domingo, janeiro 13, 2008

Vida Privada no Brasil- Religiões

Os sinais da transformação? A evidente ampliação e diversificação do "mercado dos bens de salvação". Igrejas gerenciadas abertamente como verdadeiras empresas.
Os modernos meios de comunicação de massa postos a serviço da conquista das almas.

Os indivíduos são julgados em condição de escolher livremente sua própria religião, diante de um mercado em expansão.

Ao mesmo tempo, a busca do vigor interior da crença, da experiência de exaltação da fé e do transporte espiritual diante do milagre, como diretriz para a recuperação de uma dimensão privada da experiência religiosa, resultaria, no interior da Igreja, numa outra aproximação a contrapelo com o pentecostalismo, representada pelo fortalecimento e progressiva expansão da Renovação Carismática.

Intelectuais e artistas do eixo Rio-São Paulo se encarregariam de tornar conhecidas por todo o Brasil as referências do candomblé da Bahia, ao mesmo tempo que, nos próprios meios religiosos Afro-brasileiros se iniciaria o movimento de "retorno às origens", invertendo o processo de legitimação que levara os candomblés a se diluir na versão mais soft da umbanda. Só mais tarde as próprias elites intelectuais e políticas baianas reinventarão por inteiro a "Bahia negra", com os afoxés carnavalescos, o Olodum e a axé music.

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A arquitetura monumental das igrejas altera as percepções convencionais de espaço, luz e sombra e manipula a orientação urbana monopolizando os relevos, controlando as perspectivas e presidindo as praças.

Trata-se da sacralização do tempo, que todo rito religioso efetua. Em toda sociedade o nascimento, a entrada na vida adulta, o casamento ou a morte dão lugar a ritos de passagem, cujo final é quase sempre celebrado festivamente.

Batizado, crisma, primeira comunhão, casamento, missa de bodas de prata e de ouro, de corpo presente, de sétimo dia, de mês, de ano e de aniversário, são cerimônias que, no catolicismo, ungem com benção da sacralidade esses momentos de ruptura e transição.

Talvez não se possas distinguir aqui com precisão as fronteiras entre o sagrado e o profano, o fervor íntimo da devoção e a mais pura expansão da alegria festiva.

Disso são exemplos as muitas manifestações culturais tidas como "folclóricas" e cujo fundamento religioso é na maior parte das vezes ignorado pelos espectadores que assistem aos belos espetáculos. Batuques, congadas, moçambiques, catopês, folias de Reis e do Divido, os bois-bumbás e os pastoris nordestinos, nas festas em louvor aos santos juninos e nos autos de Natal.

Ao mesmo tempo, porém, no fulcro da tradição das religiosidades no Brasil, os ritos coletivos podem facilmente se transformar também em celebrações domésticas, de cunho familiar.
O Natal, apesar de tudo, ainda comemora o nascimento de Cristo, a Páscos, sua ressurreição, e a celebração do Dia das Mães não é por acaso no mês de maio, mês de Maria, mãe de Deus e dos homens.

A freqüência dominical ou a participação nas grandes celebrações do calendário litúrgico católico, que desde os tempos coloniais foram a ocasião de exibição de prestígio social, riqueza e poder, e que conservaram ainda no meio rural uma importante função de sociabilidade, perdem progressivamente sua imortância, à medida que avança o processo de urbanização e modernização da sociedade brasileira.

Pouco espaço sobra ao valor do recato feminino, pilar da moralidade familiar católica há pouco mais de quatro décadas, e que vai desaparecendo aos poucos numa cidade da minissaia, das academias de ginástica e musculação, do top less, do Disk-Erótica.

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No caso da Igreja Universal, mediante a compra sistemática de edificações de porte em lugares públicos de notória visibilidade, como cinemas, teatros e supermercados desativados, para neles instalar locais de culto que atraem um grande número de fiéis, chamando atenção por sua presença ostensiva.

Os mais inconfessáveis sentimentos, os mais profundos temores ou as ações mais cuidadosamente encobertas- o ódio aos pais ou a um irmão, a incerteza quanto à identidade sexual, uma relação perversa, por exemplo- são proclamados diante de um público que, graças à mídia, se multiplica em miríades de olhos e ouvidos que vêem e não se escandalizam, escutam e não condenam, porque não se encontram perante algo pelo qual o indivíduo é responsável, mas apenas diante de mais um espetáculo em que o maligno revela suas múltiplas faces, no desenrolar da sessão de exorcismo.

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O evento desportivo na disputa do Campeonato Mundial de futebol recria no plano de uma sacralidade transfigurada o sentido íntimo do pertencimento e da celebração, assim como as escolas de samba do Rio de Janeiro, conclamando que vai entrar na avenida a nação mangueirense, do Salgueiro, da Viradouro ou da Beija-Flor, assim também a nação corintiana, palmeireise, do Flamengo, do Grêmio ou do Atlético.

As figuras do Sagrado: entre o público e o privado. Maria Lúcia Montes.
História da Vida Privada no Brasil.