quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Ambivalência...

A partir do momento do nascimento, o bebê tem de lidar com o impacto da realidade passando por inumeráveis experiências de gratificação e frustração de seus desejos.
A fantasia não é simplesmente uma fuga da realidade, mas um constante e inevitável acompanhamento de experiências reais, com as quais está em constante interação.

Por exemplo, um bebê ao adormecer, fazendo satisfeito barulhos de sucção e movimentos com sua boca ou chupando seus próprios dedos, fantasia que está realmente sugando ou incorporando o seio, e dorme com a fantasia de ter realmente para si o seio que dá leite. De modo análogo, um bebê faminto e furioso, gritando e esperneando, fantasia que está realmente atacando o seio, rasgando-o e destruindo-o, e experimenta seus próprios gritos que o rasgam e o machucam como se o seio rasgado o estivesse atacando dentro dele próprio.

Bastante cedo, o ego tem uma relação com dois objetos; o objeto primário, o seio, é, nesse estádio, dividido (split) em duas partes: o seio ideal e o seio persecutório.
A fantasia do objeto ideal funde-se com as experiências gratificantes de amor e alimentação recebidos da mãe externa real, e é confirmada por essas experiências,
ao passo que a fantasia de perseguição funde-se, de modo semelhante, com experiências reais de privação e sofrimento.

A divisão (splitting) está ligada à idealização crescente do objeto ideal, a fim de mantê-lo bem distante do objeto perseguidor e de torná-lo impermeável ao mal.
Essa extrema idealização também está em conexão com a negação mágica onipotente.

Com a divisão (splitting) estão em conexão a ansiedade persecutório e a idealização.
Naturalmente ambas, se retidas em sua forma original na vida adulta, deformam o julgamento, mas alguns elementos da ansiedade persecutória e da idealização estão sempre presentes e desempenham um papel nas emoções adultas. Um certo grau de ansiedade persecutória é precondição para que se seja capaz de reconhecer, apreciar e reagir a situações verdadeiras de perigo em condições externas.
A idealização é a base da crença na bondade de objetos e na própria bondade, e é precursora de boas relações de objeto.
A relação com um objeto bom geralmente contém um certo grau de idealização, e essa idealização persiste em várias situações, tais como apaixonar-se, apreciar a beleza, formar ideais sociais ou políticos- emoções que, embora possam não ser estritamente racionais, aumentam a riqueza e a variedade de nossas vidas.

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Com o tempo, o bebê se relaciona cada vez mais não apenas com o seio, mãos, face, olhos da mãe, como objetos separados, mas com ela própria como pessoa total, que às vezes pode ser boa, às vezes má, presente ou ausente, e que pode ser tanto amada quanto odiada.
Esse reconhecimento de sua mãe como uma pessoa total tem implicações muito vastas e abre um mundo de novas experiências.
Reconhecer a mãe como uma pessoa total significa também reconhecê-la como um indivíduo que leva vida própria e que tem relações com outras pessoas.
O bebê descobre seu desamparo, sua completa dependência dela e seu ciúme de outras pessoas.

Na posição depressiva, as ansiedades brotam da ambivalência e a principal ansiedade da criança é a de que seus próprios impulsos destrutivos tenham destruído ou destruam o objeto que ela ama e do qual depende totalmente.
A descoberta feita de sua dependência com relação à seu objeto, que agora ele percebe como sendo independente e com possibilidades de se afastar. Isso aumenta sua necessidade de possuir esse objeto, de mantê-lo, e, se possível, de protegê-lo de sua própria destrutividade.

Anseia por compensar o dano que infligiu a eles em sua fantasia onipotente, por restaurar e recuperar seus objetos amados perdidos, e por lhes dar de volta a vida e integridade.
Acreditando que seus próprios ataques destrutivos foram responsáveis pela destruição do objeto, acredita também que seu próprio amor e seu próprio cuiddo podem desfazer os efeitos de sua agressividade.

O fracasso de sua reparação mágica diminui do mesmo modo que sua crença na onipotência de seu amor.
Gradualmente, ele descobre os limites tanto de seu ódio quanto de seu amor, e com o crescimento e o desenvolvimento de seu ego descobre cada vez mais meios de afetar a realidade externo.

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O caráter do superego muda.
Os objetos ideais e perseguidores introjetados na posição esquizo-paranóide formam as primeiras raízes do superego.
O objeto perseguidor é experimentado como punitivo, de forma retaliativa e impiedosa.
O objeto ideal, com o qual o ego anseia por identifica-se, se torna a parte ego-ideal do superego, muitas vezes também perseguidora, por causa das altas exigências de perfeição.

O sofrimento do luto experimentado na posição depressiva e os impulsos reparadores desenvolvidos para restaurar os objetos amados, internos e externos, constituem a base da criatividade e da sublimação.
Essas atividades reparadoras são dirigidas tanto ao objeto quanto ao eu.

O anseio por recriar seus objetos perdidos fornece-lhe o impulso para recompor o que foi feito em pedaços, para reconstruir o que foi destruído, para recriar.
Ao mesmo tempo, seu desejo de poupar os objetos leva-o a sublimar seus impulsos quando são sentidos como destrutivos.

Sob esse ponto de vista, a formação simbólica é o produto de uma perda,
é um trabalho criativo que envolve o sofrimento e todo o trabalho do luto.

Os impulsos reparadores ocasionam um maior avanço na integração,
O amor é colocado mais nitidamente em conflito com o ódio,
e age tanto no controle da destrutividade quanto na reparação e na restauração do dano causado.

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A reação maníaca com objetos é caracterizada por uma tríade de sentimentos- controle, triunfo e desprezo.
Esses sentimentos estão diretamente relacionados com sentimentos depressivos de valorizar o objeto e depender dele,
bem como de medo de perder e culpa, sendo também defensivos contra eles.
O controle é um modo de negar a dependência,
o triunfo é uma negação dos sentimentos de valorizar e de se importar,
o desprezo é uma negação do fato de valorizá-lo e age como defesa contra a experiência de perda e de culpa.

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Introdução à Obra de Melanie Klein- Hanna Segal.