domingo, julho 13, 2008

Adoecimento do Contato

O domínio do privado como um todo é devorado por uma enigmática operosidade
que apresenta todos os traços da atividade comercial,
sem que nela haja propriamente algo para comerciar.

E logo não haverá mais nenhuma relação que não tenha em vista fazer relações,
nenhum impulso que não seja submetido a uma censura prévia,
embora a pessoa não se desvie do que convém.

A irracionalidade dos sistemas exprime-se na psicologia parasitária do indivíduo
quase tanto quanto em seu destino econômico.

Antigamente, quando ainda havia algo como a famigerada separação entre o trabalho e a vida privada, da qual já se tem quase saudades,
olhava-se com desconfiança e como um intruso sem modos quem perseguisse fins na esfera privada.
Hoje parece arrogante, estranho e deslocado quem se entrega a algo privado sem que nele se possa notar uma orientação para algum fim.

É de bom alvitre desconfiar de tudo o que é ingênuo, descontraído.

A sujeição da vida ao processo produtivo impõe de maneira humilhante a cada um algo do isolamento e da solidão que somos tentados a considerar como objeto de nossa superior escolha.

Ele pensa por equivalências e toda a sua vida privada está submetida à lei de dar sempre menos que o recebido,
porém sempre o suficiente para que se receba algo em retorno.

Em toda amabilidade que consente pode-se notar a seguinte reflexão:
"Será que isso é necessário, será que é preciso fazê-lo?"

Sua característica mais segura é a pressa de "retribuir" atenções recebidas,
de modo a não deixar surgir nenhuma lacuna na cadeia de atos de troca
nos quais se entra por conta própria.

As ordenações práticas da vida, que se apresentam como se favorecessem o homem, concorrem, na economia do lucro, para atrofiar o que é humano,
e quanto mais elas se estendem, tanto mais podam tudo o que é delicado.

Cada envoltório que se interpõe no relacionamento entre os homens é sentido como perturbação do funcionamento da máquina,
na qual não só estão incorporados como orgulhosamente se contemplam a si mesmos.

É o adoecimento do contato.
A alienação se manifesta nos homens precisamente no fato de que as distâncias são eliminadas.
Pois, é só enquanto não se importunam uns aos outros com coisas como dar e tomar, discutir e executar, dispor e funcionar,
que sobra espaço espaço suficiente entre eles para os delicados laços que os ligam uns aos outros
(...).

Considera-se agora a reta como o vínculo mais curto entre duas pessoas,
como se estas fossem pontos
.

Quanto mais alguém toma para si o partido de sua agressão,
tanto mais perfeitamente representa o princípio repressivo da sociedade.

Neste sentido, mais talvez do que em qualquer outro,
é válida a afirmação de que o mais individual é o mais universal.

Adorno- Minima Moralia.