sábado, maio 24, 2008

O pão nosso de cada dia...

As práticas de Orientação Profissional precederam historicamente os modelos teóricos.
Seu nascimento foi demarcado pela criação dos Centros de Orientação Profissional na Europa e nos Estados Unidos, na primeira década do século XX3, que tinham como principal objetivo identificar trabalhadores inaptos para determinadas tarefas industriais a fim de evitar acidentes de trabalho e garantir a produtividade.

A Orientação Profissional nasceu para resolver problemas práticos da próspera sociedade industrial da época e a sua história está intimamente ligada à história das relações de trabalho do mundo ocidental.

Referências ao papel do trabalho na vida do ser humano já apareciam na Bíblia.
O trabalho era definido como castigo divino imposto aos homens por sua desobediência a Deus.
Na Antigüidade Clássica, o trabalho era função desprezada que cabia aos escravos; o que garantia aos cidadãos o direito ao ócio, às atividades políticas e contemplativas.
Durante a Idade Média, o trabalho cabia aos servos, que sustentavam os senhores feudais, donos da terra e do poder.
Até este momento histórico, a vida laboral confundia-se com a vida doméstica; o trabalho era realizado em casa, em família e os filhos aprendiam seus futuros ofícios com seus pais ou, no máximo, com vizinhos que conhecessem ofícios diferentes.

A Reforma Religiosa trouxe consigo a idéia de que o trabalho é salvação, é virtude; o ócio passou a ser condenado em seu lugar.
O Renascimento Cultural promoveu o desenvolvimento das artes e da ciência e contribuiu com a idéia do trabalho como libertação, como possibilidade de domínio do homem sobre a natureza.
As Grandes Navegações e o Mercantilismo trouxeram o desenvolvimento do comércio e promoveram a ascensão da burguesia enquanto classe social.
Com o Iluminismo vieram avanços científicos e tecnológicos inovadores.

Todos estes movimentos históricos trouxeram consigo o germe da futura sociedade industrial, contribuíram para a idéia de trabalho como um valor positivo e permitiram a possibilidade de ascensão social através do exercício laboral.

A Orientação Profissional nasceu como prática neste contexto sócio-econômico da Terceira Revolução Industrial, caracterizada pela produção e pelo consumo em massa, em que as indústrias eram instituições gigantescas que empregavam um grande contingente de trabalhadores assalariados para a execução de tarefas específicas, segmentadas e repetitivas.
Os primeiros processos de intervenção desenvolvidos foram influenciados pelos mesmos princípios de cientificidade e pela bandeira da eficiência que balizavam a produção industrial.

Esta influência culminou com o desenvolvimento da Teoria do Traço e Fator, que passou a servir como paradigma para a realização de processos de Orientação Profissional baseados na utilização de testes de aptidões, habilidades e interesses e cujo baluarte era o ajustamento do homem à ocupação, com vistas na excelência da eficiência industrial.

A ética da atividade realizada por estes orientadores profissionais era a ética da produção.
O foco desta atividade era a busca da eficiência através do ajustamento da pessoa à função, a partir da avaliação das habilidades e competências, independentemente da autopercepção do sujeito quanto aos seus interesses e perspectivas de satisfação e auto-realização.


Durante a segunda metade do século XX, com a decadência da sociedade industrial e a revalorização da criatividade, a Orientação Profissional tomou novos rumos.
Em primeiro lugar, a influência da Terapia Centrada no Cliente de Carl Rogers, que pregava a não-diretividade dos processos psicoterápicos e do aconselhamento psicológico, influenciou sobremaneira a visão sobre os papéis dos sujeitos da Orientação Profissional, pelo deslocamento do lugar do saber e da decisão do orientador para o orientando.
Em segundo lugar, o surgimento da idéia de que a escolha profissional é um processo integrado ao desenvolvimento vital do sujeito.
O foco da Orientação Profissional transferiu-se da produção resultante para o sujeito de escolha, sendo a eficiência e a produtividade tomadas como conseqüências naturais de uma escolha adequada, centrada na satisfação e nos sentimentos de realização do indivíduo.

A sociedade capitalista atual é pautada pelo aumento do setor terciário ou de serviços; pela globalização da economia; pelo modelo enxuto de empresa; pelo uso de tecnologias de ponta, como eletrônica, telecomunicações, informática, biotecnologia; pela alta produção de bens não-materiais, como serviços, informação, educação, estética.

Em conseqüência destas mudanças, postos de trabalho na indústria vêm diminuindo e o decréscimo do emprego estrutural vem gerando desemprego e dando lugar ao trabalho autônomo e à economia informal;
ocupações antigas vêm desaparecendo e novas vêm surgindo a cada dia.

Estas mudanças no mundo do trabalho geram instabilidade e exigem do trabalhador uma série de novas habilidades para a empregabilidade, como flexibilidade, polivalência, capacitação tecnológica, adaptabilidade.

A organização, a estabilidade, a certeza, a previsibilidade, ícones da sociedade industrial, foram substituídas pela flexibilidade da produção e das relações de trabalho, que passaram a ser guiados pelas flutuações do mercado de consumo.

Ao mesmo tempo em que a sociedade pós-industrial seduz com seu discurso de que o trabalho deve estar vinculado à busca por qualidade de vida, mantém um contingente cada vez maior de indivíduos à margem do processo produtivo.


Uma dimensão ideológica sempre está presente no processo de Orientação Profissional, mesmo que de forma inconsciente e mesmo que o orientador profissional tente colocar-se em uma posição de neutralidade.
A própria neutralidade é uma postura ideológica que, na maioria das vezes, apenas esconde passividade e falta de crítica.

A orientação profissional e as transformações no mundo do trabalho
Maria Célia Lassance; Mônica Sparta