forte para nos levar a esquecer a aflição real.

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Evidentemente a beleza, a limpeza e a ordem ocupam uma posição especial entre as exigências da civilização, embora sua necessidade vital não seja muito aparente, da mesma forma que se revelam indesejáveis como fonte de prazer.

Os seres humanos revelam uma tendência inata para o descuido, a irregularidade e a irresponsabilidade em seu trabalho, e de que seja necessário um laborioso treinamento para que aprendam a seguir o exemplo de seus modelos celestes.

É impossível desprezar o ponto até o qual a civilização é construída sobre uma renúncia, o quanto ela pressupõe exatamente a não-satisfação.
Essa 'frustração cultural' domina o grande campo dos relacionamentos sociais entre os humanos.

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O que é mau, freqüentemente, não é de modo algum o que é prejudicial ou perigoso para o ego; pelo contrário, pode ser algo desejável e prazeroso para ele.

O que acontece no indivíduo para tornar inofensivo seu desejo de agressão?

Este motivo é facilmente decoberto no desamparo e na dependência em relação a outra pessoa.
Se a pessoa perde o amor do outro de quem é dependente, deixa também de ser protegida de uma série de perigos.
Acima de tudo, fica exposta ao perigo de que essa pessoa mais forte mostre a sua superioridade sob a forma de punição.

O sentimento de culpa é, claramente, apenas um medo da perda de amor, uma ansiedade 'social'.

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Posteriormente, devido à onisciência do superego, a diferença entre uma agressão pretendida e uma agressão executada perde a sua força. Daí por diante o sentimento de culpa podia ser produzido por um ato simplesmente pretendido: o crime reside na intenção.

É concebível que tampouco o sentimento de culpa produzido pela civilização seja percebido como tal, e em grande parte permaneça inconsciente, ou apareça como uma espécie de mal-estar, uma insatisfação para a qual as pessoas buscam outras motivações.

Como já sabemos, o problema que temos pela frente é saber como livra-se do maior estorvo à civilização- isto é, a inclinação, constitutiva dos seres humanos, para a agressividade mútua.

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Ao mesmo tempo, tivemos o cuidado de não concordar com o preconceito de que civilização é sinônimo de aperfeiçoamento, de que constitui a estrada para a perfeição, pré-ordenada para os homens.

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Freud - O mal-estar na civilização.